Desaceleração da economia pode levar a uma pausa na alta da Selic, diz economista do Bank of America

Ainda assim, David Beker projeta que ciclo de aumento nos juros deve continuar até a Selic chegar a 15,25%, sem margem para corte da taxa em 2025

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Foto do author Eduardo Laguna
Foto: Rafael Karelisky
Entrevista comDavid BekerChefe de economia para o Brasil e de estratégia para a América Latina do Bank of America (BofA)

A desaceleração da atividade econômica, que dá os seus primeiros sinais, pode contribuir para, pelo menos, uma pausa no ciclo de alta dos juros, avalia o chefe de economia para o Brasil e de estratégia para a América Latina do Bank of America (BofA), David Beker. Em entrevista ao Estadão/Broadcast, ele diz que, depois do impulso da safra de grãos no primeiro trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) deve perder tração, com o crescimento caindo para perto de zero no terceiro e quarto trimestres de 2025.

“O Banco Central pode decidir não necessariamente encerrar o processo de alta, mas eventualmente pausar”, comenta Beker, acrescentando que a apreciação recente do real também ajuda a reduzir os riscos adicionais sobre a inflação. “Conforme surgirem mais evidências da desaceleração, esse vai ser um ingrediente importante para o BC decidir, pelo menos, pausar”, acrescenta.

Apesar disso, como as expectativas estão descoladas da meta perseguida pelo BC, Beker entende que a tendência é de o ciclo de aumento de juros continuar até a Selic chegar a 15,25%, sem margem para corte da taxa ainda neste ano. Leia abaixo os principais trechos da entrevista:

Como o sr. interpreta as mensagens do último comunicado do Copom? O que esperar a partir de agora?

O Banco Central já tem feito um aperto importante, já está comprometido com pelo menos mais uma alta de 1 ponto porcentual. Então, fazia sentido mudar um pouco a linguagem para o que vem adiante [após março]. Basicamente, deixou em aberto todas as possibilidades. Não sei se o Banco Central vai querer deixar claro na ata que vem ainda um aumento ou aumentos depois da próxima reunião. O comunicado deixa em aberto. Traz um tom duro de que o ciclo vai depender da evolução, dos dados... Sabemos quão altas estão as expectativas de inflação. O comunicado passa a mensagem de que provavelmente deve precisar de mais (aumento da Selic), mas não deixa isso explícito.

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Subida dos juros feita pelo BC começa a se refletir no nível de atividade econômica  Foto: Dida Sampaio/Estadão

Houve avaliações de que o Copom nem sequer deu a entender que o movimento mais provável na reunião de maio será de aumento da Selic.

Do jeito que está escrito, se não tiver modificação da mensagem na ata, o zero (de aumento) poderia ser uma possibilidade. Mas, quando você olha para as expectativas, nossa visão é que precisa de um pouco mais. Entendemos, neste momento, que faz 1 ponto porcentual (sinalizado para março), e depois duas altas de 0,50, parando em 15,25%. Mas tem de monitorar os dados. A economia já está mostrando sinais de que está desacelerando, o ciclo de aperto monetário está, sim, surtindo efeito. Em algum momento, o Banco Central vai ter de parar para ver, só não acho que agora.

Essa desaceleração da atividade vai permitir ao BC voltar a cortar os juros no fim deste ano?

Acho muito difícil. As expectativas de inflação ainda estão subindo. As projeções do Banco Central no horizonte relevante ainda estão bem acima do centro da meta. Os juros vão ter de ficar altos por algum tempo. Estou imaginando, hoje, que fecha o ano em 15,25%. Depois, entre o primeiro e o segundo trimestre do ano que vem, poderia começar a cortar juros.

A questão da reputação do BC, com a troca de comando e maioria dos membros indicados pelo atual governo no Copom, impõe um custo maior de ancoragem das expectativas? Ou a credibilidade foi assegurada com a decisão do comitê em dezembro?

A mensagem de dezembro foi muito inteligente, porque criou o comprometimento dos aumentos de juros e amorteceu o processo de transição. Uma das preocupações e discussões era como seria o processo de transição. Quando o presidente Gabriel Galípolo se sentou na cadeira, já tinha o forward guidance (tendência), e ele entregou em linha. O papel desse comunicado, que acabou sendo um pouco mais duro, foi bem cumprido. Não acho que o juro esteja baixo. Tem a discussão de quanto mais seria preciso subir para a inflação convergir, mas já estamos num processo de aperto monetário. Já estamos num patamar restritivo.

O comunicado veio mais duro em relação ao que o senhor esperava?

Veio relativamente em linha ao que eu esperava, mas, em relação ao mercado esperava, as pessoas, em geral, esperavam algo um pouco mais duro. Agora, como eu comentei no começo, é importante esperar a ata, que traz mais indicações. Eventualmente, pode dizer que, realmente, o mais provável é ter algum aumento depois do próximo 1 ponto porcentual.

