O PIB mundial é hoje de US$ 100 trilhões, e o necessário para conservar a biodiversidade do planeta é US$ 1 trilhão – ou seja, 1% desse valor. Mas o que foi investido até hoje foi apenas 0,2% do necessário. Esse é o tamanho do desafio para que nossos netos e bisnetos tenham, no futuro um lugar habitável para viver. É com essa conta em mente que a paranaense Malu Nunes, diretora executiva da Fundação Boticário, avisa: “Começamos este ano uma nova estratégia, que é de adaptação às mudanças climáticas”.
Sua especialidade é gestão e governança da sustentabilidade corporativa – ela coordena o chamado manejo de áreas protegidas. “Nessas três décadas, a (Fundação) Boticário soma mais de 1,7 mil projetos apoiados, cerca de 600 unidades de conservação beneficiadas, 178 novas espécies descobertas.”
Ela lembra que um estudo da ONU mostra que “mesmo que a filantropia mundial dobrasse seus recursos, ainda seria insuficiente para enfrentar a questão climática”. A seguir, os principais trechos de sua entrevista.
Nos seus 34 anos de Fundação Boticário, qual a sua percepção sobre a preservação do meio ambiente?
A Fundação foi criada em 1990, e essa pauta ganhou espaço na Rio-92 – onde muito se falou do clima, da desertificação, da biodiversidade. Fomos pioneiros. O Brasil tem muitos ativos para ser um país megadiverso, tem uma matriz de energia renovável, mas o que vimos nessas décadas foi uma degradação firme e forte avançando. Existe um maior interesse das pessoas, escolas e empresas, mas ele não se traduz em ações suficientemente robustas para enfrentar tais desafios.
A COP em Glasgow chegou à conclusão de que a iniciativa privada deve ser a protagonista nessa questão porque os governos não têm dinheiro. Como está organizada essa causa?
Existe um estudo da ONU apontando que, mesmo que a filantropia dobrasse seus recursos, ainda seria muito insuficiente para a questão climática. A Convenção de Diversidade Biológica (CDB) estabeleceu um grupo de trabalho especificamente para as finanças. Como suprir essa lacuna de investimentos na pauta da biodiversidade? Hoje, o PIB global é de US$ 100 trilhões. A necessidade para conservar a biodiversidade é de US$ 1 trilhão. É 1% disso. Foi investido 0,2% dessa necessidade, globalmente falando. Precisamos de mais investimentos, de uma agenda congruente. Caso contrário, uma ação positiva aqui pode ser destruída por uma ação negativa 10 vezes maior, por exemplo. Veja, a CDB criou um fundo global onde os países doam e são aprovados projetos nos diversos países, inclusive um do Brasil foi (aprovado) nesse fundo. Então, é óbvio que precisamos trazer investimentos, dinheiro dos negócios, não só de filantropia.
Depois da tragédia do Rio Grande do Sul, as pessoas estão reagindo mais à questão climática. O que a fundação faz nesse sentido?
Nosso trabalho é sempre um modelo de prevenção. Começamos uma nova estratégia neste ano que é de adaptação às mudanças climáticas. Esforços para reduzir as emissões, reduzir esse impacto. Trabalhamos muito com soluções baseadas na natureza (SBN), que é a gestão dos recursos naturais para proteger, ter uma resiliência maior das cidades a esses eventos extremos. As cidades precisam de planos de adaptação, com inserção de SBN em seus planos diretores, na sua urbanização. Não são só cheias, mas também incêndios e secas.
Você pode explicar o que são esses projetos SBN?
As SBN são uma gestão mais responsável dos recursos naturais nas cidades. Por exemplo, uma área do alagamento dos rios ocupada por casas. Quando vier a enchente, essas pessoas serão impactadas. Então, nós fazemos um estudo publicado com 15 tipologias de SBN que são aplicáveis às cidades. Estamos trabalhando com 10 projetos, cada um desenhado conforme a realidade do local. Três ainda estão em andamento. Juntos, esses 10 projetos vão beneficiar mais de 3 milhões de pessoas. Isso é uma ação de duas fundações.
Tem algum que você possa dar de exemplo?
Em Curitiba, tem o Parque Barigui, que é um entorno de um rio, e ele está protegendo essa planície alagável do rio. Quando chegam as chuvas fortes, essa planície enche. Margens dos rios, topo de morro, é possível fazer ações que minimizem os impactos. Outro exemplo foi um estudo que a fundação fez sobre a importância dos corais para proteção na costa marinha. Fornecemos esses dados para o BNDES, que lançou um edital. São R$ 60 milhões e ainda está aberto.
Mas vocês também fazem financiamentos?
Também. Nascemos como uma financiadora de projetos, uma grant maker, para doação de projetos. Fazíamos editais, recebíamos projetos. Evoluímos para lançar as chamadas de cocriação desses projetos, não só com ambientalistas, mas com economistas, comunicadores, marqueteiros. Isso deu muito certo, capacitamos mais de mil pessoas nesses processos nos últimos 4 anos, com 81 soluções apoiadas financeiramente. E aí são desafios de turismo de natureza, de oceano, de conservação, de cadeias da sociobiodiversidade...
Como é chegar à maturidade, aos 34 anos de luta?
Até temos uma linha do tempo dessas fases. No último ciclo de planejamento da fundação, fizemos uma autocrítica sobre esses 34 anos – a maturidade, o aprendizado. Foram mais de 1,7 mil projetos apoiados, quase 600 unidades de conservação beneficiadas, 178 espécies novas de fauna e flora descobertas – o que é bom, mas também dá um desespero porque mostra o quanto ainda temos de estudar. Ainda sentimos a responsabilidade de ter mais impacto. Optamos, nesse ciclo, por trabalhar em conjunto, não duplicar o que outros estão fazendo e, sim, encontrar as lacunas para fazer essa transformação necessária.
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