BRASÍLIA – Um problema na escolha de uma palavra na lei da desoneração sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta segunda-feira, 16, pode colocar a perder a soma de R$ 8,56 bilhões em recursos esquecidos, com a qual o governo conta para compensar parte da renúncia fiscal. A constatação já foi feita por áreas do Ministério da Fazenda, que agora correm para encontrar alternativas e não perder as fontes de receita, segundo apurou o Estadão/Broadcast.
O artigo 45 da lei, que descreve os recursos esquecidos em instituições financeiras, trata dos depósitos “cujos cadastros não foram objeto de atualização”, de acordo com uma resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN), de junho de 2019.
A resolução do Banco Central (nº 98), de junho de 2021 e que cria o Sistema de Informações de Valores a Receber (SVR) – que é onde está o grosso dos recursos – deixa claro, no entanto, que praticamente todos os recursos que podem ser sacados estão em contas de pessoas físicas ou jurídicas que estejam encerradas, mas com saldo – não apenas sem atualização, como cita a lei. Em alguns casos, também especifica devolução de cobrança indevida de taxas e tarifas de serviços.
Ao citar a resolução do CMN, a lei não fala em contas encerradas, mas desatualizadas, enquanto o SVR dispõe sobre contas encerradas. O volume de recursos no SVR, portanto, é muito maior do que o que estaria descrito no texto, conforme afirmaram pessoas consultadas pela reportagem.
De acordo com a resolução sobre o SVR, as informações sobre valores a devolver “são de exclusiva responsabilidade das instituições remetentes”. O Estadão/Broadcast apurou que alertas foram feitos pelo setor privado para deputados mesmo antes da aprovação da lei pelo Congresso e também para o governo, após a sanção pelo presidente.
Procurada, a Fazenda não se manifestou.
Alternativas
É preciso ter pressa ao encontrar alguma saída porque, pela lei da desoneração, os recursos existentes nas contas de depósitos e que não foram atualizados terão um prazo de até 30 dias após a publicação da lei para serem sacados nos bancos.
Assim, o governo teria pouco menos de um mês para começar a captar esses recursos, mas dificilmente os conseguirá se depender apenas do que está exposto no texto aprovado pelo Congresso e sancionado por Lula. Com isso, já se fala em alternativas como a apresentação de uma Medida Provisória (MP) pelo Executivo ou mesmo entregar um texto com o novo enfoque de carona em algum projeto de lei que esteja sendo debatido no Legislativo, o chamado jabuti.
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O texto determina ainda que, após esses 30 dias, a Fazenda publicará um edital que relacionará os valores recolhidos não solicitados – a pasta indicará a instituição depositária, a agência, a natureza e o número da conta do depósito. Os titulares das contas terão até 30 dias após a publicação do editar para contestar o recolhimento. A lei diz ainda que o prazo para recorrer judicialmente é de seis meses após a publicação do edital.
O Estadão/Broadcast apurou que a Fazenda foi alertada pela questão e levou o caso para a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que analisa o texto para dar garantias ao governo sobre qual interpretação deve prevalecer.
Se a PGFN chegar à conclusão de que, do jeito que está na lei, há pouca diferença do total de recursos a serem transferidos para a União, a redação atual será mantida e nada será feito. Em caso de dúvida sobre como está descrito na lei abranger grande parte dos recursos previstos, a redação poderá ser alterada por meio de uma MP. De acordo com uma fonte, trata-se de uma alteração “simples” e que não precisaria sequer do crivo do Congresso para ter efeito.
A MP tem um prazo de validade de três meses que ainda pode ser prorrogado, mas dentro desse período, já teria cumprido a sua função, já que os brasileiros com recursos esquecidos no sistema financeiro têm até um mês a contar da sanção de ontem. O risco é de o Congresso devolver a MP, como já aconteceu no próprio caso da desoneração, no fim do ano passado.
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