Dólar a R$ 5,69: economistas explicam a queda do real e qual seria seu valor sem problemas internos

Imensa parte da desvalorização da moeda brasileira é resultado do cenário doméstico, segundo especialistas; moeda americana estaria na casa de R$ 5,10, não fossem as questões políticas e fiscais

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Foto do author Beatriz Bulla
Atualização:

A combinação de fatores da economia global com questões domésticas dita a valorização ou desvalorização das moedas ao redor do mundo. No caso do Brasil neste ano, no entanto, especialistas apontam que os sinais dados pelo governo brasileiro tiveram influência preponderante sobre o real e respondem por quase 80% do enfraquecimento da moeda frente ao dólar. A situação é considerada uma das piores entre as grandes moedas globais – e uma desvalorização superior à registrada pelo conjunto das economias emergentes. Segundo um dos cálculos apresentados ao Estadão, o dólar estaria na casa dos R$ 5,10, se seguisse a tendência dos demais emergentes.

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Do final do ano passado até hoje, o dólar saiu de um patamar de R$ 4,85 em movimento de alta até bater nos R$ 5,69 na sexta-feira, 18. “O nosso modelo sugere que a imensa parte do movimento está associada a questões domésticas, o que é um resultado muito pouco usual porque tipicamente é o mundo que dá a dinâmica e o doméstico vai só temperar essa dinâmica”, afirma Lívio Ribeiro, pesquisador associado do FGV Ibre e sócio da BRCG Consultoria. Segundo ele, os fatores domésticos explicam quase 80% da elevação da taxa de câmbio desde o início do ano até o final de setembro.

“Se o real estivesse caminhando paralelamente aos demais emergentes, estaríamos falando de um dólar a R$ 5,10″, diz o sócio e economista da Tendências, Silvio Campos Neto. A conta abarca as variações até o dia 11 de outubro. Isso não inclui, portanto, as movimentações do governo na última semana. Como informou o Estadão, os ministros Fernando Haddad, da Fazenda, e Simone Tebet, do Planejamento, elaboram os argumentos para convencer o presidente a embarcar na agenda de credibilidade do arcabouço fiscal, embora Lula tenha defendido publicamente, em meio a essa discussão, gastos com programas sociais.

Livio Ribeiro, do Ibre, diz que boa parte dos analistas tende a explicar os movimentos da moeda com base nos eventos domésticos, quando eles costumam estar mais associados, na verdade, às questões globais. Mas o movimento da moeda em 2024 foge do usual. “A estilingada da contribuição doméstica ocorre entre maio e junho”, diz o pesquisador.

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Ele pondera, no entanto, que os pesos dos fatores que influenciam a taxa de câmbio variam ao longo do tempo e que não é possível atribuir a um único evento ou movimento do governo, por exemplo, a resposta para o que acontece com a moeda.

No início do ano, patamar do dólar estava em R$ 4,85, e subiu para R$ 5,53. Foto: Public Domain

“Dá para fazer a conta de quanto seria o dólar supondo que o fator interno não tivesse tido problema? Estritamente sim, mas não é simplesmente subtrair a contribuição estimada, pois o modelo é feito de uma forma tal que replica como o mercado funciona. O mercado é feito de humores. Incorporamos isso ao modelo para ir mudando o peso relativo dos fatores que explicam o câmbio”, diz Livio Ribeiro.

Silvio Campos Neto, da Tendências, compara o real com as moedas de outros países emergentes. No acumulado de 2024, segundo ele, o índice do dólar frente ao real teve alta de 16,2%. Já o do dólar frente aos emergentes cresceu 5,2%. Se nossa taxa de câmbio tivesse acompanhado o comportamento médio das demais moedas de emergentes, portanto, teríamos um dólar a R$ 5,10 — distante do patamar atual acima de R$ 5,60.

“Isso é uma evidência de questões locais influenciando mais”, diz Silvio Campos Neto. “Não podemos colocar 100% na conta doméstica, porque existem fatores globais que podem pesar mais sobre moedas específicas”, pondera o economista. “Mas isso não invalida a tese de que o real teve uma performance maior do que a média dos emergentes e isso sinaliza algo”.

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Nos últimos dias, o dólar teve alguma recuperação diante dos dados de economia mais fortes dos EUA. “Isso também ajuda a explicar um pouco da piora aqui, mas, claramente há preocupações com questões locais que seguem pesando na taxa de câmbio e no comportamento de juros de mercado”, diz Silvio Campos Neto. Segundo ele, está chegando o momento da verdade, pois o governo terá de tomar decisões difíceis e existe dúvida se está disposto a pagar o preço de medidas impopulares.

O ministro Fernando Haddad, da Fazenda, e Simone Tebet, do Planejamento, busca convencer o presidente a embarcar na agenda de credibilidade do arcabouço fiscal. Foto: Washington Costa/MF Foto: Washington Costa

Ele afirma que entre os fatores que contribuem para o atual patamar do real estão: a ofensiva do governo em torno do Banco Central, que gerou incertezas com relação à transição no BC, uma direção mais populista na economia com tentativas de intervenção em estatais e a questão fiscal. “Foi ficando claro que o arcabouço por si só não é capaz de colocar a dívida numa trajetória de estabilidade e futuramente de queda”, afirma o economista.

Janelas temporais

Em artigo publicado no site do Ibre, o economista Samuel Pessoa citou o trabalho de Livio Ribeiro e esmiuçou o modelo econômico que aponta que as questões domésticas são preponderantes na trajetória do câmbio em 2024. “A conclusão dessa longa e talvez excessivamente detalhista coluna é que toda a desvalorização do real no ano deveu-se a fatores domésticos. Há, portanto, muito espaço para valorização da moeda se houver uma decisão mais firme do governo de enfrentar o problema fiscal”, escreveu Pessoa, em texto publicado no final de agosto.

São consideradas, para isso, quatro janelas temporais. Entre o final de 2023 e 10 de maio, 66% da desvalorização de 6,2% do câmbio é atribuída a fatores externos, 32% a fatores domésticos e 2% ao diferencial de juros. “A piora da inflação americana, que ocorreu no primeiro trimestre do ano, mudou a curva de juros dos Estados Unidos e explica a maior parte da desvalorização do real”, escreve Pessoa.

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Já a segunda vai de 10 de maio até 2 de julho. Todo o movimento foi doméstico.

A terceira janela, de 2 a 10 de julho, indica valorização da moeda de 4,6%. E a quarta janela temporal, de 10 a 26 de julho, considera que 90% da desvalorização de 4,4% está ligada a fatores externos. Pessoa cita, neste caso, a queda dos preços das commodities.

“Na (...) decomposição do movimento do câmbio para toda a desvalorização de 16,5% entre 29 de dezembro e 26 de julho. O movimento do período todo se torna completamente doméstico, fruto de piora do risco Brasil. O risco Brasil elevou-se de 233 centésimos de porcentagem (cp) para 260cp. no período, piora de 11,6%”, escreve o economista.

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