A disparada do dólar registrada nos últimos dias trouxe dúvidas sobre possíveis impactos na inflação. No pregão desta quarta-feira, 19, por exemplo, a moeda americana está cotada em R$ 5,47 e acumula alta 12,82% no ano. Só nos últimos 30 dias avançou 7,32%. A expectativa dos economistas, no entanto, é de que esse patamar de câmbio não se sustente nos próximos meses, segundo a própria sinalização de mercado apontada pelo Boletim Focus do Banco Central.
Nesta semana, o documento revela que o mercado espera câmbio cotado a R$ 5,13 para este ano, um pouco mais apreciado do que na semana anterior (R$ 5,05). Apesar do avanço, a perspectiva é de que a moeda americana recue do patamar atual de R$ 5,40. De qualquer forma, a movimentação do dólar vai exigir acompanhamento minucioso nas próximas semanas.
Segundo economistas, hoje o problema maior é o impacto das variações climáticas, como chuvas no Sul e seca na região central e no Norte do País, nos preços dos alimentos. No pregão desta quarta-feira, 19, a moeda americana está cotada em R$ 5,44 e acumula alta 12,18% no ano. Só nos últimos 30 dias avançou 6,72%.
“A perspectiva não é tão dramática quanto a fotografia que temos agora, de um câmbio cotado a R$ 5,40″, afirma o economista da LCA Consultores, Fabio Romão. Ele argumenta que o retrato atual do câmbio está muito carregado por conta das incertezas sobre a condução dos juros nos Estados Unidos e em relação à política fiscal do País. “Isso está poluindo a cotação”, diz o economista, ressaltando que esses dois fatores devem perder força nos próximos meses.
De toda forma, Romão mudou a projeção de inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) para este ano, de 3,7% para 3,9%. A alta do câmbio médio para este ano, até maio previsto em R$ 5,07 e agora projetado em R$ 5,16, além do vigor do mercado de trabalho influenciaram na revisão para cima do IPCA de 2024. Mas o fator que mais pesou, segundo o economista, foi o impacto das enchentes no Sul e seus desdobramentos sobre os preços dos alimentos.
O economista Guilherme Moreira, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fipe (IPC-Fipe) também está mais preocupado com os estragos do clima – chuvas no Sul e seca no Centro e Norte do País – sobre a produção de alimentos e seus preços do que com o câmbio.
“Do ponto de vista do IPC-Fipe, não dá para enxergar os efeitos da alta do câmbio.” Moreira explica que os impactos de uma desvalorização cambial nos preços levam tempo, de quatro a cinco meses, para chegar ao consumidor. A transmissão mais imediata ocorre por meio da cotação dos combustíveis.
Moreira também cita o Boletim Focus para reforçar que, na sua avaliação, o atual patamar do câmbio não irá se consolidar. No entanto, caso esse nível atual do câmbio se concretize, ainda assim, ele acredita que o impacto maior poderá ser na inflação de 2025.
O economista ressalta ainda que a transmissão da desvalorização cambial é muito mais rápida para os preços ao consumidor quando os índices estão na casa de dois dígitos, o que não é o quadro atual da economia brasileira. Lembra também que a balança comercial vem acumulando saldos robustos por conta das exportações, o que joga contra a desvalorização do real.
Preços no atacado
O impacto de uma desvalorização cambial nos preços e na inflação é proporcional ao tempo que a cotação da moeda americana fica estacionada no novo patamar, observa o coordenador de índices de preços da Fundação Getulio Vargas, André Braz. “Esses impactos vão se acumulando à medida que o dólar vai permanecendo no novo patamar.”
Também Braz não acredita que atual nível do câmbio se sustente no médio e longo prazos, citando que as últimas projeções do Boletim Focus do dólar cotado a R$ 5,10 estão muito distantes dos atuais R$ 5,40.
Hoje o pico do dólar é resultado da combinação da incerteza fiscal que paira na economia brasileira e um pouco do cenário externo. “À medida que os Estados Unidos retomarem o corte nos juros e os agentes econômicos tiverem melhor entendimento sobre a questão fiscal no Brasil, o real vai se recuperar frente ao dólar”, prevê.
Braz diz, no entanto, que já observou uma reversão no comportamento de preços no atacado de três grandes commodities – milho, soja e trigo – de maio para junho. Mas ele ressalta que ainda não é possível atribuir essa mudança totalmente ao dólar, já que existem os impactos da tragédia no Sul.
Em maio, o preço do milho em grão caiu 0,87% no atacado, segundo o Índice Geral de Preços - 10 (IGP-10). Mas, em junho, houve alta de 1,4%. No caso da soja, que havia registrado valorização de 4,73% em maio pelo mesmo indicador, os preços subiram mais 4,81% em junho.
Dos três produtos, o trigo teve o aumento mais expressivo de preço em junho no atacado, de 9,29%, após aumentar 1,46% em maio. “O trigo pode ter o efeito das enchentes do Sul, mas também a questão cambial, porque o Brasil não é autossuficiente e importa o grão.”
No entanto, dados do IGP-10, da FGV, mostram que em 12 meses até junho as cotações das três commodities no atacado ainda registram deflação. O milho recuou 7,07% no período, a soja 3,1% e o trigo 6,3%.
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