Fundador da Ricardo Eletro vira ‘coach’ de vendas após deixar negócio à beira da falência

Ricardo Nunes, que chegou a ser preso por suspeita de sonegação, não atua mais na varejista, que tem sido alvo de repetidos pedidos de falência; credores da companhia criticam estilo de vida tipo ‘ostentação’

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Foto do author Fernanda Guimarães
Foto do author Lucas Agrela
Atualização:

No mês passado, mais de 6 mil pessoas aguardavam o início do evento “Explosão de Vendas”, que seria conduzido no YouTube por Ricardo Nunes, 52 anos, o fundador da Máquina de Vendas, a dona da Ricardo Eletro, varejista que dribla hoje repetidos pedidos de falência. Com um público inflamado no chat da plataforma, o curso, de três dias em modelo híbrido, começou com Nunes dizendo que seu objetivo era passar o melhor de sua experiência em 30 anos para “construir a segunda maior empresa de varejo desse País”.

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Segundo fontes, o novo negócio de cursos e mentoria vem garantindo um bom dinheiro ao empresário. Procurado em múltiplas ocasiões pela reportagem, o empresário não deu entrevista.

Com 182 mil seguidores no Instagram, rede social que também utiliza para vender seus cursos, Nunes foi denunciado, em junho, por suspeita de sonegação da ordem de R$ 86 milhões. O empresário também já foi alvo de denúncias de lavagem de dinheiro e chegou a ser preso. “Ele mora nos Jardins, leva uma vida luxuosa e fica postando fotos em avião particular. Enquanto isso, mente sobre o que fez na empresa. Se ele hoje é bilionário, tirou esse dinheiro de algum lugar”, diz outra fonte ligada à Ricardo Eletro.

Paga meus direitos, nem seguro desemprego consegui por irregularidades suas.”

Mensagem postada durante 'live' de Ricardo Nunes

No curso, o empresário enaltece a gigante do varejo que construiu, que chegou a empregar 40 mil pessoas e a faturar mais de R$ 10 bilhões ao ano, brigando com as grandes do setor, como Magazine Luiza e Casas Bahia. Em recuperação judicial desde 2020, a rede tenta hoje driblar uma série de pedidos de falência, puxados pelos bancos Itaú, Bradesco e Santander. Todas as lojas física da companhia foram fechadas. O negócio tenta se reinventar como um e-commerce, controlada por um novo dono.

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Frases de efeito

O Estadão acompanhou a “live” de Nunes no dia 18 de julho e percebeu que grande parte do público do evento era de pequenos varejistas do interior do País. Logo de início, o empresário disse que queria ensinar os ouvintes a enfrentar a concorrência e fazer caixa. As mensagens negativas que eram publicadas no site de vídeos, incluindo de ex-funcionários fazendo cobranças, eram deletadas em poucos segundos. “Paga meus direitos, nem seguro desemprego consegui por irregularidades suas”, escreveu, anonimamente, um dos espectadores.

“Ele é carismático, messiânico. Ele chora, transpira. Tem dom de vender, muita capacidade de envolver as pessoas”, diz um executivo que teve contato próximo com Nunes na época da Máquina de Vendas. A fonte lembra que a empresa cresceu muito rapidamente, com aquisições, mas pondera que faltou planejamento e organização. “Em menos de dez anos ele foi do zero ao topo e voltou ao zero”, diz o executivo, que pediu anonimato.

Ricardo Nunes, em 2007, durante evento da Lide Foto: ED VIGGIANI

Diante da falta de organização, as dívidas cresceram rapidamente. Apesar de auditorias apontarem irregularidades nas finanças, Nunes teria omitido até o último minuto a dimensão das dívidas fiscais e trabalhistas, segundo fontes próximas ao processo de sucessão do fundador. “No varejo, o setor de eletroeletrônico é de capital intensivo. O ciclo de venda é longo e precisa de crédito. Com isso, ele foi deixando de pagar”, diz uma fonte.

Sempre muito preocupado com o marketing, produtos e estratégia de vendas, Nunes costumava se levantar da mesa se o assunto era contas e governança corporativa.

