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Donos de bets montaram offshores no Panamá e na Flórida com bicheiros e doleiros

Criador da Multibet teve offshore com homem de confiança de Carlinhos Cachoeira. Dono Marjosports teve sociedade no Panamá com consultor acusado de ser doleiro. Empresário da Multibet nega manter relação com ex-sócio e Fazenda diz não comentar casos individuais

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Foto do author André Shalders
Atualização:

BRASÍLIA - Empresários brasileiros do ramo das bets abriram empresas no Panamá e no Estado americano da Flórida com doleiros e pessoas ligadas ao jogo do bicho. As bets em questão estão entre as principais do País e somam centenas de milhares de seguidores no Instagram. Ambas operam com permissão do Ministério da Fazenda, e uma delas tem o apresentador Ratinho e o cantor Wesley Safadão como divulgadores.

À reportagem, um dos empresário diz que a empresa no Panamá nunca atuou, e que ele não tem relação com contraventores. O outro não respondeu. Ratinho e Wesley Safadão também foram procurados. O apresentador não respondeu, e Wesley Safadão disse, por meio da assessoria, não conhecer detalhes da vida do dono da bet divulgada por ele. Já o Ministério da Fazenda diz não comentar casos de empresas individuais.

O apresentador Ratinho e o dono da bet Marjosports, Jorge Barbosa Dias Foto: Instagram via @marjosports

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As bets Marjosports e Multibet receberam os números 93 e 62, respectivamente, na lista de empresas autorizadas pelo Ministério da Fazenda. A Marjo pertence ao empresário pernambucano Jorge Barbosa Dias, enquanto a Multibet foi criada pelo mineiro Ricardo Rezende Soares Oliveira.

Jorge Barbosa Dias teve duas offshores, uma no Panamá e outra na Flórida, com Waldenio Carneiro de Farias, um consultor acusado pela Polícia Federal de atuar como doleiro. Já Ricardo Rezende, dono da Multibet, teve duas offshores no Panamá com José Ângelo Beghini de Carvalho, ex-sócio e homem forte do contraventor Carlinhos Cachoeira. Esse ex-sócio hoje mantém uma offshore com os herdeiros de um dos principais bicheiros do Rio de Janeiro. Além da Multibet, Ricardo Rezende tem autorização para operar uma empresa de jogos de azar no Estado do Maranhão.

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As offshores de Ricardo Rezende foram abertas em outubro de 2015 no Panamá. Chamam-se BRTech Enterprises Corporation e Global Enterprises and Events S.A, ambas em sociedade com Ângelo Beghini de Carvalho, ex-sócio de Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Preso em 2012 por explorar máquinas de caça-níquel em Goiás, Cachoeira foi também o pivô da CPI dos Correios, em 2005 – José Ângelo foi chamado a depor, na época.

Segundo Ricardo Rezende, a BRTech foi aberta para explorar a atividade de jogos no Panamá, mas nunca teve atividade. A firma aparece como ativa nos registros públicos, enquanto a Global Events consta como suspensa. O empresário diz que a firma está suspensa e nunca chegou a operar. “Eu contratei ele (Beghini) porque ele era especialista nesse tema (empresas de jogos)”, disse Rezende ao Estadão. O empresário diz ainda que não sabia do envolvimento de Beghini com Cachoeira, apesar das investigações envolvendo a CPI dos Correios.

Após a publicação desta reportagem, Ricardo Rezende encaminhou documentos que mostrariam que a BRTech também como suspensa.

Em 2019, Beghini foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) do Distrito Federal por improbidade administrativa, sob a suspeita de ter se associado a auditores da Receita Federal para importar máquinas de caça-níquel como se fossem computadores. Segundo o MPF, Beghini foi “um dos principais beneficiários e mentor da fraude” que possibilitou a importação das máquinas. Segundo o Ministério Público, a intenção de Beghini era importar 3,6 mil máquinas caça-níqueis.

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À reportagem, Beghini disse que não faria comentários. O processo sobre máquinas caça-níqueis foi encerrado anos atrás, disse ele, e a offshore no Panamá jamais operou. “Também não tenho nenhuma ligação com bets ou empresas do gênero no Brasil”, disse ele.

Trecho da denúncia de 2019 do MPF contra José Angelo Beghini Foto: MPF / reprodução

Além das bets, Ricardo Rezende tem negócios em outros setores e bom trânsito no mundo político. O casamento dele, em 2011, contou com a presença do senador Ciro Nogueira (PP-PI) – autor de um dos projetos para legalizar os jogos de azar no Brasil – e dos deputados federais Fred Costa (PRD-MG) e Antônio Roberto (1942-2022). Como mostrou o Estadão, Ciro Nogueira é um dos principais nomes da “bancada das bets”. Os parlamentares não se manifestaram.

