BRASÍLIA – Havia poucos meses que Marcio Pochmann tinha assumido o comando do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2007, quando o economista Paulo Tafner, então chefe da área de previdência do instituto, foi informado de que seriam congeladas novas bolsas de pesquisa para a área dele.
“Ele disse que os contratos que fossem encerrados não seriam mais repostos, me olhou nos olhos e disse: ‘restrição orçamentária, você sabe bem o que é isso, não é?’”, lembra Tafner. “Curioso que o orçamento do Ipea dobrou na gestão dele.”
Restrição orçamentária era como os economistas ortodoxos argumentavam em favor do controle da evolução dos gastos públicos, tema sensível nas administrações do PT, que tem uma linha mais favorável ao aumento de despesas e à maior presença do Estado na economia.
O economista Paulo Tafner, referência nos estudos de previdência, foi testemunha da mudança que Pochmann promoveu no Ipea naqueles anos: expurgos, projetos extintos por inanição e textos críticos às políticas do governo que “dormiam” nas gavetas. “Os TDs (textos para discussão) simpáticos saíam em dias, os que faziam críticos iam e não eram devolvidos”, lembra.
Pochmann chegou ao Ipea pelas mãos de Guido Mantega após a queda de Antonio Palocci, no governo Lula 1. O então presidente do instituto era Glauco Arbix, que conservou linhas de pesquisa dentro do instituto que eram interpretadas pelo governo como “neoliberais” e, por isso, com a troca de comando, tinham que ser descontinuadas.
A publicação “O Estado de uma nação”, coordenada por Tafner, foi engavetada no meio da produção da terceira edição, quando abordaria o tema da eficiência da máquina estatal. Outra vítima foi o Boletim de Conjuntura Econômica, publicação trimestral que era comandada por Fabio Giambiagi, economista do BNDES cedido ao Ipea, e que foi reduzida sob Pochmann com o argumento de que a análise do cenário econômico já era feita por diferentes casas financeiras e que não era mais necessário o esforço do órgão de pesquisa.
Leia também
Não raro, porém, a publicação do Ipea trazia projeções sobre o crescimento da economia ou sobre a inflação que não corroboravam o discurso oficial e que, por vezes, dava respaldo à linha econômica mais ortodoxa tocada no Banco Central, com Henrique Meirelles e o diretor de política econômica, Afonso Bevilacqua.
Giambiagi também virou alvo pela proposta, construída sob encomenda do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, de um plano de estabilidade fiscal de dez anos classificado como “rudimentar” pela então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, uma estrela em ascensão no governo Lula.
Além dele, outros três economistas já aposentados e que trabalhavam no Ipea formando estagiários foram expurgados do órgão logo na chegada de Pochmann ao instituto: o macroeconomista Regis Bonelli, estudioso dos temas da produtividade, Gervársio Rezende, especialista em economia agrícola, e Otávio Tourinho, referência na construção de modelos de equilíbrio dinâmico. Todos “neoliberais”, segundo a classificação que levaram à época.
Tafner lembra que áreas relevantes do Ipea, como a de estudos sociais, tocada por Ricardo Paes de Barros, foram enxugadas, o que estimulou que cérebros formados pelo órgão estatal partissem, como Armando Castelar, hoje pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).
Em compensação, outras áreas ganharam relevo, como os estudos das Instituições e da Democracia, voltados a temas da ciência política e que, em 2009, ganhariam uma diretoria no órgão de pesquisa econômica.
Um ano após desembarcar no Ipea, em 2008, Pochmann comandaria o maior concurso de que se teve notícia no instituto. Foram selecionados 62 técnicos de pesquisa de formação que escapavam à economia clássica e incluíam cientistas sociais e sociólogos – o que mudaria o perfil da corporação, com efeitos que perduram até hoje.
“Esse concurso mudou o DNA do Ipea”, descreve Tafner, que pouco tempo depois deixou o instituto para trabalhar em outras áreas do governo, até se aposentar.
Outros ex-integrantes do órgão, que preferem se manter sob reserva, lembram que o concurso aboliu questões econômicas e se mostrou enviesado para temas afeitos à esquerda e às linhas econômicas heterodoxas.
O temor dessas pessoas é que as suas memórias se reproduzam agora no IBGE, combalido pela aposentadoria massiva de técnicos desde a reforma da Previdência em 2019 e pelas dificuldades na execução do Censo.
Em 2012, quando o IBGE mudou as séries de emprego para uma metodologia à época considerada mais de acordo com os padrões internacionais, houve quem defendesse, no governo Dilma, que a alteração fosse engavetada. Prevaleceu a defesa técnica do instituto de pesquisa, ainda que o resultado de curto prazo significasse uma mudança (para cima) no nível do desemprego. A dúvida é se o mesmo ocorreria com Pochmann na presidência do órgão, por exemplo.
“Não duvido que o cálculo da inflação seja alterado para fazer contraposição ao Banco Central, por exemplo”, arrisca Tafner. “Na economia, as mudanças de chave demoram para aparecer. Não ocorrem do dia para a noite, mas têm impacto a longo prazo”.
O Estadão não conseguiu contato com Marcio Pochmann.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.