O dólar subiu antes ou depois da entrevista de Lula? Entenda a escalada da moeda na quarta-feira

Dólar atingiu na quarta maior patamar desde 18 de janeiro de 2022, ao fechar em R$ 5,52; petista afirmou que desvalorização do real começou antes de suas declarações, mas desconfiança com o governo agravou cenário, segundo economistas

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Por Redação
Atualização:

O dólar atingiu na quarta-feira, 26, o maior patamar desde 18 de janeiro de 2022, ao fechar o dia em R$ 5,5194, uma alta de 1,19%. O movimento ocorreu em meio a uma tendência externa de valorização da moeda americana e às declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre gasto público e autonomia do Banco Central.

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Em entrevista ao portal UOL, pela manhã, o presidente afirmou que o governo está fazendo uma análise sobre os gastos públicos para verificar se há exageros e desperdício. Segundo ele, a avaliação ocorre sem considerar os humores do mercado. O petista disse ainda que há muitos outros países que gastam muito mais do que o Brasil.

Nesta quinta-feira, 27, Lula reclamou das notícias que relacionavam a alta do dólar às suas declarações. “Os cretinos não perceberam que o dólar tinha subido 15 minutos antes de eu dar a entrevista”, afirmou.

Às 9h de quarta-feira, 26, na abertura do mercado, a moeda americana era cotada a R$ 5,4714, já em alta de 0,31% em relação ao dia anterior, quando fechou em R$ 5,4544. A terça-feira havia sido marcada pelo avanço das taxas dos Treasuries (títulos de dívidas emitidos pelo governo norte-americano) e fortalecimento global da moeda americana, diante da incerteza sobre o início de cortes de juros nos Estados Unidos.

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Lula durante entrevista ao UOL, no Palácio do Planalto Foto: Ricardo Stuckert/PR

Quando a entrevista de Lula começou a ser transmitida ao vivo pelo UOL, às 9h21, o dólar estava em R$ 5,4849, uma alta de 0,25% desde a abertura do mercado. Ao longo da entrevista, a moeda americana acelerou e chegou a R$ 5,5175 às 10h34, quando a transmissão foi encerrada. Durante o período de uma hora e 13 minutos de programa, houve uma valorização de 0,6% da moeda americana.

A máxima do dia foi de R$ 5,5264 às 16h04. O dólar acabou fechando, às 17h, em R$ 5,5194, uma alta de 1,19% ao longo do dia, marcado por pressões externas e pelo aumento da percepção de risco fiscal doméstico. Na quarta-feira, a moeda brasileira figurou entre as quatro divisas com mais perdas em relação ao dólar, ao lado de seus pares latino-americanos, entre eles os pesos mexicano e colombiano. O avanço, ao longo de junho, era 5,12%, e de 13,72% desde o início do ano.

Aversão ao risco

Operadores identificaram na quarta um aumento da busca por proteção cambial e movimentos especulativos em razão de nova leva de declarações de Lula críticas ao mercado financeiro e à agenda de corte de gastos. Na entrevista ao UOL, Lula descartou a possibilidade de desindexar pensões e o Benefício de Prestação Continuada (BPC) da política de valorização do salário mínimo, umas das alternativas aventadas por economistas para conter despesas.

Para o head da Tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weigt, havia uma aversão grande ao risco no exterior que puniu divisas emergentes, com investidores buscando refúgio no dólar. Mas, para ele, se o governo “sinalizasse manutenção da relação dívida/PIB para frente, o dólar estaria em R$ 4,90”.

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Para o economista-chefe do Banco Pine, Cristiano Oliveira, o real sofre com as questões idiossincráticas domésticas, como o quadro fiscal e a desconfiança de que o Banco Central possa ser mais leniente com a inflação a partir de 2025, quando haverá troca no comando da instituição.

“Com as declarações recentes do presidente da República, o mercado colocou um peso maior na probabilidade de o quadro fiscal não ser benigno como se imaginava no final do ano passado” afirma Oliveira. “O governo vai ter que provar a cada resultado primário e a cada reunião do Copom que está realmente comprometido com as metas fiscais e que o BC é autônomo”, disse.

O analista de mercado da Stonex, Leonel Mattos, afirmou que o mercado reagiu à aversão ao risco em relação aos ativos brasileiros. A aversão ao risco geralmente ocorre quando investidores estão preocupados com a estabilidade econômica e política do País, bem como com possíveis mudanças nas políticas econômicas que podem afetar os investimentos. “Há pessimismo e desconfiança em relação à condução das políticas fiscal e monetária, mas com maior peso para o fiscal”, analisou.

A avaliação de analistas é que as medidas gestadas no Ministério da Fazenda para ampliar as receitas apresentam bons resultados, mas falta uma trava à expansão dos gastos dê sustentação ao novo arcabouço fiscal ao longo do tempo.

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Nesta quinta-feira, 27, Lula afirmou que quem apostar no fortalecimento do dólar ante o real “vai perder dinheiro” e “quebrar a cara”. “Pode ter certeza, (Fernando) Haddad (ministro da Fazenda): quem estiver apostando em derivativo vai perder dinheiro neste País. As pessoas não podem ficar apostando no fortalecimento do dólar e no enfraquecimento do real. Eu já vi isso em 2008″, disse durante o “Conselhão”, evento do governo com representantes de diversos setores da sociedade civil, em Brasília.

Lula prosseguiu: “As pessoas achavam que era importante ganhar dinheiro apostando no fortalecimento do dólar e quebraram a cara. E vão quebrar outra vez. Vão quebrar porque não voltei para ser presidente para dar errado. Eu só voltei porque tenho consciência de que vai dar certo esse País”.

Ao longo do dia, o presidente amenizou o discurso da véspera e reforçou haver em curso uma “operação pente-fino” nos ministérios para revisar gastos públicos, mas disse que “todos os pobres vão continuar com programas sociais. Ele afirmou que “sempre tem lugar para cortar” no Orçamento, mas que serão cortados de benefícios sociais apenas aqueles que não tiverem direito.

“Por mais que a gente queira fazer política social, por mais que a gente queira fazer benefício, você não pode jogar dinheiro fora”, disse Lula. “Então, só vai receber o benefício quem tem direito. Quem tem está dentro da lei.”

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Nesta quinta, o dólar teve baixa moderada e encerrou a sessão em queda de 0,22%, cotado a R$ 5,5075. Na máxima, no início da tarde, a moeda havia superado R$ 5,53, com máxima a R$ 5,5390.

“A sensação que se tem é que esse patamar do dólar e a maneira com que o câmbio se depreciou começam a afetar Brasília. Temos que ver o que vai sair agora de medidas. A parte difícil de fazer o ajuste fiscal é cortar gasto”, afirma o economista-chefe da Western Asset, Adauto Lima.

Para o economista, medidas mais duras, como mudança de regras de crescimento de despesas, trariam resultados claros. Já revisão de gastos a partir da passagem de um “pente-fino” nas despesas pode até trazer até ganhos pontuais, mas não consegue afastar a desconfiança dos investidores, uma vez que os números podem ser superestimados.

Operadores afirmam que o câmbio nesta quinta também esteve muito suscetível a movimentos técnicos./Com Antonio Perez

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