A cotação do dólar no Brasil disparou este ano. No início de janeiro, a moeda americana estava em R$ 4,89 e chegou a R$ 5,79 em 26 de novembro. Aí veio a crise de desconfiança do mercado com o pacote de corte de gastos do governo e mais um salto: a moeda chegou a atingir R$ 6,11 na sexta-feira, 29. Uma desvalorização no ano de cerca de 25%.
É uma notícia bem ruim para quem tem viagem marcada para o exterior ou se preparava para fazê-la agora nas férias de fim de ano. Mudou, por exemplo, os planos da advogada Carla Arruda, de Brasília, que achou melhor esperar. Todo ano ela gosta de ir ao Canadá esquiar. Mas, desta vez, trocará o destino por outro dentro do Brasil mesmo. “Está muito caro, prefiro esperar um pouco para ver como fica e planejar tudo com menos incertezas”, afirma.
A advogada aposentada Maria de Fátima, de 62 anos, também repensou suas férias. Neste ano, ela terá de passar as festas longe do filho, que mora em Boca Raton, na Flórida. “Há oito anos viajo nesta mesma data sem interrupções, mas a alta afetou absurdamente (os planos)”, relata. Ela teve de remarcar a ida para meados do próximo ano, na expectativa de uma mudança no câmbio. “Amigos também cancelaram as suas viagens de final de ano e remarcaram para o verão e férias escolares americanas”, conta Maria.
A alta repentina pegou no contrapé também quem já estava no exterior. É o caso do dentista Euclides Guedes, de São Paulo, que planejou sua viagem para Nova York com amigos em junho, quando a divisa era cotada a R$ 5,50. Só em novembro, último mês antes da partida do grupo, a moeda americana subiu 3,8% em relação ao real. Assustou? Sim, diz.
“Mas não desmarcamos nada. A alta do dólar faz a gente pensar duas vezes antes de comprar alguma coisa aqui. Tem muitas coisas que valem mais a pena comprar no Brasil. O preço é o mesmo e no Brasil a gente parcela”, afirma ele, que embarcou na sexta-feira, 29, e ficará até o dia 9. “Também estamos evitando usar o cartão de crédito ao máximo.” Mas, segundo ele, mesmo com custo maior, a viagem já valeu a pena: ao acaso, ele encontrou a apresentadora Xuxa pelas ruas da cidade americana.
As agências de viagem dizem que, até agora, a disparada do dólar tem sido pouco sentida. “Ninguém está desistindo de viajar”, diz Aldo Leone Filho, presidente da Agaxtur, rede com 32 agências de viagens.
Segundo ele, o câmbio desfavorável se reflete principalmente em hospedagens, passeios e alimentação, que ficam mais caros. Os hotéis, por exemplo, são pagos pelo câmbio turismo, que é cerca de 6% mais alto que o comercial. Na segunda-feira, 2, por exemplo, o dólar comercial terminou o dia em R$ 6,069, enquanto o turismo foi vendido a R$ 6,306.
No caso das passagens aéreas, segundo ele, o reflexo é um pouco diferente, já que usam o chamado “dólar Iata”, que é a cotação da Associação Internacional de Transportes Aéreos, muito semelhante ao dólar comercial.
Além disso, diz Leone, o preço das passagens deu uma trégua. “Estou nesse ramo desde 1981 e, se você me perguntar qual o real valor de uma passagem São Paulo-Miami, ou para qualquer outro destino, eu não sei. Só sei que, quando o dólar sobe muito, as companhias aéreas conseguem compensar essa alta baixando os preços”, diz. Esse trecho, segundo ele, já chegou a custar US$ 1 mil e no começo desta semana estava a US$ 650. “Os valores variam conforme o dia e a hora.”
“Depois da pandemia, os preços das passagens aéreas subiram muito. Mas um ou outro destino já apresenta alguma melhora”, diz Jota Marincek, dono da agência Venturas, especialista em turismo ecológico em São Paulo. Ele diz que este ano, apesar da escalada do dólar, já vendeu 15% mais que em 2023. “E não tive nenhuma desistência com essa alta recente do dólar.”
Na Agaxtur, aconteceu o mesmo. Só na Black Friday, na última semana de novembro, as vendas cresceram 45% em relação ao ano passado. “Se o dólar sobe de R$ 5,40 para R$ 6, mesmo assim as pessoas absorvem a diferença porque o desejo de viajar é maior”, diz Leone.
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No interior de São Paulo, a Trilhas Turismo, de Campinas, também diz não ter tido desistências e que, ao contrário, já há clientes comprando viagens para outubro e novembro do ano que vem. “O que acontece é que não estamos mais vendo aquele viajante de menor poder aquisitivo, que ia viajar para o exterior pela primeira vez. Mas o de maior poder aquisitivo voltou com força”, afirma Ricardo, que tem a agência há 28 anos. Esse cliente mais rico, segundo ele, no máximo faz algumas adaptações na viagem, para gastar um pouco menos, trocando a hospedagem por uma de menor custo. Mas não é a regra.
Como fazer o real render
Os viajantes contumazes, porém, têm algumas dicas para continuar rodando o mundo e economizar, mesmo com o dólar em um patamar mais alto. O maranhense Luiz Thadeu Nunes já conheceu 151 países depois de cinco anos se recuperando de um acidente, em 2003. Só este ano, ele viajou para Havaí, Chile, Argentina, Holanda, China e Estados Unidos. Para o ano que vem, estão nos planos Portugal e países da África. O primeiro deve ser Moçambique. “O segredo é sempre comprar dólar aos poucos, nos dias em que a cotação baixa”, afirma.
Os profissionais de turismo também recomendam essa prática. A melhor maneira de fazer isso é por meio de cartões pré-pagos, que pagam menos impostos, segundo Pereira, da Trilhas. “E manter esses dólares em uma conta global”, diz André Galhardo, consultor econômico da plataforma de transferências internacionais Remessa Online. Para ele, pelo menos nos próximos meses, o dólar deve continuar na casa dos R$ 6.
Outra dica para fazer o real render na viagem, segundo Nunes, é comer em supermercados. Em vários países, esses estabelecimentos servem comida pronta e têm espaço com mesas e cadeiras, muitas vezes até micro-ondas para uso dos clientes. “Na Europa, principalmente, a comida ficou muito cara depois da invasão da Ucrânia pela Rússia”, conta.
“Em supermercados, comi bacalhau delicioso pagando só € 5 quando fui a Lisboa”, lembra. Fazer bom uso das milhas acumuladas em compras também é uma alternativa para continuar viajando - Nunes diz planejar uma volta ao mundo com as 350 mil milhas que tem acumuladas.
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