BRASÍLIA e SÃO PAULO - Pressionado pela alta dos preços dos alimentos e dos combustíveis, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu, por unanimidade, elevar a Selic (a taxa básica da economia) em 0,75 ponto porcentual, para 2,75% ao ano. Depois de sete meses com os juros no menor nível da história, essa é a primeira elevação na Selic desde julho de 2015.
O aumento de 0,75 ponto porcentual de largada surpreeendeu os analistas e o BC já avisou que na próxima reunião, daqui a 45 dias, deve subir a Selic novamente em 0,75 ponto porcentual.
Das 54 instituições do mercado financeiro consultadas pelo Projeções Broadcast, apenas uma esperava esse aumento mais intenso. A maioria (48) aguardava que a taxa subisse mesmo de 2% para 2,50% ao ano. Três delas previam alta de 0,25 ponto.
A previsão do mercado é de que a taxa continue avançando, terminando 2021 em 4,5% ao ano e 2022 em 5,5% ao ano.
Na prática, quanto menores os juros básicos da economia, mais barato fica o crédito para empresas e famílias, o que possibilitou o crescimento dos financiamentos no auge da crise e ajudou a segurar as quedas na atividade e no emprego.
Ao voltar a subir os juros, o Copom mira a inflação de médio e longo prazo, tentando evitar que alta dos preços se dissemine na economia.
O centro da meta de inflação perseguida pelo BC em 2021 é de 3,75%, com margem de 1,5 ponto (de 2,25% a 5,25%). A meta de 2022 é de 3,50%, com margem de 1,5 ponto (de 2,00% a 5,00%), enquanto o parâmetro para 2023 é de inflação de 3,25%, com margem de 1,5 ponto (de 1,75% a 4,75%).
Ao justificar a decisão de hoje, o BC avaliou que o PIB encerrou 2020 com crescimento forte na margem, recuperando a maior parte da queda observada no primeiro semestre, e as expectativas de inflação passaram a se situar acima da meta no horizonte relevante de política monetária. “Adicionalmente, houve elevação das projeções de inflação para níveis próximos ao limite superior da meta em 2021”, destacou.
Para o Copom, uma estratégia de ajuste mais rápido – com uma elevação maior da Selic agora - teria como benefício reduzir a probabilidade de não cumprimento da meta para a inflação deste ano, assim como manter a ancoragem das expectativas de inflação para horizontes mais longos.
“Além disso, o amplo conjunto de informações disponíveis para o Copom sugere que essa estratégia é compatível com o cumprimento da meta em 2022, mesmo em um cenário de aumento temporário do isolamento social”, completou.
Teste para BC autônomo: elevar os juros mesmo com o agravamento da crise
A decisão foi o primeiro teste e tudo indica mais difícil até agora para o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e sua equipe após o Congresso aprovar no mês passado a autonomia da instituição, com a justificativa de garantir a condução da política de juros sem pressões políticas.
A perspectiva de a economia brasileira entrar em recessão técnica, no segundo trimestre deste ano, num quadro de recrudescimento da pandemia, combinado commedidas de isolamento e lockdown, só ampliou o desconforto com a medida. Com a inflação em 12 meses se aproximando de 7% em abril, desemprego e PIB negativo, a economia vive uma situação de estagflação.
O momento é ainda mais delicado porque o próprio presidente Jair Bolsonaro contribuiu para elevar, nas últimas semanas, a cotação do dólar disparando uma série de movimentos erráticos e contraditórios na economia, que começou com a intervenção da Petrobrás, passou pela tentativa de flexibilizar o teto de gastos (a regra que atrela o crescimento das despesas à inflação) e terminou com a articulação de uma manobra para desidratar as medidas de corte de gastos da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do auxílio emergencial.
O resultado: mais pressão sobre a inflação, a ponto de Campos Neto ter entrado nas negociações políticas para impedir uma derrota geral na votação, o que complicaria ainda mais o trabalho do BC na condução da política monetária (calibrar a taxa básica de juros, a Selic, para o controle da inflação).
Sem saída
A decisão de elevar os juros básicos em 0,75 ponto surpreendeu a maior parte dos analistas, que esperavam um aumento menor da Selic. Na visão de economistas ouvidos pelo Estadão, no entanto, a medida demonstra a preocupação do BC em lidar com a alta de preços e do dólar e era inevitável – embora haja divergências sobre a velocidade desse aumento.
Para José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), e ex-diretor do BC, apesar de a entidade entender que os choques recentes na economia são temporários, eles estão em uma dimensão relevante, e o quadro para a inflação se tornou preocupante. “Quando se olha o comportamento dos preços ao produtor, a alta é substancial.”
Ele completa que a questão fiscal no Brasil também é preocupante e que há uma falta de apetite pelo enfrentamento desse problema. “Principalmente para conter a evolução das despesas obrigatórias. E há sinais de traços de populismo na condução da política econômica.”
Já a consultora econômica Zeina Latif diz que o movimento do BC poderia ter sido mais modesto, para acompanhar os desdobramentos da economia. Ela também avalia que a eficácia da alta de juros será baixa. “No curto prazo, o dólar deve recuar, mas os principais fatores para o descolamento do dólar são a questão fiscal, a falta de uma agenda de governo e a incompetência para lidar com a pandemia. A tendência é termos um aperto mais forte dos juros do que se imaginava.”
André Perfeito, economista-chefe da Necton, destaca que a Selic deveria ter subido antes. “Juro mais alto, porém, pode cair mal e precisamos observar os efeitos políticos disso. Mas tudo piorou rapidamente e não adianta ter juros no lugar certo e a economia no lugar errado.”
Já Fabio Silveira, sócio-diretor da MacroSector Consultores, critica a elevação dos juros. “Foi um grande erro de análise. Não era para fazer nada agora, pois há uma inflação de custos, não de demanda. Em vez de esfriar os preços, vai esfriar a ainda frágil demanda.”
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