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Análise|Dinheiro nem sempre é o item mais escasso em Brasília; às vezes, é a seriedade

Detalhes da proposta de corte de despesas podem ser discutíveis, mas a ideia geral é tão simples quanto sensata: buscar maior eficiência no uso do dinheiro, antes de pensar em maior tributação

Foto do author Rolf Kuntz
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O governo deveria cuidar mais do gasto público antes de buscar novo aumento de arrecadação, propôs o presidente da Câmara, Arthur Lira. Pode-se discutir, exemplificou, a indexação de certas despesas, como a dos benefícios previdenciários, sem abandonar a valorização do salário mínimo. Também se pode, acrescentou o deputado, repensar o vínculo entre o valor aplicado em educação e saúde e o crescimento da receita. Detalhes da proposta podem ser discutíveis, mas a ideia geral é tão simples quanto sensata: é preciso buscar maior eficiência no uso do dinheiro, antes de pensar em maior tributação.

Maior eficiência na aplicação do dinheiro pode traduzir-se como eficiência maior na ação governamental. Isso vale tanto para o investimento quanto para o dia a dia da administração. Não basta discutir em termos contábeis, por exemplo, se o gasto com pessoal é irredutível ou se é possível comprimi-lo. É necessário pensar em quanto se obtém de cada centavo aplicado na folha de pessoal. É indispensável examinar todos os custos de operação, como se faz, ou se deveria fazer, na atividade empresarial. Comparações entre a administração pública e a dos negócios particulares podem ser enganosas, mas sempre vale a pena pensar em padrões de produtividade.

Quase todo o orçamento federal está comprometido com itens obrigatórios Foto: Wilton Junior/Estadao

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Todos esses pontos podem parecer obviedades, mas têm um caráter especial quando se trata do gasto público. Não se trata apenas de avaliar como o uso do dinheiro afetará cada grupo ou cada camada social. A política orçamentária envolve interesses do presidente da República, dos ministros e, naturalmente, dos parlamentares. Além disso, objetivos partidários, valores ideológicos e padrões pessoais são postos em jogo quando se decide o uso de verbas ou quando se discute o rumo da política fiscal. A ideia de austeridade financeira é notoriamente impopular, por exemplo, entre lideranças petistas. O presidente Lula até consegue admiti-la, de vez em quando, mas com evidentes sinais de incômodo.

Desta vez, ele declarou apoio ao bloqueio de gastos no valor de R$ 15 bilhões anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O objetivo do congelamento é manter o déficit em R$ 28,8 bilhões, no limite estabelecido pelo arcabouço fiscal. Esse corte será insuficiente, segundo analistas do mercado, mas a iniciativa ministerial, com aprovação do presidente, foi apontada por especialistas como um avanço na direção certa. Mas quantos passos desse tipo serão necessários, nos próximos anos, para impedir um novo e perigoso desarranjo fiscal? O grande problema, neste ano, foi o crescimento dos gastos obrigatórios, principalmente da Previdência. O mesmo desafio tem sido enfrentado em vários outros anos.

Dificilmente haverá maior segurança fiscal sem uma revisão do dispêndio. Quase todo o orçamento federal está comprometido com itens obrigatórios. Isso limita severamente a capacidade de investimento e prejudica a gestão pública. O empecilho permanecerá enquanto persistir a rigidez orçamentária. Este dado é conhecido e comentado há muitos anos, mas tem havido pouco esforço, em Brasília, para aumentar a flexibilidade financeira do setor público.

Um avanço nessa direção poderá envolver uma revisão de itens constitucionais. Exemplo: mais importante do que vincular uma parcela do orçamento a educação e saúde é gastar bem nesses dois setores, reavaliando, periodicamente, os objetivos e as necessidades. Para isso seria indispensável, naturalmente, um sério envolvimento de todos os poderes com essas áreas da administração. Seriedade em Brasília é pelo menos tão relevante quanto a disponibilidade orçamentária – e às vezes, infelizmente, bem mais escassa.

Análise por Rolf Kuntz

Jornalista

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