Dólar de R$ 5,81 a R$ 6,11 em 48 horas: veja como o pacote fiscal azedou o humor do mercado

Semana foi marcada por frustração do mercado financeiro com pacote de corte de gastos acompanha de ‘surpresa’ com isenção do Imposto de Renda

PUBLICIDADE

Publicidade
Foto do author Daniel  Weterman
Atualização:

BRASÍLIA – A frustração do mercado financeiro com o pacote de corte de gastos anunciado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) provocou um movimento atípico no dólar nesta semana.

A cotação da moeda norte-americana saiu de R$ 5,8191 na manhã de quarta-feira, 27 para R$ 6,1155 na manhã de sexta-feira, 29, em um movimento que fez o preço fechar acima de R$ 6 pela primeira vez na história.

Quarta-feira, 27

PUBLICIDADE

Na manhã de quarta-feira, por volta das 10 horas, o dólar ganhou força com dados da economia nos Estados Unidos, que mostraram inflação em linha com o que os economistas esperavam, mas surpreendendo em relação à renda e aos gastos de consumo dos americanos acima das expectativas. O Produto Interno Bruto (PIB) americano cresceu 2,8% no 3º trimestre de 2024 na comparação anual.

Mas não foi só isso. Os agentes estavam mal-humorados com a demora do governo Lula de anunciar o tão prometido pacote de contenção de gastos públicos, após um mês com sucessivas falas dos ministros do governo falando que só faltavam “alguns detalhes”.

Publicidade

Haddad em almoço anual da Febraban um dia após detalhar o pacote de contenção de gastos que frustrou o mercado. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Já havia uma leitura de que o pacote não seria suficiente para cumprir o arcabouço fiscal e estabilizar a dívida pública nos próximos anos e que a expectativa de uma economia de R$ 70 bilhões em dois anos estava inflada. O que piorou foi a “surpresa” dada com o vazamento de uma informação que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), iria anunciar a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil.

A informação começou a circular ainda de manhã e chegou a integrantes do mercado financeiro e parlamentares. Às 12h17, o jornal Valor Econômico publicou que o governo avaliava a possibilidade de anunciar a isenção. Às 13h40, o jornal O Globo publicou que o anúncio seria feito em pronunciamento pelo ministro Fernando Haddad na TV. A informação foi confirmada e publicada pelo Estadão/Broadcast às 13h59.

Às 14 horas, o dólar começou a bater em R$ 5,90. O que irritou o mercado foi que, junto com um pacote que tinha por objetivo cortar gastos e economizar recursos públicos, o governo estava preparando uma medida de perda de arrecadação e que poderia fazer o ajuste fiscal cair por terra.

Às 15h57, o Estadão mostrou que a isenção teria uma compensação, com a criação de um imposto mínimo para rendas mais altas. A medida, no entanto, não foi suficiente para acalmar o mercado.

Publicidade

Em primeiro lugar, há dúvida se a mudança é realmente suficiente para compensar a perda de arrecadação, calculada pelo mercado em mais de R$ 40 bilhões por ano - e em R$ 35 bilhõe pelo governo. Em segundo lugar, há desconfiança de que o Congresso aprove a isenção, mas deixe o aumento de imposto de lado.

Na quarta-feira, dia do anúncio de Haddad na TV, o dólar fechou em R$ 5,9135. A reação do mercado frustrou a tentativa do governo Lula de criar um ambiente positivo com a apresentação do pacote.

Quinta-feira, 28

A coletiva de imprensa de Haddad e de outros ministros do governo, na manhã de quinta-feira, 28, para detalhar o pacote, foi marcada pela desconfiança com as medidas anunciadas. Durante o anúncio, o ministro da Fazenda afirmou que as mudanças poderiam não ser suficientes e que não descartava voltar a Lula para apresentação de mais propostas no futuro.

Na quinta, o dólar insistiu em ficar acima de R$ 5,90 e bateu em R$ 6 por volta das 13h pela primeira vez na história. O clima provocou insatisfação e queixas no Palácio do Planalto. Após terminar o anúncio, o ministro da Casa Civil Rui Costa, deixou o Salão Leste do palácio, um andar abaixo do gabinete de Lula, e se dirigiu ao elevador ao lado da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, com tom de reclamação.

Publicidade

“Querem que eu peça: doutor mercado, posso anunciar, doutor mercado?”, disse Rui Costa a Simone Tebet e outros assessores que estavam em volta ao entrar no elevador. A ministra apenas assentiu com a cabeça.

Sexta-feira, 29

Na sexta-feira, ainda com a “ressaca” do mercado após o pacote, a moeda americana foi cotada a R$ 6,1155 por volta das 10h15, batendo um novo e histórico recorde.

Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), entraram em campo para reforçar o compromisso de votar o corte de gastos ainda neste ano, mas deixando a isenção do Imposto de Renda para depois. A medida será enviada pelo governo ao Congresso no ano que vem e, se aprovada, entrará em vigor em 2026.

As falas de Lira e Pacheco ajudaram a acalmar os agentes financeiros, ainda que a alta do dólar não não tenha sido totalmente revertida. A moeda fechou cotada a R$ 6,0012 na sexta. O ministro da Fazenda almoçou no mesmo dia com banqueiros em São Paulo, reforçou o compromisso com o ajuste fiscal e disse que mais medidas poderiam vir no futuro.

Em entrevista à Record News, Haddad expôs contrariedade com o vazamento da informação que jogou “água no chope” do pacote de corte de gastos. “Não adianta se queixar do mercado. Ah, o mercado leu errado. Cuida da comunicação, não deixe a informação vazar”, disse o ministro, em um recado para o próprio governo.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.