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Dinheiro esquecido: Planalto desinforma sobre condições do saque; Fazenda corrige e diz que há prazo

Secretaria de Comunicação Social do Planalto afirmou que não haverá ‘perda de direitos’ sobre os recursos, mas lei sancionada por Lula define prazos para que pessoas e empresas recuperem valores

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Foto do author Alvaro Gribel
Atualização:

BRASÍLIA – O Ministério da Fazenda corrigiu nesta terça-feira, 17, informações prestadas pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) do Palácio do Planalto relativas à lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a qual permite ao Tesouro Nacional se apropriar de “dinheiro esquecido” em contas bancárias por pessoas físicas e jurídicas. Procurada, a Secom não se manifestou.

Após repercussões negativas nas redes sociais, na última sexta-feira, 13, a Secom publicou uma nota em que nega o confisco dos recursos, afirmando que a medida só teria efeito sobre valores esquecidos nas instituições “por mais de 25 anos” e que não haveria perda de direitos sobre esses recursos. A Fazenda afirma, no entanto, que há prazos para a recuperação desses valores. No caso da via judicial, serão seis meses (leia mais abaixo).

Segundo o Banco Central, há R$ 8,56 bilhões em recursos esquecidos em contas no Sistema de Valores a Receber (SVR). Foto: Mônica Bento

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A nota divulgada pelo Planalto afirma: “O projeto trata de valores que cidadãos ou empresas esqueceram em algum banco, consórcio ou outra instituição, e não foram reclamados ou movimentados por mais de 25 anos. O objetivo é a incorporação desses valores pelo Tesouro Nacional após 30 dias da publicação da lei. No entanto, isso não significa que os cidadãos perderão o direito a esse dinheiro.” E diz ainda: “O Ministério da Fazenda publicará um edital no Diário Oficial da União com informações sobre esses valores e o recolhimento poderá ser contestado pelos que tiverem direito.”

O informe da Secom diz também que a previsão para incorporação desses recursos pelo Tesouro “não é novidade, está prevista em legislação há mais de 70 anos, na Lei 2.313 de 1954″.

A lei de 1954 citada pela Secom diz que “os contratos de depósito regular e voluntário de bens de qualquer espécie extinguem-se no prazo de 25 anos”, bem como afirma que os recursos poderão ser “reclamados no prazo de cinco anos, findo o qual se incorporarão ao patrimônio nacional”. O prazo de cinco anos é utilizado, por exemplo, para resgates do PIS/Pasep (entenda abaixo).

Procurada pelo Estadão após a aprovação do projeto na Câmara, a Fazenda afirmou que o artigo 47 da proposta – agora já lei, sancionada por Lula – determina que a legislação citada pela Secom não se aplica aos depósitos mencionados no projeto. Ou seja, ao dinheiro esquecido nas contas.

“O art. 47 da lei nº 14.973 dispõe que não se aplica a Lei 2.313/54 aos depósitos ali mencionados. A citada nota da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República apenas menciona a sistemática da Lei 2.313/54″, diz a nota da Fazenda.

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A pasta diz ainda que há, sim, prazo para que pessoas físicas e jurídicas solicitem o acesso aos recursos, dividido em três etapas:

  • 30 dias após a publicação da lei (16 de setembro) para solicitar os valores aos bancos;
  • 30 dias após a publicação de edital pela Fazenda que relacionará os valores recolhidos não solicitados – a pasta indicará a instituição depositária, a agência e a natureza e o número da conta do depósito para que os titulares contestem o recolhimento;
  • seis meses, na Justiça, após a publicação do mesmo edital.

A apropriação pelo Tesouro do dinheiro esquecido é uma das formas de compensação fiscal ao projeto que prorrogou a desoneração da folha de pagamentos de 17 setores intensivos em mão de obra e municípios de até 156 mil habitantes em 2024 e estabeleceu uma reoneração gradual a partir do ano que vem.

Diferentemente do que sugeriu o Palácio do Planalto, o dinheiro esquecido no chamado Sistema de Valores a Receber (SVR), que é gerido pelo Banco Central, não tem prazo mínimo de 25 anos para estar parado nas instituições financeiras. Segundo já informou o BC, os recursos passam a integrar o SVR nas seguintes situações:

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  • contas-correntes ou poupanças encerradas e não sacadas;
  • cobranças indevidas de tarifas ou de obrigações de crédito previstas em termo de compromisso assinado com o BC;
  • cotas de capital e rateio de sobras líquidas de associados de cooperativas de crédito;
  • grupos de consórcio extintos;
  • cobranças indevidas de tarifas ou obrigações de crédito não previstas em termo de compromisso;
  • contas de pagamento pré-paga e pós-paga encerradas e com saldo disponível;
  • contas encerradas em corretoras e distribuidoras de títulos e de valores mobiliários;
  • demais situações que resultem em valores a serem devolvidos reconhecidas pelas instituições financeiras.

Procurado, o Banco Central não se manifestou.

PIS/Pasep

A nota da Fazenda que reafirma prazos para o resgate dos recursos esquecidos contrasta com a fala do próprio chefe da pasta, Fernando Haddad, na última quinta-feira, 11.

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“A qualquer momento, como aconteceu com o PIS/Pasep, uma pessoa pode invocar o seu direito e ele é respeitado pelo Tesouro Nacional, que toma os procedimentos para indenizar a pessoa ou reconhecer o direito da pessoa àquele valor. Não é um procedimento que coloque em risco o direito do cidadão”, afirmou o ministro.

A proposta de emenda à Constituição (PEC) da Transição, aprovada no fim de 2022, autorizou o governo Lula a incorporar R$ 26 bilhões esquecidos por trabalhadores nas cotas do PIS/Pasep como receita primária – engordando os cofres públicos.

O Tesouro seguiu o texto da lei e incorporou o valor no resultado primário de 2023 (saldo entre receitas e despesas, sem contar os juros da dívida), mas o mesmo não foi feito pelo BC – gerando uma discrepância bilionária nas duas contabilidades.

O texto da desoneração, sancionado por Lula nesta segunda-feira, permite mecanismo similar: que o Tesouro Nacional contabilize como receita primária – ou seja, computada para a meta – os valores esquecidos por pessoas físicas e jurídicas em contas de instituições financeiras.

Serão R$ 8,6 bilhões a mais no cofre do governo, um valor que não será considerado pelo BC no seu cálculo de resultado primário. Pelo arcabouço fiscal, porém, a verificação da meta é atribuição do Banco Central.

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