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O impulso da safra deve meio que salvar o PIB deste ano?

Já temos alguns sinais de desaceleração — entre eles, no mercado de trabalho formal, nos indicadores de confiança, nas concessões de crédito, na produção industrial. A cada dia que passa, temos mais indicadores apontando na direção da desaceleração. É natural esperar essa desaceleração, uma vez que os juros estão altos, e subindo, e o País tem menos impulso fiscal. Essa combinação faz com que a atividade desacelere. Estamos partindo de uma taxa de crescimento acima de 3% e, provavelmente, vamos fechar o ano, em termos de média, com crescimento perto de 2%, que é a nossa projeção. Para isso acontecer, o crescimento do terceiro e do quarto trimestre vai ser muito perto de zero. Então, embora o primeiro trimestre tenha esse fator safra, que vai ajudar o começo do ano, conforme o tempo for passando, a desaceleração vai ganhar mais robustez. O segundo semestre deste ano vai ser bem mais fraco do que foi o segundo semestre do ano passado.

O senhor entende que essa desaceleração, a depender da intensidade, pode ajudar o Banco Central a antecipar o fim do ciclo de alta dos juros?

A resposta é sim, dependendo de como esses sinais aparecerem. O Banco Central pode decidir não necessariamente encerrar o processo de alta, mas eventualmente pausar. Os dados vão ser importantes para ele, não só os dados de atividade, também os dados de expectativa de inflação. A apreciação do câmbio que estamos vendo ajuda, embora seja difícil saber quão sustentável ela é, já que há toda essa incerteza sobre a política tarifária nos Estados Unidos. A apreciação do câmbio tira um pouco dos riscos adicionais para a inflação. Conforme surgirem mais evidências da desaceleração, esse vai ser um ingrediente importante para o BC decidir, pelo menos, pausar.

Qual será o desafio para a execução do arcabouço fiscal? O sr. espera novas flexibilizações da meta?

Entendemos que o governo vai se esforçar para cumprir o arcabouço e cumprir as metas. Não é trivial, mas vai continuar esse esforço. A discussão do mercado é que o nível de primário que está entregando é baixo, dado o nível da dívida que temos. Isso não me parece que vai mudar no curto prazo. Então, espero que continue o esforço para cumprir o arcabouço fiscal. Mas as metas com as quais o governo se comprometeu são baixas para o nível da dívida. O esforço para atingir as metas atuais continua, mas não me parece que exista uma discussão para aumentar o esforço.

Ou seja, o mercado está olhando para a dívida, que, apesar do cumprimento da meta fiscal, continua subindo.

O que importa em termos de sustentabilidade fiscal, no limite, é o que acontece com a dívida ao longo do tempo. Se você olhar para o primário perto de zero, ele é até bom em termos de comparação internacional. Não está ruim. Só que temos um estoque de dívida muito grande, com uma despesa de juros muito alta. Então, o nosso déficit total (incluindo pagamento de juros) é muito alto, e é muito alto quando comparado com os outros países também.

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A preocupação com o crescimento da dívida se deve mais ao impacto dos juros mais altos, ou tem também as questões das exceções à regra fiscal, o uso de manobras parafiscais?

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O governo está melhorando o primário, mas já temos um estoque de dívida. Se o nosso juro fosse zero, ou fosse 2%, o déficit nominal seria menor, precisaria de menos primário para estabilizar a dívida. Quando sobe o juro, é preciso fazer mais primário. Só que isso está acontecendo no mundo inteiro. Na verdade, quando o juro subiu no mundo, todo mundo começou a fazer as contas dos déficits. Hoje, discutimos os problemas fiscais não só no Brasil. O resto do mundo tem também problemas fiscais.

No debate sobre dominância fiscal, que ganha força, como o senhor se posiciona?

Muito difícil saber se está ou não. Obviamente, o tempo passa, a dívida sobe, aí você acha que está caminhando nessa direção. Os riscos de o País estar caminhando nessa direção estão aumentando. Mas eu diria que, no limite, vai depender de qual será a agenda fiscal daqui para frente. Quando a credibilidade fiscal melhora, a política monetária não precisa ser tão apertada, a dinâmica da dívida melhora. É um processo. Só que, é aquela história, quanto mais a dívida sobe, mais preocupado o mercado fica com esse risco.

Quais são os maiores riscos do governo Trump para o Brasil?

Tenho dito que o Brasil é um pouco passageiro em relação às potenciais medidas a serem implementadas pelo governo americano. Claramente, China, México e Canadá estão mais no foco. O mundo está em compasso de espera, aguardando o que vai ser feito. De forma genérica: mais tarifas, mais inflação global, eventualmente gerando impactos nas moedas de países emergentes. Esse canal de transmissão acaba nos afetando também. Se o mercado tem uma percepção de aversão a risco, sem dúvida o real, como sendo uma das moedas mais líquidas dentre os emergentes, pode acabar sofrendo.

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