Com o objetivo de melhorar a reação das empresas de energia elétrica aos eventos climáticos, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) planeja introduzir uma compensação dos consumidores se o restabelecimento do serviço não ocorrer dentro de 24 horas. Essa é uma das medidas citadas por Agnes Aragão da Costa, diretora da Aneel, em entrevista ao Estadão/Broadcast.
No primeiro momento, a agência regulamentará um conjunto de obrigações às distribuidoras, com um caráter de planejamento e reorganização logística. O objetivo é a mitigação ou mesmo a prevenção do impacto desses eventos ambientais no serviço elétrico.
No segundo momento, a ideia é avançar em temas como o enterramento de redes, com previsão de custos elevados. Na entrevista, a diretora também disse esperar para o fim do primeiro bimestre de 2025 o prazo para regulamentação da primeira etapa do decreto da renovação dos contratos de 19 distribuidoras de energia elétrica. Confira os principais trechos da entrevista.
Como o aumento da ocorrência de eventos climáticos, o enterramento das redes é a solução mais efetiva?
Temos um custo associado muito grande em relação a isso, e os eventos climáticos podem variar muito. Há também o problema do alagamento, por exemplo. No Rio Grande do Sul, parte da rede é subterrânea, e ficou muito tempo alagada (durante a enchente no primeiro semestre). Decidir se será uma rede subterrânea ou se haverá mudança para cabo multiplexado (mais resistente) requer uma análise de impacto regulatório, porque pode implicar custos relevantes para o consumidor.
E quando essa definição poderia sair?
O rito regulatório precisa ser seguido. É possível que seja aberta consulta em processo específico sobre isso (novas tecnologias para a resiliência das redes elétricas). Na consulta pública relacionada ao novo contrato de concessão, trouxemos um olhar de que você pode criar incentivos para os concessionários adotarem outras tecnologias, como a mudança de cabos.
E o que está na mesa, em discussão?
São dois tipos de incentivos que estão no novo contrato de concessão. Um é reconhecer investimentos intraciclos (tarifários). Quando o investimento é muito grande, às vezes, a distribuidora não quer fazer porque demora muito tempo para recuperar esse investimento. Ao reconhecer investimentos intraciclos, você cria incentivos para a distribuidora adotar uma tecnologia mais cara porque ela consegue recuperar (valor investido) mais rapidamente. O outro incentivo é a diferenciação de tarifas em uma mesma área de concessão. Em uma área que tem um poder de investimento mais alto, as pessoas, de repente, podem pagar mais por isso (via tarifa).
Qual vai ser exatamente o papel das distribuidoras na poda de árvores?
Não basta lavar as mãos e dizer que o município não está fazendo. As distribuidoras têm de ser mais sistemáticas sobre como atuam no manejo e têm de comunicar muito melhor o que estão fazendo, para o cidadão olhar o que está sendo feito. Inclusive, no plano de manejo (em discussão), elas têm de deixar registradas todas as interações feitas com os poderes públicos municipais, para o cidadão também poder cobrar a prefeitura. Com fiscalização, vamos poder verificar se esse plano de manejo está, de fato, sendo realizado.
Fora a questão da poda das árvores, como a senhora responde à crítica de que essas propostas têm mais um caráter ‘pós-evento’ do que prevenção?
E o plano de contingência não é sobre preparo? Você tem de estar preparado se o vento é de 80 km/h ou de 100 km/h, quantas equipes vão atender. E isso precisa ser testado. Na cessão emergencial de recursos entre os distribuidores também. Não dá para chegar na hora e falar: ‘Me empresta seu caminhão e suas equipes’. Isso requer preparo. Não conseguimos evitar o evento climático, mas a resposta rápida é o que esperamos dos concessionários. Na verdade, entendo que grande parte das propostas apresentadas têm um caráter preventivo.
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Como pode ficar o desenho final do ressarcimento previsto em caso de falta de energia?
O concessionário, sabendo que, se houver problema, vai ter de compensar, com impacto financeiro para ele, há um incentivo para estar preparado. Então, entendemos que é um incentivo para forçar esse preparo dos concessionários. São duas novidades. A primeira é a compensação dos consumidores se o restabelecimento (do serviço de energia) demorar para acontecer. Em redes de baixa e média tensão urbanas, se demorar mais de 24 horas, já em rurais, mais de 26 horas. Ultrapassado esse limite o consumidor receberá, pela proposta, um desconto na tarifa de energia. E não é que ele receberá a compensação a partir da vigésima quarta ou da vigésima sexta hora. Ele receberá por todo o período (sem energia).
A outra novidade é que o consumidor também terá direito a ressarcimento por queima de equipamentos?
Antes se tinha o olhar de que o concessionário, em uma situação de calamidade pública, está atuando com manobras da rede para restabelecer o mais possível o serviço, podendo eventualmente queimar o equipamento de alguém (consumidor). O problema é que as situações de emergência e calamidade pública podem perdurar por meses, e o concessionário está isento de ressarcir o consumidor. Então, a proposta é que o consumidor seja ressarcido por queima de equipamento. O concessionário somente poderá de deixar de ressarcir se ficar configurado que a queima do equipamento se deu em função de outra causa alheia à sua atuação. Isso pode implicar custos de compensação relevantes (para as distribuidoras).
Quais os próximos passos para regulamentação do decreto da renovação das concessões?
A aprovação final do Termo Aditivo (ao Contrato de Concessão) tem previsão de ocorrer até o final do primeiro bimestre de 2025, com tempo suficiente para o tratamento da primeira concessão, que vence em 17 de julho de 2025. Mas estamos em fase de análise das contribuições e após a avaliação do quantitativo efetivamente recebido é que poderemos avaliar a real data da deliberação. O outro processo ainda não tem relator sorteado e trata da comprovação dos requisitos impostos pelo decreto (do governo) para possibilitar a prorrogação, que diz respeito aos indicadores de qualidade e de sustentabilidade econômica e financeira nos últimos anos. Então, com base nessa elegibilidade e do novo contrato é que o Ministério de Minas e Energia (MME) vai decidir ou não por prorrogar cada concessão.
Como vai ficar aquele ponto da desistência das ações judiciais, de processos litigiosos?
Não temos a resposta para isso ainda. Mas tem um lado que é basicamente o seguinte: Se a União, por um lado, está sendo acionada judicialmente por esse agente, ela pode falar assim: ‘Não, eu não quero prorrogar para quem está me processando’. Por outro lado, você não pode afastar o direito de a pessoa recorrer à Justiça. De fato, é um princípio constitucional. Então, esse é o tipo de input vindo da consulta pública. Vamos discutir naturalmente com a procuradoria.
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