O enorme ruído provocado no mercado com a decisão da Petrobras de reter dividendos extraordinários, que levou a companhia a perder R$ 56 bilhões de valor de mercado em um único dia, na semana passada, tem como pano de fundo uma disputa que remonta praticamente ao início do governo Lula, entre o presidente da estatal, Jean Paul Prates, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
Os dois já trocaram por diversas vezes farpas públicas em relação aos rumos da empresa — que, formalmente, é subordinada ao ministério. Procurados, Petrobras e Ministério de Minas e Energia não haviam respondido até a publicação dessa reportagem.
O clima de desarmonia ganhou mais um componente com a proximidade de uma nova eleição para o conselho da Petrobras, em 25 de abril. As eleições de membros do conselho acontecem nas assembleias ordinárias de anos pares — a reformulação feita no ano passado foi exceção ligada à troca de governo. Embora o governo até possa reconduzir os atuais integrantes, repetindo a formação dos indicados da União, o fato é que o rito legal abre uma janela para mudanças e joga mais lenha nessa disputa de poder.
Mas não é uma situação recente. Antes da posse de Lula, Prates, ex-senador pelo PT do Rio Grande do Norte, chegou a ser especulado para assumir o ministério. Mas preferiu ficar com a presidência da estatal — a empresa mais poderosa nas mãos do governo. Na configuração final, o ministério acabou nas mãos de Silveira, senador pelo PSD mineiro, mesmo partido do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
Desde o início, houve embates entre os dois pelos espaços de poder na companhia. Na divisão acertada no governo, Silveira ficou mais responsável pelos nomes do conselho de administração, e Prates, com a direção executiva, que toca o dia a dia da companhia.
Isso não foi, porém, o suficiente para apaziguar as disputas, e a relação tem sido distante da harmonia. Uma desavença em relação à política da empresa para o gás natural, por exemplo, virou bate-boca nas páginas dos jornais no ano passado.
Silveira fez reiteradas críticas à política de reinjeção de gás em reservatórios de petróleo com o intuito de aumentar sua pressão interna e facilitar a produção de óleo. No dia 16 de junho, Silveira disse que Prates estava sendo “no mínimo negligente” com relação ao gás.
“Entre agradar o Jean Paul e cumprir o compromisso do governo com a sociedade brasileira, de gerar emprego e combater desigualdade, prefiro que ele feche a cara, mas que nós possamos lograr êxito na política pública”, disse o ministro, à época.
Alguns dias depois, Prates rebateu, também publicamente. “Não adianta só berrar pelo jornal, nem achar que um está rindo demais e outro está fazendo careta. Não adianta nem careta nem sorriso, adianta trabalhar junto e convergir”, disse, durante coletiva no Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao lado do presidente do banco, Aloizio Mercadante. “Se não tem gás para todos os segmentos, vamos trabalhar o mix (de oferta de energia) em vez de criar polêmica onde não existe.”
Em novembro, Silveira cobrou Prates, em uma entrevista à GloboNews, por uma redução mais expressiva no preço dos combustíveis por conta da queda no preço internacional do petróleo. “Eu já esperava uma manifestação para que a Petrobras tivesse apresentado uma redução mais significativa dos preços. Hoje, no óleo diesel, vejo uma possibilidade real de redução entre 32 a 42 centavos e, na gasolina, entre 10 e 12 centavos”, afirmou Silveira.
Prates voltou a rebater: “Jamais o presidente Lula me pediu para baixar ou aumentar o preço de combustíveis. Volta e meia ele (Lula) me liga para saber como está o mercado de petróleo, mas pedir para baixar preço, nunca”, disse, ao ser questionado a respeito das declarações de Silveira.
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Na avaliação de quem acompanha o processo, um dos pontos de conflito na relação entre Prates e Silveira tem relação com o plano de investimento. O MME tem restrições aos investimentos massivos em energias renováveis, incluindo a compra de projetos em operação. O ministério questiona esses investimentos, que podem chegar a 15% do total previsto no Plano Estratégico para o período de 2024 a 2028 — e teria o apoio dos conselheiros minoritários, mais interessados em reforçar o braço de exploração e produção da companhia.
Mudança no estatuto
Em outubro, uma decisão do conselho da Petrobras de mudar o seu Estatuto Social teve como pano de fundo o temor do Ministério de Minas e Energia de perder o poder que conseguiu conquistar na estatal, com indicações para os comitês que assessoram o conselho de administração e membros do próprio conselho, segundo apurou o Estadão/Broadcast à época.
O medo se devia ao crescimento de ações na Justiça e na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) contra as indicações de pessoas próximas a Alexandre Silveira para vários cargos na companhia, especialmente nos comitês ligados à administração. Nos corredores da estatal, esses indicados são conhecidas como “silveirinhas”.
Silveira teria sido responsável por quase dez nomeações nos comitês de assessoramento do conselho. O loteamento desses órgãos pelo MME, na avaliação de uma das pessoas ouvidas pela reportagem, na condição de anonimato, foi uma troca para evitar que o ministro levasse à frente a intenção de também nomear os gerentes da empresa.
Segundo essas pessoas, Silveira também tinha a intenção, que acabou frustrada, de obrigar todas as propostas da nova diretoria de transição energética passassem pelo aval do conselho desde a fase zero, o que atrasaria muito qualquer iniciativa da estatal nessa área.
Dividendos
Na semana passada, a disputa entre Prates e Silveira teve impacto direto nas ações da Petrobras. Numa decisão dividida, o Conselho optou por reter dividendos extraordinários avaliados em R$ 49,3 bilhões. Prates defendia uma solução de meio-termo — distribuição imediata de 50% dos dividendos. Mas essa solução acabou perdendo, com os votos dos representantes do governo no conselho. A retenção de 100% dos dividendos era defendida por Silveira.
O mercado não reagiu bem, e a empresa despencou na Bolsa. “Essa novela (dos dividendos) continua, não acabou”, disse Jean Paul Prates, na sexta-feira, 8, indicando que a reserva será usada apenas para pagamento de dividendos e que isso poderia ocorrer “a qualquer momento”.
O ruído desembocou em uma reunião na segunda-feira, 11, no Palácio do Planalto, com o presidente Lula, Prates, Silveira e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Na saída do encontro, a tentativa era de mostrar uma imagem um pouco mais harmônica. Haddad reforçou que a divisão de recursos seria avaliada à medida que o conselho da Petrobras seja munido com mais informações, que permitam um balanceamento equilibrado entre a distribuição de dividendos e o plano de investimentos da companhia. O discurso dos ministros, porém, contrastava com as declarações do presidente Lula em entrevista ao SBT, exibida no mesmo dia. Para ele, a estatal não tem que pensar só em seus acionistas, mas em investimentos.
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