THE NEW YORK TIMES - As empresas nos Estados Unidos gastam centenas de milhões de dólares avaliando a satisfação e o engajamento de seus trabalhadores. Algumas adicionaram verificações trimestrais, mensais e até semanais às suas pesquisas anuais.
Mas, de acordo com um relatório recente da Gallup, o estresse entre os trabalhadores em todo o mundo está num nível recorde. A maioria deles afirmam que não se sentem realizados em seus empregos. Alguns setores, como o de tecnologia e o dos meios de comunicação, estão passando por ondas de demissões. E, ao longo do ano passado, as taxas de pedidos de demissão em todo o país atingiram os maiores níveis desde que a Secretaria de Estatísticas Trabalhistas dos EUA começou a monitorá-los, há mais de duas décadas.
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Então, onde está a falha? As pesquisas não são ferramentas adequadas? Os funcionários estão mentindo sobre suas insatisfações para seus gestores? Ou os chefes não estão dando ouvidos?
A resposta é um pouco de tudo isso, disse Alexander Kjerulf, cofundador da Heartcount, que desenvolveu um software projetado para medir a felicidade dos funcionários. “A estratégia tradicional tornou-se uma prática rotineira que é adotada porque todo mundo faz isso”, disse Kjerulf. “Mas poucas pessoas veem de verdade algum valor nela – e isso vale tanto para funcionários como para gestores.”
Ele destacou que as pesquisas costumam ser longas demais e aplicadas esporadicamente. Os funcionários temem enfrentar retaliações por respostas negativas e as empresas não tomam atitudes com o feedback recebido.
Sem dúvida, a questão de saber por qual razão tantos trabalhadores se sentem estressados e desconectados vai muito além da eficácia – ou da falta dela – de tais pesquisas. E não é um grande mistério o que a maioria dos trabalhadores deseja.
“Melhorar a vida no trabalho não é difícil, porém o mundo está mais perto de colonizar Marte do que de dar um jeito nesses ambientes cheio de defeitos”, afirmava o relatório de 2022 da Gallup sobre a situação dos locais de trabalho.
Ter um gestor ruim lidera a lista de razões pelas quais as pessoas estão insatisfeitas com seus empregos. No ano passado, uma pesquisa com 3 mil funcionários de diversas áreas conduzida pela GoodHire, uma empresa que fornece verificações de antecedentes de funcionários, descobriu que menos da metade deles sentia que seus gestores eram acessíveis e honestos em relação a temas como salários, benefícios e promoções, ou que se preocupavam de verdade com o desenvolvimento de carreira de seus funcionários.
Num amplo estudo sobre esgotamento profissional, a Gallup constatou em 2020 que a principal causa para o burnout era o “tratamento injusto no trabalho”. Depois vinham carga de trabalho impraticável, comunicação confusa com gestores, falta de apoio dos gestores e pressão por prazos absurdos.
Em meio a todas essas questões estão as convicções: acreditar que os próprios ideais são coerentes com os do empregador.
Embora exista um número razoável de pesquisas associando funcionários mais satisfeitos com uma maior rentabilidade e produtividade, assim como a taxas de rotatividade mais baixas, há poucos estudos em larga escala a respeito das empresas fazerem ou não algo em resposta ao feedback dos funcionários nas pesquisas de engajamento no trabalho.
Pesquisas de engajamento no trabalho
No entanto, há seis décadas, toda uma indústria tem crescido em torno da avaliação da satisfação dos funcionários por meio de inúmeros critérios. Essas avaliações começaram na década de 1960, nas empresas maiores, disse Alexander Alonso, diretor de conhecimento da Sociedade de Gestão de Recursos Humanos (SHRM, na sigla em inglês).
“Vários tipos de empresas começaram a dar importância não apenas a como identificar um funcionário com grande potencial, mas em como fazê-los continuar atuando e permanecendo nesse caminho de potencial elevado”, segundo Alonso.
Essas pesquisas, como ainda é comum, muitas vezes recorrem a escalas de 1 a 5, ou algo semelhante que vai do negativo ao positivo, para medir o quanto um funcionário concorda ou discorda com uma determinada declaração, junto com algumas perguntas mais abertas.
Cerca de 80% das empresas atualmente realizam pesquisas de engajamento no trabalho, um aumento de 62% em comparação com 2010, de acordo com a SHRM.
Mas para algumas, a satisfação parece um referencial sem muita importância, disse Anne Maltese, diretora de ideias para gestão de pessoas da Quantum Workplace, uma empresa de software que vende pesquisas de engajamento de funcionários e outras ferramentas de avaliação e divulga uma lista anual dos “melhores lugares para se trabalhar”. “Você pode estar satisfeito porque não precisa fazer muito”, disse ela, porém isso não significa que você se sinta, de fato, motivado pelo seu trabalho.
Uso de tecnologias
As empresas esperam, em parte, resolver essa questão recorrendo a novas tecnologias que mudaram bastante a forma e com que frequência recebem o feedback de seus funcionários. Isso inclui enviar pesquisas para celulares e outros dispositivos e a utilização de QR codes ou aplicativos.
A empresa de Kjerulf, com sede na Dinamarca, vende um aplicativo, também chamado de Heartcount, que faz três perguntas aos funcionários todas as sextas-feiras. As perguntas – “Como foi a interação com seu gestor na última semana? Você acha que fez a diferença nesta semana? Recebeu algum feedback positivo?” – mudam toda semana.
