RIO - A invasão do diesel russo nas importações brasileiras, que chegou a 74% do total em agosto - seu quinto mês de importações em massa -, tem amenizado os efeitos da defasagem entre os preços praticados pela Petrobras e o preço de paridade de importação. Na prática, essa conjuntura reduz a pressão sobre a Petrobras para reajustes ou importações próprias e dá sobrevida a importadores, ainda que a janela de importação siga restrita.
Especialistas e executivos do setor ouvidos pelo Estadão/Broadcast dizem que a Petrobras segue vendendo seu produto abaixo de qualquer outro preço, mas reconhecem que essa diferença é bem inferior quando considerado o diesel russo. Levantamento exclusivo da consultoria de preços Argus mostra que esse produto tem sido vendido nos portos brasileiros com um desconto que varia entre US$ 0,15 e US$ 0,26 por galão ante o diesel negociado na Bolsa de Nova York.
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Em 8 de setembro, por exemplo, o metro cúbico de diesel russo foi comercializado nos portos brasileiros a R$ 4.130,23, enquanto o produto de outras origens, entre as quais predomina a americana, foi vendido a R$ 4.386,95, diferença de R$ 256,7/m³. Já o metro cúbico de diesel da Petrobras custou R$ 3.724,1, ainda R$ 406 abaixo do produto russo.
“O desconto no diesel russo é muito relevante para o importador e fez esse produto ganhar mercado rápido. Isso ameniza a defasagem do preço da Petrobras, mas não totalmente, porque os preços da estatal ainda seguem menores”, diz o especialista da Argus, Amance Boutin. Ele observa que o último reajuste da Petrobras, de 25,5%, em 15 de agosto, aproximou os preços da estatal do preço russo, mas, com a recente escalada do petróleo, essa defasagem voltou a aumentar e tende a avançar se a Petrobras não promover novos reajustes.
Thiago Vertter, analista da StoneX, endossa. “Percebemos que a Petrobras não está olhando para o Golfo (do México), mas segue uma linha de permanecer competitiva com outras fontes, como os russos. Após o reajuste de agosto, o preço (da Petrobras) ficou mais alinhado com o do diesel russo”, disse.
Um ex-executivo graduado da Petrobras disse ao Estadão/Broadcast que o PPI calculado pela Petrobras em seu tempo de empresa já considerava outras fontes de combustível sem ficar refém do Golfo e que o produto russo certamente está no radar da companhia. No entanto, na avaliação deste executivo, o cartucho do diesel russo como escape para a Petrobras está próximo do esgotamento e a companhia será cada vez mais instada a novos reajustes, como ocorreu em agosto.
Na quarta-feira, 13, em São Paulo, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, voltou a dizer a jornalistas que a companhia é “soberana” na definição de preços e que não há intervenção do governo. Segundo ele, o preço atual do diesel Petrobras segue na faixa que tem como base o valor marginal da companhia (preço de custo) e o custo alternativo do cliente (preço da concorrência) calculada por seus técnicos. Essa faixa substituiu, ainda em março, o preço de paridade de importação (PPI) como norteador da política de preços da companhia.
PPI esvaziado
O PPI, espécie de indicador de referência para o preço dos combustíveis, é calculado por cada empresa, entidade ou consultorias e, na maioria das vezes, tem como base o preço praticado no Golfo do México (EUA).
Outros fatores do cálculo são o câmbio e custos como frete e seguro. Em agosto, porém, dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) indicam que o diesel de origem russa representou 74% de toda a importação brasileira do produto, enquanto o diesel americano somente 15%. Completam essa lista os produtos da Índia (9%) e dos Emirados Árabes Unidos (1%).
Essa reconfiguração do mercado, com o diesel russo tomando o espaço do produto americano, esvazia em boa medida as comparações entre o preço da Petrobras e o PPI do Golfo do México. Segundo a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), o diesel da Petrobras está 18% abaixo do PPI. Esse porcentual é próximo da defasagem calculada pela consultoria StoneX, de 17,8%, e pelo Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), de 17,5%. Estas taxas têm como referência o preço do Golfo do México (EUA).
Uma prova do peso do diesel da Rússia no Brasil hoje foi o aperto do mercado na passagem de julho para agosto, quando o diesel russo rareou e parou de chegar no Brasil. Isso aconteceu devido a um aumento do consumo interno russo e, também, porque o produto havia estourado o teto de preços imposto pelo embargo internacional (US$ 100 por barril), o que afastou transportadores e afetou sua distribuição no globo.
Importadores e distribuidoras passaram a apontar risco de desabastecimento e, dias depois, a Petrobras aumentou seus preços, o que viabilizou a atuação de importadores. Embora a Petrobras venha aumentando sua produção de diesel, o Brasil ainda importa pelo menos 20% do diesel que consome.
Adaptar PPI não é viável
A entrada maciça de diesel russo no Brasil tem gerado um problema para o cálculo do PPI feito com base no Golfo do México. A conta, baseada nos preços americanos, tem oferecido resultados acima da realidade. O fato foi reconhecido ao Estadão/Broadcast por consultorias que calculam diariamente o PPI e também a defasagem da Petrobras. Os analistas afirmam, porém, que uma adaptação na metodologia desses cálculos não é viável. Além disso, eles ponderam que o “PPI do Golfo” é um indicador válido das tendências do mercado.
O analista da StoneX, Thiago Vertter, admite que a defasagem real tem sido inferior à calculada com base em preços americanos. Ele cita dificuldades em tornar a conta mais aderente à nova realidade do mercado. “A defasagem segue olhando para o Golfo porque não há informação segura sobre os preços russos. Há um déficit de informação consolidada no mercado sobre isso”, afirma.
Já o diretor do CBIE, Pedro Rodrigues, também admite uma recente “artificialização” do PPI ligado aos preços americanos, mas lembra que o preço russo também é alinhado ao petróleo e refinados de outras fonte, o que preservaria o PPI do Golfo como um bom indicador de tendência para o mercado. Além disso, o especialista afirma que essa presença do produto russo no Brasil está ligada à conjuntura da guerra e deve se acomodar no futuro, com a resolução do conflito.
Um executivo, que prefere não se identificar, lembra que esse aspecto “lado B” do diesel russo abre espaço para que algumas empresas de trading eventualmente capturem os descontos do diesel russo. Nesses casos, essas empresas compram o produto a preços menores e revendem no mercado brasileiro a preços mais altos, próximos do valor do produto americano. Isso, diz a fonte, seria mais um motivo para não ignorar o PPI do Golfo que, nesses casos, seguiria próximo da realidade.
Vertter, da StoneX, observa que, em 2022, cerca de 60% do diesel importado pelo Brasil veio dos Estados Unidos e as cargas russas não tinham representatividade, cenário que mudou radicalmente desde abril de 2023. No segundo trimestre, afirmou, o diesel russo já representou metade das importações totais do País e segue avançando, alcançando 74% em agosto segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC)
O Brasil, diz Vertter, já é o segundo principal destino para o diesel russo no mundo (13%), só atrás da Turquia (32%). “Com a guerra, o diesel que a Rússia exportava para a União Europeia foi redirecionado e o Brasil se tornou estratégico para eles”, resumiu.
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