Nove em cada dez empresas brasileiras têm motivação para se engajar em uma jornada de descarbonização e conseguem calcular parte de suas emissões de carbono. O maior desafio nesse processo é a falta de regulamentação clara sobre o assunto. É o que mostra estudo realizado pelo Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável (Cebds) e pelo Boston Consulting Group (BCG) com 53 grandes empresas de setores como agronegócio, transporte, saneamento, mineração e energia.
“Essa percepção é de grandes empresas. Ter 92% motivados com jornada net zero é um número grande. Eu atribuo muito ao fato de as altas lideranças perceberem as implicações das vantagens que têm em estar no Brasil, com matriz limpa e alta diversidade. O mundo inteiro tem, e aqui não é diferente, a pressão de investidores. Mas além da pressão dos investidores há a percepção de que no Brasil isso é muito interessante”, afirma a presidente do Cebds, Marina Grossi.
O principal fator de pressão para o engajamento no assunto vem de dentro: em 75% das empresas, é a alta liderança que cobra o envolvimento em uma jornada de descarbonização e 64% relatam que há pressão dos investidores pelo mesmo movimento.
“O primeiro ponto importante do estudo é ter um mapeamento objetivo do setor privado para chegar ao net zero. Parece trivial, mas não é. A surpresa positiva é esse crescimento grande das empresas que passam a ter compromissos ambientais, mas ainda há um caminho a percorrer”, afirma Arthur Ramos, diretor executivo e sócio do BCG.
“Algo que ouvimos bastante dos executivos que entrevistamos: a venda interna na empresa costuma ser mais fácil quando você embala uma iniciativa de sustentabilidade no viés de oportunidade. Tem espaço a avançar mas já é uma realidade”, afirma Jonas Kulakauskas, do Cebds.
A oportunidade identificada nas empresas é mais relevante do que o risco para engajamento na jornada. A primeira é apontada como fator considerado por 62% das companhias. A segunda, por 40%.
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O número de empresas brasileiras comprometidas com a metodologia criada pelo SBTi (Science-Based Targets initiative), que monitora metas ou compromissos de redução de emissões aprovados, cresceu 16 vezes entre 2019 e 2022, colocando o Brasil entre os cinco países com maior quantidade de reportes do setor privado no mundo. No entanto, só 24% das emissões nacionais têm emissão reconhecida por empresas e, segundo os compromissos assumidos no SBTi, menos de 0,1% das emissões serão reduzidas até 2030.
No levantamento do Cebds e do BCG, as empresas respondem que políticas públicas têm alta importância para aumentar a atratividade de investimentos verdes e 97% dizem que o mais importante é a regulação econômica, com relação ao mercado de carbono, por exemplo. Também dizem (92%) que faltam marcos setoriais, incentivos fiscais (88%) e falta de controle governamental, como políticas contra desmatamento (88%).
O segundo maior desafio é a dificuldade de engajar a cadeia de fornecedores, segundo 49% das empresas. Está aí o obstáculo para medir as emissões de carbono. Só 20% dos que responderam ao trabalho conseguem engajar a cadeia de valor de forma abrangente. As chamadas emissões do escopo 3, aquelas pelas quais as empresas são indiretamente responsáveis, são as mais difíceis de apurar, segundo os consultados.
O Brasil é o país com maior potencial de geração de crédito de carbono, por meio de reflorestamento e da preservação de florestas, mas a incerteza sobre o assunto é apontada por empresas como um dos entraves para avançar em políticas climáticas.
“Grande parte do que as empresas estão falando é do mercado regulado de carbono, essa é a grande questão nessas cadeias”, afirma Ramos, do BCG. “Agora a discussão está voltando com o governo encampando um projeto, entendo até com o objetivo de chegar na COP deste ano e dizer que o Brasil tem a regulamentação aprovada, pelo menos com uma lei. Isso começa a gerar obrigações, direitos e oportunidades de negócio viabilizando uma série de iniciativas que possam ofertar crédito de carbono”, diz.
“O que as empresas talvez não vejam é que tem uma regulação global. Uma série de temas do movimento global, associados à regulação, que vão afetar seus negócios e oportunidades. O principal talvez seja o europeu, o CBAM (Carbon Border Adjustment Mechanism)”, afirma o executivo.
Há dez dias, representantes do Cebds se reuniram com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, interessados em participar da elaboração do plano de transição ecológica que vem sendo desenhado em Brasília. A Fazenda elabora um pacote para impulsionar a economia com ações sustentáveis, batizado como Plano de Transição Ecológica. Ele inclui incentivos para o mercado de crédito de carbono, produção de painéis solares e ampliação da participação de produtos da floresta nas exportações.
O setor empresarial quer se envolver na discussão, para indicar o que já vem sendo feito e quais pontos, na avaliação das empresas, merecem maior atenção. Eles entregaram uma carta a Haddad com o que apontam como “sinergias” entre o pacote verde desenhado por Brasília e as prioridades do setor empresarial endereçadas aos candidatos à Presidência durante a campanha eleitoral no ano passado.
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Segundo Marina Grossi, o estudo ajuda a organização a mostrar ao governo onde há lacunas que as empresas podem e desejam entrar e “onde são os pontos de conexão”, entre movimentos do setor público e privado, “que dão celeridade para isso”. “Esse estudo também servirá para dar mais assertividade para a nossa plataforma”, afirma Marina Grossi. A plataforma, que mapeia a situação das empresas na jornada de descarbonização, pretende organizar as companhias em três níveis: iniciantes, intermediários e avançados.
“Cascatear isso, permear a organização, é algo bem crítico. Não é automático. (...) No final, quando tenho duas propostas comparáveis, eu olho isso para a decisão ou olho apenas para a questão do preço?”, afirma Ramos, do BCG.
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