BRASÍLIA – A frustração do mercado financeiro com o pacote de corte de gastos anunciado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) provocou um movimento atípico no dólar nesta semana.
A cotação da moeda norte-americana saiu de R$ 5,8191 na manhã de quarta-feira, 27 para R$ 6,1155 na manhã de sexta-feira, 29, em um movimento que fez o preço fechar acima de R$ 6 pela primeira vez na história.
Quarta-feira, 27
Na manhã de quarta-feira, por volta das 10 horas, o dólar ganhou força com dados da economia nos Estados Unidos, que mostraram inflação em linha com o que os economistas esperavam, mas surpreendendo em relação à renda e aos gastos de consumo dos americanos acima das expectativas. O Produto Interno Bruto (PIB) americano cresceu 2,8% no 3º trimestre de 2024 na comparação anual.
Mas não foi só isso. Os agentes estavam mal-humorados com a demora do governo Lula de anunciar o tão prometido pacote de contenção de gastos públicos, após um mês com sucessivas falas dos ministros do governo falando que só faltavam “alguns detalhes”.
Já havia uma leitura de que o pacote não seria suficiente para cumprir o arcabouço fiscal e estabilizar a dívida pública nos próximos anos e que a expectativa de uma economia de R$ 70 bilhões em dois anos estava inflada. O que piorou foi a “surpresa” dada com o vazamento de uma informação que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), iria anunciar a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil.
A informação começou a circular ainda de manhã e chegou a integrantes do mercado financeiro e parlamentares. Às 12h17, o jornal Valor Econômico publicou que o governo avaliava a possibilidade de anunciar a isenção. Às 13h40, o jornal O Globo publicou que o anúncio seria feito em pronunciamento pelo ministro Fernando Haddad na TV. A informação foi confirmada e publicada pelo Estadão/Broadcast às 13h59.
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Às 14 horas, o dólar começou a bater em R$ 5,90. O que irritou o mercado foi que, junto com um pacote que tinha por objetivo cortar gastos e economizar recursos públicos, o governo estava preparando uma medida de perda de arrecadação e que poderia fazer o ajuste fiscal cair por terra.
Às 15h57, o Estadão mostrou que a isenção teria uma compensação, com a criação de um imposto mínimo para rendas mais altas. A medida, no entanto, não foi suficiente para acalmar o mercado.
Em primeiro lugar, há dúvida se a mudança é realmente suficiente para compensar a perda de arrecadação, calculada pelo mercado em mais de R$ 40 bilhões por ano - e em R$ 35 bilhõe pelo governo. Em segundo lugar, há desconfiança de que o Congresso aprove a isenção, mas deixe o aumento de imposto de lado.
Na quarta-feira, dia do anúncio de Haddad na TV, o dólar fechou em R$ 5,9135. A reação do mercado frustrou a tentativa do governo Lula de criar um ambiente positivo com a apresentação do pacote.
Quinta-feira, 28
A coletiva de imprensa de Haddad e de outros ministros do governo, na manhã de quinta-feira, 28, para detalhar o pacote, foi marcada pela desconfiança com as medidas anunciadas. Durante o anúncio, o ministro da Fazenda afirmou que as mudanças poderiam não ser suficientes e que não descartava voltar a Lula para apresentação de mais propostas no futuro.
Na quinta, o dólar insistiu em ficar acima de R$ 5,90 e bateu em R$ 6 por volta das 13h pela primeira vez na história. O clima provocou insatisfação e queixas no Palácio do Planalto. Após terminar o anúncio, o ministro da Casa Civil Rui Costa, deixou o Salão Leste do palácio, um andar abaixo do gabinete de Lula, e se dirigiu ao elevador ao lado da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, com tom de reclamação.
“Querem que eu peça: doutor mercado, posso anunciar, doutor mercado?”, disse Rui Costa a Simone Tebet e outros assessores que estavam em volta ao entrar no elevador. A ministra apenas assentiu com a cabeça.
Sexta-feira, 29
Na sexta-feira, ainda com a “ressaca” do mercado após o pacote, a moeda americana foi cotada a R$ 6,1155 por volta das 10h15, batendo um novo e histórico recorde.
Os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), entraram em campo para reforçar o compromisso de votar o corte de gastos ainda neste ano, mas deixando a isenção do Imposto de Renda para depois. A medida será enviada pelo governo ao Congresso no ano que vem e, se aprovada, entrará em vigor em 2026.
As falas de Lira e Pacheco ajudaram a acalmar os agentes financeiros, ainda que a alta do dólar não não tenha sido totalmente revertida. A moeda fechou cotada a R$ 6,0012 na sexta. O ministro da Fazenda almoçou no mesmo dia com banqueiros em São Paulo, reforçou o compromisso com o ajuste fiscal e disse que mais medidas poderiam vir no futuro.
Em entrevista à Record News, Haddad expôs contrariedade com o vazamento da informação que jogou “água no chope” do pacote de corte de gastos. “Não adianta se queixar do mercado. Ah, o mercado leu errado. Cuida da comunicação, não deixe a informação vazar”, disse o ministro, em um recado para o próprio governo.
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