Ao contrário da maioria das pesquisas de engajamento no trabalho, os funcionários são informados de que as respostas dadas por eles não são anônimas, pois certas pessoas da empresa podem ter acesso a elas. Isso permite que os gestores lidem com as preocupações de qualquer trabalhador de forma rápida e direta, disse Kjerulf.
“Percebemos claramente o potencial para uso nocivo”, acrescentou. “Se [o aplicativo for] usado num local de trabalho tóxico, as respostas podem ser usadas contra as pessoas.”
Mesmo com as pesquisas de engajamento no trabalho mais tradicionais – e totalmente anônimas –, os trabalhadores costumam temer ser repreendidos ou demitidos se suas respostas não forem em grande parte positivas. A Gartner, uma empresa de pesquisa e consultoria, descobriu em uma pesquisa publicada em 2020 que apenas 21% dos funcionários se sentiam confortáveis em ser totalmente sinceros ao dizer o que queriam de sua experiência no trabalho.
Um modo de tentar garantir mais confiança é contratar uma empresa externa para realizar as avaliações com garantias de que informações como endereços IP não serão compartilhados, disse Johnny C. Taylor Jr., presidente e CEO da SHRM.
“As empresas que não querem gastar dinheiro com isso ou acreditam não precisar de terceiros estão sem dúvidas limitando sua capacidade de conseguir o máximo de sinceridade possível dos funcionários”, acrescentou. Mas essa não é uma escolha barata: pesquisas anuais e análises aprofundadas realizadas por uma empresa externa podem custar cerca de US$ 250 mil para empresas grandes, disse Alonso.
Para Sarah Jaffe, autora de “Work Won’t Love You Back” (Seu amor pelo trabalho não é recíproco, em tradução livre), há um fator maior que prejudica a confiança. As pesquisas quase sempre são pouco mais do que uma fachada para empresas que afirmam se preocupar com a felicidade dos trabalhadores, porém não oferecem “coisas básicas, como salários decentes e autonomia no trabalho”, disse ela.
“Não sentir que seu chefe está espionando você o dia todo”, acrescentou. “Horários flexíveis e um mínimo de respeito por você como ser humano.”
O ceticismo também tem raízes no fato de alguns líderes ignorarem os resultados ou manipulá-los para dar a sensação de serem mais positivos do que são, disse Leigh Branham, consultora de gestão de talentos e autora de vários livros sobre retenção de funcionários.
Taylor, que atuou como chefe de recursos humanos em várias empresas antes de começar a trabalhar na SHRM, disse que os empregadores devem ser transparentes com os funcionários a respeito de como planejam usar as pesquisas – seja para ter uma noção do clima na empresa ou para instituir mudanças reais – e quais informações vão divulgar para eles. E eles precisam cumprir essas promessas.
Ele lembrou que, em um de seus empregos anteriores, os líderes se recusaram a divulgar como os funcionários responderam à pergunta de se confiavam nos gestores, embora tenham prometido fazer isso. “Sinceramente, a chefia não gostou dos resultados, porque alguns deles foram bastante negativos”, disse ele.
Realizar uma pesquisa e não fazer algo com as respostas “é como tirar o pino de uma granada e não lançá-la”, disse Branham, que, junto com Mark Hirschfeld, analisou mais de dois milhões de pesquisas de engajamento de funcionários e entrevistas pós-demissão para o livro “Re-Engage” (Recuperando o engajamento, em tradução livre).
Gestores que oferecem boas orientações e feedback são um dos aspectos mais importantes para garantir que os profissionais continuem comprometidos, disse ele. No entanto, em muitos locais de trabalho, os gestores não são instruídos a como fazer isso de forma eficaz.
Ayelet Fishbach, professora de ciência comportamental e marketing na Booth School of Business da Universidade de Chicago, vê isso o tempo todo. Ela aplica um exercício em sua disciplina para o curso de MBA, onde metade da turma dá feedback individual para a outra metade. Aqueles que recebem o papel de “gestores” são orientados a dizer a seus “funcionários” que eles não estão se saindo bem e provavelmente não serão promovidos. (Muitos de seus alunos já atuam em cargos de gestão.)
Normalmente, disse Ayelet, os “funcionários” escutam que estão se saindo muito bem e há chances de serem promovidos. Os gestores costumam ter medo de afetar a motivação se forem muito críticos, disse ela, “deixando escapar a questão de que ajudar e apoiar alguém é dar informações úteis para motivá-lo a fazer melhor”. Por outro lado, ela também disse que se os funcionários escutam apenas críticas sem orientações construtivas, eles serão motivados a pedir demissão.
Participar deste tipo de conversa “é muito difícil e as pessoas pensam que são especialistas natos”, disse ela.
Ayelet e outros especialistas concordam que fazer pesquisas com os funcionários para conhecer seus pontos de vista e preocupações com o local de trabalho pode ser útil. Entretanto, esse é apenas um detalhe da complexa dinâmica necessária para criar um ambiente de trabalho satisfatório.
“Muitas empresas que realizam pesquisas de engajamento ficam tão decepcionadas com os resultados que não conseguem compartilhá-los com os funcionários”, disse Branham. “Ou não estão totalmente comprometidas com a árdua tarefa de mudança na cultura organizacional para agir.”/ TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA
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