Medida do pacote fiscal que ‘desengessa’ Orçamento abre espaço de R$ 10,8 bi nas contas em 2025

Desvinculação de Receitas da União (DRU) é o item do corte de gastos com resultado mais efetivo em 2025, calcula o pesquisador Camillo Bassi, do Ipea; no Congresso, espaço foi consumido por emendas parlamentares

Foto do author Daniel  Weterman
Atualização:

BRASÍLIA – A Desvinculação de Receitas da União (DRU), uma das medidas do pacote de corte de gastos aprovado no fim do ano passado, desengessou R$ 21,3 bilhões em receitas e abriu um espaço fiscal efetivo de R$ 10,8 bilhões no Orçamento de 2025, aprovado pelo Congresso Nacional no último dia 20 com três meses de atraso. O cálculo é do economista e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Camillo Bassi.

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A medida teve um efeito superior ao projetado pela equipe econômica – a última atualização do Ministério do Planejamento e Orçamento previa desvinculação de receitas de aproximadamente R$ 50 bilhões uma economia de gastos de R$ 4,2 bilhões neste ano com a medida, como revelou o Estadão/Broadcast.

Procurada, a pasta não confirmou os números apresentados pelo pesquisador e disse que ainda aguarda os registros do Orçamento aprovado pelo Congresso Nacional para avaliar o impacto efetivo da medida.

Na avaliação de Bassi, a DRU poderia ter um resultado ainda maior, mas não foi plenamente aproveitada. Na aprovação do Orçamento, o espaço foi consumido principalmente por emendas parlamentares, conforme o Estadão mostrou. Ainda assim, segundo o economista, foi o item do pacote que gerou a maior economia até o momento.

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Vista aérea do prédio do Congresso Nacional com o Palácio do Planalto ao fundo. Congresso aprovou o Orçamento de 2025 com três meses de atraso.  Foto: Dida Sampaio/Estadão

O que é a Desvinculação de Receitas da União (DRU)

A DRU é um instrumento que permite que algumas receitas arrecadadas pela União não fiquem “carimbadas” e possam ser usadas livremente no Orçamento, aumentando a liberdade de o governo determinar para onde vai o dinheiro.

Taxas de inspeção cobradas por agências reguladoras, por exemplo, não ficam integralmente para esses órgãos, mas uma parcela se desvincula do destino original para compor livremente o Orçamento da União.

No fim de 2024, o instrumento foi prorrogado e ampliado, permitindo a desvinculação de 30% da arrecadação de uma série de tributos, taxas e contribuições.

Enquanto as receitas podem ser alocadas livremente, as despesas que seriam bancadas com a arrecadação também podem ser canceladas, abrindo espaço fiscal efetivo. “A DRU é um instrumento sutil, mas foi a medida do pacote fiscal com o efeito mais profícuo e isso vai se perpetuar”, diz o pesquisador do Ipea. “Por outro lado, a DRU foi subestimada no Orçamento de 2025.”

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Se fosse aplicada na íntegra, a desvinculação desengessaria R$ 34,4 bilhões em receitas (R$ 13 bilhões a mais) e abriria um espaço fiscal de R$ 11,8 bilhões nas despesas (R$ 1 bilhão a mais) neste ano, segundo cálculos do especialista. A conta é maior do que a economia projetada pelo governo quando apresentou a proposta, de R$ 3,6 bilhões em espaço fiscal neste ano. Em janeiro, o valor foi atualizado para R$ 4,2 bilhões.

A diferença entre o valor das receitas livres e o espaço fiscal efetivo ocorre porque nem toda receita livre resulta em redução de gastos. O que realmente abre espaço fiscal é quando a despesa que estava sendo custeada e que foi cortada é discricionária (não obrigatória) e primária – ou seja, com efeito real sobre o resultado primário (equilíbrio entre receitas e despesas, sem contar as despesas juros).

Espaço fiscal no Orçamento é ocupado por emendas, Previdência e Auxílio Gás

Em linhas gerais, as medidas que mais cortaram gastos e abriram espaço para outras despesas no Orçamento de 2025 foram a Desvinculação de Receitas da União e os cortes no Bolsa Família e na Lei Aldir Blanc, após a aprovação do pacote fiscal. Além disso, a nova regra de limite ao crescimento do salário mínimo também foi aplicada e permitiu que as despesas de aposentadorias e benefícios crescessem menos.

Por outro lado, o Legislativo consumiu o espaço com outros gastos. Entre os mais representativos, os parlamentares aumentaram em R$ 11,5 bilhões o dinheiro destinado às emendas (que atingiram R$ 50,4 bilhões), colocaram mais R$ 8 bilhões na Previdência Social e acrescentaram mais R$ 3 bilhões para o Auxílio Gás, que foi enviado sem dinheiro suficiente.

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O Orçamento foi aprovado com um superávit primário de R$ 15 bilhões, mas, apontam especialistas, as receitas foram “infladas”, e uma série de despesas não foram incluídas com os valores necessários, como o Pé-de-Meia, o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais da reforma tributária e aumentos projetados para os benefícios previdenciários. Os ajustes deverão ser feitos ao longo do ano e podem levar a cortes e bloqueios.

O analista João Pedro Leme, da Tendências Consultoria, observa que, antes mesmo da aprovação do Orçamento, com o governo autorizado a executar apenas uma parte dos gastos, as despesas já estavam subestimadas, o crescimento das receitas se desacelerou e os gastos com Previdência e Benefício de Prestação Continuada (BPC) voltaram a crescer fortemente e vão continuar pressionando as contas do governo.

Fora isso, o reajuste dos servidores públicos, que ainda não está em vigor, passará a valer após a sanção do Orçamento com efeitos retroativos, aumentando a pressão. “Apesar dos pontos positivos, como a atualização da grade de parâmetros, a inclusão do Auxílio Gás e o espaço fiscal que foi criado com a revisão do Bolsa Família, o superávit ainda não parece provável”, afirma o consultor. “Teve a revisão de algumas despesas que estavam subestimadas no Orçamento, mas francamente a revisão para cima das receitas eu ainda não consegui entender.”

Como a DRU impactou o Orçamento de 2025

A maior economia com a Desvinculação de Receitas da União foi gerada com cortes no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), abastecido com recursos públicos e voltado ao financiamento de projetos em empresas, e em receitas patrimoniais, que os próprios órgãos federais arrecadam.

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Só o FNDCT foi reduzido em R$ 2,9 bilhões, abrindo um espaço fiscal efetivo de R$ 2,3 bilhões. Em 2021, uma lei protegeu o fundo de bloqueios no Orçamento, o que garantiu a liberação das verbas, mas o financiamento acabou virando um problema para o equilíbrio das contas públicas. Por isso, a desvinculação era estratégica para a equipe econômica.

O impacto da medida poderia ter sido ainda maior. Outros R$ 2,9 bilhões em receitas do FNDCT também foram desvinculadas, mas o Congresso acabou usando a parte que ficou livre para custear as mesmas despesas, neutralizando os efeitos.

Além disso, o Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (Fundaf), que banca bônus dos funcionários da Receita Federal e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, foi protegido. A DRU deveria desvincular R$ 2,45 bilhões em receitas do Fundaf e abrir um espaço fiscal de R$ 685 milhões, mas só gerou R$ 285 milhões em receitas livres e não abriu nenhum espaço fiscal.

O Fundo Aeronáutico, por sua vez, deveria gerar R$ 557 milhões em receitas livres e abrir um espaço fiscal R$ 373 milhões, mas foi poupado e não liberou nada nem de um lado nem de outro.

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