Presidente da maior rede varejista do Amazonas, Denis Minev destaca que a região amazônica precisa de soluções de longo prazo que melhorem a qualidade de vida da população e aumentem o desenvolvimento local. “A economia amazônica é mais semelhante à economia do resto do mundo do que diferente. Algumas coisas que se aplicam ao interior de São Paulo também vão se aplicar aqui. Aquilo que vai desenvolver o interior de São Paulo, a capacidade humana, os cérebros, é o que vai desenvolver o interior da Amazônia”, diz o presidente do Grupo Bemol, companhia que atua com lojas de eletrodomésticos, farmácias e mercados no Amazonas, em Rondônia, no Acre e em Roraima.
O empresário conta que tem trabalhado para tentar unir as conversas em torno da preservação ambiental – que, destaca, são mais fortes fora da Amazônia – aos debates sobre desenvolvimento econômico da região, que ressoam melhor entre a população local. “Quando estamos fora da Amazônia, em geral, a discussão é sobre meio ambiente. Mas, internamente, não é sobre meio ambiente. Vejo que o meu papel é tentar casar essa necessidade que o mundo tem de discutir a Amazônia no campo ambiental com a necessidade que a Amazônia tem de encontrar seu rumo a caminho da prosperidade.”
Minev diz ainda que a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP-30), agendada para acontecer em novembro do próximo ano em Belém, será uma oportunidade para trazer a atenção do mundo para a necessidade de desenvolver a região amazônica. Ele alerta, no entanto, que é importante que políticas públicas contínuas sejam adotadas após o evento. “Esses eventos (como a COP) são de curto prazo. Os problemas amazônicos não são de curto prazo. Um impulso de atenção é ótimo, mas a Amazônia já teve outros impulsos de atenção no passado.”
Com Minev, o Estadão começa a publicar uma série de entrevistas sobre desenvolvimento econômico sustentável no Brasil, em que foram ouvidos empresários, economistas e executivos envolvidos no debate ambiental.
A seguir, trechos da entrevista:
Com uma matriz energética limpa, o Brasil tem potencial de assumir uma posição de liderança em um mundo que busca reduzir as emissões de gases poluentes. A COP-30 é uma chance de o Brasil mostrar para o mundo esse potencial. O País está se preparando para aproveitar a oportunidade?
Tenho visto muitas discussões e tem mais gente falando da Amazônia. A COP e a liderança do Brasil no G-20 estão contribuindo para isso. Mas esses eventos são de curto prazo. Os problemas amazônicos não são de curto prazo. Um impulso de atenção é ótimo, mas a Amazônia já teve outros impulsos de atenção no passado. Minha dúvida é se esse impulso vai ser seguido por políticas contínuas que podem nos levar a um futuro melhor ou se não ficará nada alguns anos depois. Entendo que o mundo tenha pressa para resolver problemas ambientais e climáticos, mas a maior parte das melhores soluções não é de curto prazo.
Quais seriam essas soluções?
Gosto de dividir em três frentes. Uma é dar um bom destino aos 70 milhões de hectares da Amazônia desmatados, degradados ou abandonados. Conseguir, por exemplo, transformar a terra degradada em produtiva e armazenar mais carbono, mas também produzir comida, madeira, empregos e riqueza é uma pergunta para a qual temos boas iniciativas. Tem muitas empresas focando no uso desse tipo de área, no armazenamento de carbono, mas ainda em um ritmo lento. Hoje, quando falamos de restauração e de sistemas agroflorestais, falamos de 10 mil hectares ou 50 mil hectares. Mas a gente precisa falar de milhões de hectares. O Brasil não está nesse patamar e eu temo que não esteja também no rumo de estar nesse patamar.
Quais são as outras frentes?
A segunda é ligada à ciência e à tecnologia. Todo brasileiro é capaz de reconhecer que a Amazônia é um patrimônio extraordinário. Grande parte desse patrimônio está ligado à biodiversidade. O problema é que isso é um cofre e tem uma chave. A chave são os cérebros. É preciso muita gente qualificada para descobrir tudo que a Amazônia tem a oferecer. Não estamos desenvolvendo cérebros em um ritmo adequado. A terceira frente é mais parecida com a de qualquer lugar do mundo. Hoje, a maior parte do PIB da Amazônia está em áreas urbanas. Então você precisa desenvolver cidades na Amazônia, não é só o meio rural. A gente pensa no âmbito rural por causa da floresta, mas as cidades amazônicas são pobres. São cidades que não têm qualidade de vida e com poucas pessoas com alta qualificação para participar de uma economia global. Temos problemas tradicionais de desenvolvimento. Tanto faz se você está em São José dos Campos, Minneapolis ou Itacoatiara. Então, tem aspectos amazônicos, mas tem os não-amazônicos. Se você prestar atenção, todos eles são temas de médio para longo prazo. O que você pode fazer no curto prazo é aumentar policiamento ou ações mais incisivas. Isso tem sua importância, mas é insuficiente. Se não vier casado com mais política, é enxugar gelo por mais uma geração.