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Em um dos processos movidos contra a Máquina de Vendas, os bancos destacaram uma viagem de Nunes com a família, na qual teria se hospedado em um hotel de luxo por seis dias, ao custo de R$ 5,1 mil, enquanto a empresa seguia no vermelho. Porém, os credores não encontram bens de Nunes passíveis de constrição. Sem lojas físicas e com um time de 30 pessoas, a loja online da Ricardo Eletro agora aposta na venda de produtos de terceiros e sustenta um faturamento estimado em R$ 600 mil ao mês. Nunes vendeu a empresa em 2019, quando já afundava em dívidas.

Coronel Fabriciano MG 07/08/2015 ECONOMIA Fachada Filial da Ricardo Eletro no Centro de Coronel Fabriciano, em Minas Gerais. FOTO Maquina de Vendas Foto: undefined / undefined

Agora, como “coach” (treinador, em tradução livre), em vez de convencer os consumidores a comprar eletrônicos, ele dedica seu tempo a compartilhar as lições de negócios que aprendeu ao longo de sua carreira. Cobra até R$ 10 mil pelos ensinamentos. Parte do conteúdo ele oferta gratuitamente na internet. Ele adota uma estratégia agressiva de engajamento, com grupos de WhatsApp e ligação via robôs e muitos SMS.

Histórico

A história de Nunes com o empreendedorismo começou cedo, em Divinópolis (MG). Ainda no início dos anos 1980, vendia mexericas do sítio da família na porta de uma faculdade para completar a renda de casa. O pai morrera dois anos antes, em 1979, deixando uma joalheria como herança. Porém, após um assalto que deixou membros da família feridos, a mãe de Nunes decidiu vender o negócio.

O pequeno empreendimento de mexericas evoluiu para uma banca na frente da faculdade e, pouco depois, Nunes começou a ir até a Rua 25 de Março, em São Paulo, para revender produtos da moda em sua cidade. Foi aí que nasceu a Ricardo Eletro, quando Nunes tinha apenas 18 anos. Oficialmente, a fundação da companhia data de dois anos mais tarde, de 1989, quando os negócios começaram a ganhar escala.

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O crescimento das lojas foi forte na década de 2000, quando a rede patrocinava programas na TV aberta para tornar a marca da Ricardo Eletro conhecida nacionalmente. Em 1999, dez anos após a fundação, a varejista começou a sua expansão em Belo Horizonte. Em 2002, chegou a vez de ir ao Espírito Santo. Mas um dos marcos mais importantes foi a sua chegada ao comércio eletrônico, o que ocorreu em 2009, quando colocou à venda 80 mil produtos.

O ano de 2010 também foi crucial na história da Ricardo Eletro: a empresa se uniu à concorrente Insinuante, o que deu origem à Máquina de Vendas. Com isso, o grupo tornou-se o segundo maior do segmento de varejo de eletromóveis. À sua frente, estava apenas o Grupo Pão de Açúcar, que na época tinha as empresas Casas Bahia, Ponto Frio e Extra (o GPA, posteriormente, saiu do segmento). Em seu auge, em 2014, a Ricardo Eletro chegou a ter 1,2 mil lojas.

A maré virou para a varejista em 2015, ano marcado pela recessão econômica. Foi também nessa época que Nunes enfrentou as primeiras acusações de sonegação de impostos. Os resultados da varejista começaram a patinar. A recuperação extrajudicial começou já em 2018.

Ricardo Eletro: vídeos sobre empreendedorismo no YouTube Foto: Reprodução/YouTube

O ano de 2020 foi quando os eventos iniciados cinco anos antes atingiram as últimas consequências: todas as lojas físicas da empresa foram fechadas, em parte devido à pandemia de covid-19, e Nunes foi preso, acusado de sonegar R$ 387 milhões. Além disso, o negócio também entrou em recuperação judicial. Porém, ele ficou apenas um dia na cadeia e voltou a empreender em um ramo diferente.

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Foi nessa época que o empresário Pedro Bianchi – vindo da Starboard, empresa que investe em negócios em dificuldades e que tentava ajudar o negócio – assumiu o comando da Ricardo Eletro, assumindo uma dívida de R$ 6 bilhões, enquanto Nunes partiu para sua nova vida de coach de vendas.

Dois anos mais tarde, a Máquina de Vendas continua em apuros: depois de um vaivém de sentenças seguidas de liminares, a Justiça ainda não autorizou a empresa a sair do status de falência – o que a impede até mesmo de pagar os salários dos atuais funcionários.

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