Pela primeira vez na história, o dólar ultrapassou o nível de R$ 6 nesta semana. Nesta sexta-feira, 29, a moeda norte-americana fechou as negociações cotada a R$ 6,001 — avanço de 0,20%. Na máxima do dia, chegou a R$ 6,115. Em 2024, a alta acumulada é de 23,65%.
O mau humor do mercado é explicado tanto por motivos internos quanto externos. Mais recentemente, pesou a confusão do governo no anúncio do pacote que prevê a contenção de gastos. Ao mesmo tempo que a equipe econômica divulgou medidas para dar alguma previsibilidade para as contas públicas, enviou um projeto para o Congresso que prevê a isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, o que tem potencial para abrir um buraco bilionário na arrecadação.
“Aqueles que investem no Brasil estão saindo. É um sinal relevante”, afirmou Bruno Funchal, CEO da Bradesco Asset e ex-secretário especial do Tesouro e Orçamento. “Apesar de a correção na tabela de Imposto de Renda ter sido uma promessa de campanha do presidente, a gente só pode dar um passo desse quando o fiscal estiver muito bem-arrumado. Primeiro temos de arrumar o fiscal e, depois, dar um passo.”
No projeto de isenção do Imposto de Renda, como forma de compensar a eventual perda de arrecadação, o governo também anunciou uma taxação para quem ganha acima de R$ 50 mil por mês.
“A medida possui um custo fiscal elevadíssimo, dificilmente compensado de forma integral pelos impostos propostos para quem ganha mais de R$ 50 mil, mesmo que este seja aprovado sem alterações significativas no Congresso – o que é altamente improvável”, disse Solange Srour, diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management.
Além do temor com o rombo na arrecadação com o projeto de IR, o pacote foi apontado como tímido pelos economistas. A preocupação com a dinâmica das contas públicas sempre esteve no centro das atenções do mercado financeiro e dos investidores. Isso porque o Brasil tem um endividamento considerado elevado para a uma economia emergente, e o arcabouço fiscal — a regra em vigor para as contas públicas — sempre foi visto como frágil.
Não à toa, o pacote de medidas é uma tentativa de dar uma sobrevida ao arcabouço e retomar a confiança nas contas públicas. Em abril, o governo anunciou uma mudança nas metas para as contas públicas em 2025 e 2026.
Os alvos foram reduzidos de um superávit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) para 0% em 2025, a mesma meta deste ano, que foi mantida; e de um superávit de 1% do PIB para 0,25% em 2026. Os alvos de 2027 e 2028 – já no mandato do próximo presidente –, que ainda não haviam sido fixados, ficaram em saldos positivos de 0,50% e 1% do PIB, respectivamente.
A equipe econômica só vai conseguir estancar o crescente endividamento brasileiro se colocar o País numa rota de superávits primários. Ou seja, fazer com que as receitas superem as despesas, sem levar em conta o pagamento de juros.
Hoje, os economistas têm dificuldade de prever quando o País conseguirá estancar o crescente endividamento. Por ora, as projeções dos analistas consultados pelo Banco Central indicam que a dívida bruta deve chegar a 91,1% do PIB em 2030. Este ano deve encerrar em 78,3% do PIB.
“A composição do pacote é negativa, mais tímida do que o mercado esperava, e o governo perdeu a oportunidade de fazer um ajuste mais profundo para manter o arcabouço fiscal”, afirmou Tiago Sbardelotto, economista da XP. “Apesar disso, acreditamos que o arcabouço se mantém em 2025 e 2026 com essas medidas, mesmo que modestas, mas vemos risco a partir de 2027-2028, podendo ser necessária uma nova reforma daqui a dois ou três anos.”
Mundo mais difícil
As contas públicas voltaram ao centro do debate porque a economia internacional ficou mais difícil. O Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) não baixou os juros na velocidade que boa parte do mercado financeiro esperava e, no segundo semestre, a eleição de Donald Trump também contribuiu para um fortalecimento do dólar e, consequente, desvalorização do real.
Taxas americanas mais altas drenam recursos de economias emergentes e mais arriscadas, como é o caso da brasileira. É como se o investidor ficasse mais seletivo e subisse a barra para investir fora dos Estados Unidos, a principal economia do mundo.
A partir de abril deste ano, a sinalização de que o Fed seria mais cauteloso da condução da política de juros fez com que o dólar consolidasse um patamar superior a R$ 5.
No seu mais recente encontro, o Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) do Fed cortou os juros de referência da economia em 0,25 ponto porcentual, para a faixa entre 4,50% a 4,75% ao ano. O BC dos EUA já havia promovido um corte de 0,50 ponto.
Divulgada nesta semana, a ata da reunião do mais recente encontro destacou que Fed segue confiante em queda da inflação nos EUA, mas demonstra alguma cautela no corte dos juros. “A economia não está enviando quaisquer sinais de que precisamos ter pressa em baixar os juros”, disse o presidente da autoridade monetária dos EUA, Jerome Powell, em 14 de novembro.
A eleição de Trump também foi um outro ingrediente de fortalecimento de dólar. Conforme o republicano se tornou favorito para vencer a eleição presidencial deste ano, o real foi se desvalorizou ainda mais e ultrapassou o patamar de R$ 5,50.
A leitura é a de que o mandato de Trump pode ser bastante inflacionário se ele realmente adotar novas tarifas de importação e restringir a imigração, o que deve tornar o mercado de trabalho ainda mais apertado. São medidas, portanto, que podem dificultar uma queda mais acentuada dos juros nos EUA.
“Tem um ambiente externo que não ajuda. Há bastante dúvida sobre o que o Donald Trump vai fazer”, afirma Armando Castelar, pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre). “O que surpreende é que tenha demorado tanto (a piora dos ativos). A dinâmica da dívida já vinha ruim há bastante tempo, o déficit vem alto há bastante tempo.”
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