Depois de Ricardo, Beghini parece ter se associado a outro grupo no mundo das apostas: o das famílias do jogo do bicho. Em maio deste ano, ele constituiu uma empresa no Estado americano da Flórida com Luiz Antônio Lourenço Drummond, filho e herdeiro de Luiz Pacheco Drummond, mais conhecido como Luizinho Drummond (1940-2020).

Beghini e Drummond são sócios na empresa Lab Monitoring and Services LLC, sediada na cidade de Kissimmee, nos arredores de Orlando, onde Beghini vive hoje. Em 2013, Luiz Antônio foi preso num condomínio de luxo em Belém (PA), sob a acusação de comandar o jogo do bicho no Estado.

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A offshore de Beghini com Luiz Antônio na Flórida (EUA), aberta em maio deste ano Foto: State of Florida / reprodução

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Luizinho Drummond, o pai de Luiz Antônio, foi um dos principais bicheiros do Rio de Janeiro e ex-presidente da escola de samba Imperatriz Leopoldinense, bem como da Liga Independente das Escolas de Samba, a Liesa. Em 1993, ele foi condenado pela juíza Denise Frossard com outros banqueiros do jogo do bicho por 53 assassinatos, motivados por disputas em torno da jogatina. A reportagem do Estadão não conseguiu contato com Luiz Antônio.

Investigado por lavagem e investidor da vaquejada

Outro empresário de bets com empresas internacionais é Jorge Barbosa Dias, dono da Marjo Sports. A bet é famosa nas redes – soma 423 mil seguidores no Instagram. O garoto-propaganda da Marjo é o apresentador de TV e ex-deputado Carlos Roberto Massa, o Ratinho, pai do atual governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD). O cantor Wesley Safadão também já divulgou a Marjosports em suas redes. O empresário republicano e Ricardo já tiveram um sócio em comum, mas o mineiro diz não conhecer Jorge Barbosa Dias.

Baseado em Recife (PE), Dias é investigado desde 2018 pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) por, supostamente, lavar dinheiro de jogos de azar – em 2021, ele foi alvo de uma operação do MPPE, a Game Over, e denunciado em 2022. Juízes da primeira instância em Taquaritinga do Norte (PE) concederam habeas corpus criminal em favor dele, para que o caso voltasse a ser investigado do zero. A reportagem do Estadão procurou Jorge Barbosa Dias, mas não houve resposta.

De 2017 a 2020, Jorge Barbosa Dias teve duas empresas offshore com Waldenio Carneiro de Farias, um consultor de empresas que foi mencionado pela Polícia Federal como sendo parte de uma rede de “doleiros” no relatório da Operação Amphis, de 2020. Uma das empresas era sediada no Panamá e se chamava Marjosports SA. A outra firma era sediada na Flórida e tinha nome parecido: Marjo Group LLC. Em Pernambuco, Waldenio já foi investigado por lavagem de dinheiro e organização criminosa, junto com Jorge Barbosa Dias.

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Registro da offshore Marjosports, S.A. no Panamá Foto: OpenCorporates / reprodução

Além das bets, Jorge Barbosa Dias tem negócios nos setores de construção, agropecuária, veículos e postos de gasolina. Em 2021, ele e os donos de outra empresa, a Pixbet, se juntaram para fazer uma oferta de R$ 15 milhões por um cavalo lendário da vaquejada, Dom Roxão. Foi a maior oferta por um animal no mundo da vaquejada nos últimos anos, mas o dono do garanhão recusou a oferta. Roxão morreu em janeiro deste ano.

O que são ‘offshores’

Bruno Brandão é diretor executivo da Transparência Internacional no Brasil. Ele explica que o termo “offshore” é uma designação informal para empresas sediadas no exterior. Um uso dentro da legalidade é diminuir ou evitar o pagamento de impostos (prática conhecida como “planejamento tributário”).

Mas as offshores também podem ser usadas para crimes como o pagamento e recebimento de propina, “ou para esconder os frutos de atividade criminal”. “Atividades como tráfico de drogas, de armas, ou o jogo ilícito exigem que o dinheiro seja escondido primeiro, e depois lavado para entrar de volta na economia formal”, diz ele. As offshores são muito usadas para ocultar os valores, diz.

Nos Estados Unidos, é comum o uso das chamadas “LLCs”, sigla para “Limited Liability Company”, ou “Companhia de Responsabilidade Limitada”. São geralmente usadas para transferir valores ou para aquisição de imóveis, por contar com estrutura muito mais simples que uma corporação (corp). Muitas sequer têm existência física – existem só no papel. Por isso, são também chamadas de “shelf company” (empresa de gaveta).

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Segundo a advogada Fernanda Magalhães, do escritório de advocacia Kasznar Leonardos, é provável que nem todas as bets atualmente permitidas consigam a autorização definitiva. “Muitas delas, provavelmente, não terão. O que a gente vê dos comentários da própria secretaria (de Prêmios e Apostas) é que nem todas serão aprovadas”, diz ela, que é especialista em Direito do marketing e entretenimento.

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