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Dívida média dos brasileiros inadimplentes cresce quase 10% em 2024, diz pesquisa

Levantamento traz o perfil do inadimplente no Brasil: a maioria é mulher, com mais de 40 anos, líder de família e mora no Rio de Janeiro

Foto do author Wesley Gonsalves

O Brasil tem hoje 72 milhões de pessoas com o “nome sujo” na praça, com restrições para consumir, mostra levantamento da área de pesquisa Pagou Fácil, da financeira Paschoalotto. Isso representa mais que toda a população da Tailândia ou do Reino Unido. O estudo avaliou os dados de brasileiros inadimplentes entre janeiro e agosto de 2024 e verificou aumento de 2,13% no nível de endividamento do País em comparação a igual período do ano anterior. As principais dívidas são de cartão de crédito, financiamentos e outros produtos financeiros.

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Nos últimos dois anos, houve uma escalada do índice de inadimplência no Brasil, refletindo o ciclo de alta da taxa Selic, que começou em dezembro de 2021 e foi até agosto de 2023. Em setembro do ano passado, o Banco Central deu início ao período de afrouxamento da política monetária, que reduziu a taxa de juros de 13,75% para 10,5% ao ano. Como a transferência da queda dos juros demora para chegar ao consumidor, o número de brasileiros inadimplentes continuou a subir.

Dados do Mapa da Inadimplência e Renegociação de Dívidas do Brasil, produzido pelo Serasa, apontam um crescimento de 16% no total de pessoas inadimplentes entre agosto de 2021 e o mesmo mês em 2024, passando de 62,25 milhões de inadimplentes para os atuais 72,46 milhões - ou seja, um aumento de mais de 10 milhões de pessoas.

Além de restringir o acesso da população ao consumo, a inadimplência encarece ainda mais o crédito no Brasil. As dívidas atrasadas são um dos componentes que compõem os juros cobrados do consumidor, segundo os bancos.

De acordo com o levantamento, o valor médio das dívidas dos brasileiros chegou a R$ 1,461,27 neste ano, um aumento de 9,1% na comparação com 2023. O valor médio das dívidas com garantia - que são, por exemplo, financiamentos de imóveis e veículos, em que o bem pode ser retomado em caso de inadimplência - subiu para R$ 1.770, ante aos R$ 1.608,93 no ano anterior. O economista-chefe da Paschoalotto, Rafael Saab, pontua que o crescimento do tíquete médio da dívida também tem relação com a alta do custo atrelado à inflação. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a 2,85% no acumulado do ano.

Apesar do aumento geral da dívida em quase 10%, houve queda no valor geral das dívidas sem garantia, como no caso do cartão de crédito, que registrou uma redução para R$ 268.

Para o professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), William Eid, o horizonte de endividamento no País não deve ter grandes mudanças no curto prazo e se manterá em trajetória de alta.

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Isso porque na avaliação do especialista o fator de endividamento no Brasil está intimamente atrelado aos problemas de consumo da população, diz. “O que poderia reduzir esses níveis de endividamento é o arrefecimento da inflação”, avalia o especialista. “O brasileiro vai continuar se endividando no cartão de crédito e em todos esses instrumentos caros para se endividar.”

Eid aponta que um bom exemplo desse perfil de consumo do brasileiro é o fato de que, por aqui, o cliente costuma avaliar o tamanho da parcela em relação ao seu rendimento e não o valor total do bem. “Mas aqui, muitas vezes o cliente está pagando um juro absurdo, porém a prestação cabe no bolso. Na Europa, por exemplo, o parcelamento quase não existe”, pondera.

Quem é o endividado?

Entre os mais de 72 milhões de inadimplentes do País, 50,4% deles são mulheres e 49,6% são homens. A maior concentração de endividados está entre os grupos etários que vão de 26 a 40 anos (34,1%) e de 41 a 60 anos (35,1%). Os menores níveis de endividamento são dos mais jovens, até 25 anos (11,9%), e dos mais velhos, acima de 60 anos (18,9). Se fossem unificadas as dívidas de todos os brasileiros, o montante estimado pela pesquisa é de cerca de R$ 390 bilhões.

