Heron do Carmo, professor de Economia da Universidade de São Paulo e que durante 25 anos coordenou o Índice de Preços ao Consumidor da Fipe, considera "um tiro no pé" a decisão da presidente Dilma Rousseff de conectar desoneração de PIS/Cofins de oito produtos da cesta básica à redução nos índices de inflação.
Segundo ele, reduzir imposto é algo favorável num país como o Brasil, que tem uma das cargas tributárias mais altas do mundo. Mas o que ele considera errado é determinar o efeito da desoneração no preço final de alimentos, sujeitos a efeitos de safra e que seguem regimes especiais de tributação.
Na semana passada, a presidente disse, em pronunciamento feito em cadeia nacional, que esperava uma redução de "pelo menos" 9,25% no preço das carnes, do café, da manteiga, do óleo de cozinha, e 12,5% na pasta de dentes e nos sabonetes. Paralelamente, a equipe econômica anunciava que o efeito da desoneração no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) seria uma queda de 0,6 ponto porcentual na inflação deste ano.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
Qual é a avaliação do sr. sobre a desoneração de PIS/Cofins anunciada pelo governo para oito produtos da cesta básica?
Uma coisa é desonerar produto industrializado, que todo mundo tem controle sobre os preços. Outra coisa é desonerar alimento, produto com pouca elaboração, cuja oferta depende de safra. Nesse caso, a desoneração não significa necessariamente queda de preço do produto na ponta. O preço pode até subir ou a desoneração atenuar uma alta de preço. No caso dos alimentos, a demanda e a oferta de mercado pesam mais na formação dos preços finais do que a desoneração. Não é que falte boa vontade aos agentes econômicos para repassar a redução de impostos. Além disso, a diferença de preços de um mesmo produto entre os vários estabelecimentos comerciais é muito grande. Existem feijão e arroz de várias procedências, não se sabe quanto cada um pagou para o seu fornecedor e assim por diante. Existe também a questão do imposto presumido. Isso tudo deveria ter sido avaliado antes da medida de desoneração. A presidente anunciou isso no horário nobre da televisão. Acho que ela estava mal informada quando fez esse anúncio.
Qual foi o erro cometido pelo governo?
Uma medida de redução de impostos é sempre bem-vinda num país que cobra muito imposto. O problema é a expectativa criada pelo governo de que a desoneração vá reduzir em 0,6 ponto porcentual o IPCA. Todo mundo fez o cálculo em cima da inflação. As consultorias e o próprio governo calcularam que a redução da cesta básica resultaria numa queda do IPCA.
A presidente prometeu algo que não é possível cumprir?
Sim. Por alguma razão, ela foi levada a um equívoco. Às vezes, de boas intenções o inferno está cheio. É louvável a boa intenção de reduzir imposto. Mas não dá para esperar essa queda na inflação. O governo tomou o bonde errado. Houve tiro no pé porque a presidente prometeu uma coisa que necessariamente não dá para cumprir. E tem mais coisa: o ministro da Fazenda apareceu conversando com donos de supermercados para garantir o repasse aos preços. Isso aconteceu no passado e já estava esquecido na nossa história econômica. A presidente agora também deu uma declaração dizendo que quer saber porque o preço não está caindo. Somos vizinhos da Argentina, que está adotando medidas antimercado. Nesse sentido, se juntarmos tudo isso, realmente a decisão de desonerar está causando mais problemas do que trazendo solução para a questão da inflação.
Então o que deveria ter sido feito?
Acho que foi algo que poderia ter sido conduzido de outra forma. Nós vamos reduzir o imposto da cesta básica para atender o interesse da população. Não como a coisa acabou sendo apresentada depois, que é algo para reduzir o IPCA e reduzir em 9,25% a cesta básica. O que ela disse é inviável.
Houve uso político-eleitoral da medida?
Como estamos num momento pré-eleitoral, é natural que isso aconteça. Tudo entra na política e houve um uso político.
Se a queda de preços não ocorrer na proporção anunciada, o que pode acontecer?
Há duas alternativas. Uma é o governo deixar isso para lá e ficar só com a boa intenção de reduzir preço. A segunda seria tentar fazer com que a queda de preço aconteça de qualquer jeito. Aí seria um tiro no pé em quem levou um tiro no pé. Seria muito pior. Nesse caso viriam à tona períodos de muito intervencionismo na economia, como houve no passado.
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