Acha que o governo está trabalhando nessas frentes?
Vejo iniciativas em todas elas. Minha preocupação é com a intensidade, a magnitude e a ambição de cada uma. O governo está tratando de restauração florestal, mas não consigo ver ações para a gente conseguir vislumbrar um milhão de hectares desmatados sendo regenerados. Na minha leitura, você resolve o problema de desmatamento com alternativas. Quando você está reflorestando, gerando empregos, alimentação, logística e outros negócios a partir de soluções sustentáveis, aí você dissolve o problema do desmatamento e a Amazônia vira um lugar de prosperidade.
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Quando o sr. fala em soluções sustentáveis para a Amazônia, quais acha que seriam as melhores opções e que a população local abraçaria?
Não existe bala de prata, mas eu foco em prosperidade. Posso te contar a frente que nós temos na Bemol. A cidade de Itacoatiara, no interior do Amazonas, está virando nosso principal centro de desenvolvimento de software. Tem duas universidades lá, estadual e federal, mas elas tinham um grau de evasão elevado. Passamos a pegar aqueles alunos, ajudá-los a concluir o curso, treiná-los para o mercado de trabalho e depois aproveitá-los. Temos de 40 a 50 desenvolvedores de software no interior do Amazonas. A gente pensa muito nas soluções da Amazônia – e serão necessárias soluções amazônicas em biodiversidade e uso da terra –, mas economias modernas são calcadas em cérebros. Temos orgulho dessa iniciativa, porque é duradoura. Essas pessoas qualificadas vão conseguir gerar renda no século 21 de uma forma significativa. Agora, a gente vai precisar encontrar 50 soluções diferentes. Quando empresários de fora me perguntam o que podem fazer para ajudar a Amazônia, perguntam se podem plantar uma árvore. Podem, plantar uma árvore tem utilidade. Mas eu digo que acho melhor contratar alguém na Amazônia, acho que tem mais valor.
Não são, então, soluções necessariamente ligadas à floresta?
A economia amazônica é mais semelhante à do resto do mundo do que é diferente. Algumas coisas que se aplicam ao interior de São Paulo também vão se aplicar aqui. O que vai desenvolver o interior de São Paulo é a capacidade humana, os cérebros mesmo. Um problema dramático na Amazônia é que, na maior parte das cidades, você não gostaria de viver. Elas não têm entretenimento, saúde, saneamento, transporte. Um engenheiro não vai querer viver num lugar assim. Então, tornar as cidades melhores, mais habitáveis, é uma frente importante também. São diversas frentes, mas que são semelhantes às do interior de São Paulo.
A COP pode ajudar a impulsionar o desenvolvimento?
Reluto em focar em eventos ou frentes de curto prazo. É ótimo que a COP aconteça para trazer mais atenção à região, mas minha preocupação é: estamos no caminho de entregar uma Amazônia próspera em 2050? Acho que ainda não. Não temos a magnitude do impulso. Partes da visão estão claras, mas não temos a ambição e os recursos financeiros para chegar lá. Minha expectativa, talvez esperança, com a COP, é que parte do mundo consiga compreender alguns desses problemas amazônicos e que se junte a nós para tornar essa ambição uma realidade.
O sr. tem participado de conversas com o governo sobre o assunto? Como tem sido o diálogo?
Os últimos anos na Amazônia têm sido anos complicados, em parte pelo que está acontecendo fora da Amazônia. Por exemplo, a polarização que o Brasil tem enfrentado. Na Amazônia, isso se reflete da seguinte forma: em fóruns empresariais, políticos ou sociais, discutimos empregos, saúde, saneamento, renda, desenvolvimento. Quando estamos fora da Amazônia, em geral, a discussão é sobre meio ambiente. Mas, internamente, não é sobre meio ambiente. Meio ambiente, dentro da Amazônia, é uma discussão secundária. Entendo que pareça estranho, mas como é o debate em São Paulo sobre o futuro de São Paulo? Meio ambiente tende a ser um tema secundário. Mesma coisa em Nova York, Tóquio, Paris e, portanto, em Manaus. Mas, quando olham para a Amazônia, todos querem tratar de meio ambiente. Entendo, a região tem importância no debate ambiental global, mas não é o tema que tem ressonância regional. Vejo que o meu papel é tentar casar essa necessidade que o mundo tem de discutir a Amazônia no campo ambiental com a necessidade que a Amazônia tem de encontrar seu rumo a caminho da prosperidade.
Qual o papel do setor privado nessa agenda?
Tem de encontrar o caminho para se desenvolver, crescer, gerar riqueza, empregos, prosperidade. É claro que existe um papel para o governo criar um ambiente institucional que permita ao setor privado se desenvolver. Acho que isso não tem acontecido com a intensidade necessária. Mas, ao mesmo tempo, o mundo empresarial não tem investido na magnitude necessária para criar essa prosperidade.
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