Mais da metade dos endividados do País são mulheres, aponta pesquisa Foto: Petzshadow/Adobe Stock

O professor da FGV acredita que o aumento na participação de mulheres, em especial nas faixas mais afetadas pela inadimplência - de 26 a 40 anos e de 41 a 60 anos - se deve ao fato de que muitas mulheres são responsáveis pelo sustento e custeio de casas, o que pressiona o orçamento doméstico e as coloca em maior vulnerabilidade de não honrar com as contas.

Ele alerta que, sem a pressão extra de chefiar o lar, as mulheres são, em geral, segundo estudos, mais responsáveis financeiramente do que os homens. “Boa parte das famílias é gerida por mulheres hoje em dia. Essa mulher é responsável pelo lar, pelas contas e tudo mais. Aí, a inadimplência fica fácil”, afirma.

A discrepância de gênero em relação à inadimplência no País, no entanto, vem caindo. Na comparação com um levantamento feito pela Paschoalloto, em 2022, 70% dos inadimplentes eram mulheres, o que mostra redução na diferença entre o porcentual de mulheres versus homens endividados.

No topo do ranking de motivos para a inadimplência, 27,47% dos endividados brasileiros relatam casos de salário e rendimentos atrasados, 26,71% falam em endividamento e 14,89% deles atribuem o atraso nas contas ao desemprego.

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Dívidas no cartão de crédito ainda são principais fatores de inadimplência dos brasileiros, mostra empresa Foto: Alexandre Calais/Estadão

Ao analisar as dívidas por segmento, a pesquisa da Paschoalotto mostra que o principal vetor de endividamento no País está no cartão de crédito e nos bancos, que representam 28,44% do total das dívidas, seguido de gastos com utilidades (como contas básicas de água, luz, gás e etc) com 21,85%, gastos com financeiras (17,81%) e serviços (12,09) e outros gastos. “A maior representatividade das dívidas está relacionada ao cartão de crédito. Ele é considerado (pelos clientes) como um ‘adiantamento’”, afirma o economista da Paschoalotto.

O planejador financeiro e especialista em finanças Marlon Glaciano acredita que o cenário de inadimplência do País deveria ser encarado como um problema de saúde pública, já que afeta cronicamente milhares de brasileiros. O especialista pondera que não há como acabar com essa questão sem um trabalho generalizado de educação financeira no País, que começaria muito antes do público ter acesso ao crédito, mas ainda na escola. “Falta uma política de educação financeira no Brasil”, avalia.

Assim como o planejador financeiro, William Eid, da FGV, reitera a importância da educação financeira: “Educar as pessoas para o consumo consciente é muito importante, principalmente pela diferença de renda entre as pessoas”, enfatiza o professor.

Gaciano também é crítico ao papel das instituições de crédito nesse problema. Ele vê uma atuação de bancos e financeiras com pouco respeito às normas para a oferta de crédito, que na sua análise, é muito fácil e acessível no País. Isso contribui, com outros fatores estruturais, com a pavimentação do caminho da inadimplência para as famílias brasileiras. “Dependendo da instituição, não há nem necessidade de comprovação de renda para se ter acesso ao crédito”, diz.

CEP do inadimplente

Além de analisar dados como gênero, faixa etária e valor da dívida, a Paschoalotto também rastreou o estado de origem das dívidas. Com isso, foi possível ranquear as entidades federativas com os maiores níveis de endividamento no Brasil.

O levantamento destaca que 14 Estados do País têm níveis de endividamento acima do patamar médio do País. Encabeçando o ranking de Estados com a população mais endividada está o Rio de Janeiro, onde 54% dos fluminenses têm restrições financeiras. Em seguida estão Distrito Federal e Mato Grosso, com 53%, e Amapá e Amazonas, ambos com 52%. No entanto, vale ressaltar, segundo o economista da Paschoalotto, que os níveis de endividamento por entidade federativa não têm relação com a renda per capita de cada Estado.

Veja o ranking de endividamento da população por Estado.

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Negociação virtual

Com o avanço na digitalização dos serviços financeiros, honrar com as dívidas também passou a ser uma tarefa que os brasileiros querem resolver de maneira virtual, conforme aponta a Paschoalotto.

Segundo o levantamento, os canais digitais têm se consolidado como uma das principais ferramentas de contato direto, e rápido, entre os inadimplentes e as instituições. Atualmente, quase 29% dos pagamentos são realizados via canais digitais.

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