Para o ex-diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado e atual economista-chefe da Warren Rena, Felipe Salto, o texto da reforma tributária aprovada pela Câmara dos Deputados atingiu duas conquistas dos Estados que, na visão dele, o Senado vai piorar. São o Fundo de Compensação dos Incentivos e o Fundo de Desenvolvimento Regional.
“A Lei Complementar 160 de 2017, chamada de Lei da Convalidação, não impede novos benefícios. Eu, como secretário da Fazenda no ano passado, participei de diversas reuniões do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária). E o que mais se fazia era aprovar benefício novo, burlando, por exemplo, benefício de outro Estado da mesma região. Ou seja, é história da carochinha essa de que vão acabar com os incentivos e com a guerra fiscal com essa reforma. Não vai, e vai só piorar porque a viúva de sempre é que vai ter que pagar essa conta”, criticou.
Leia mais sobre a reforma tributária
Segundo o economista, a União vai ter que pagar a conta porque o Fundo de Compensação e o Fundo de Desenvolvimento Regional saíram da Câmara com aporte anual que chegaria ao pico, em 2028, a R$ 40 bilhões. E o Senado, diz ele, quer dobrar este valor.
“O pleito agora dos Estados para estes fundos é de R$ 75 bilhões. O parágrafo 8º do artigo 12 da PEC diz que a União vai ter que compensar todo e qualquer benefício. A aposta dos formuladores da PEC 45 é que estes incentivos que hoje estão em R$ 210 bilhões vão diminuir porque vai haver uma tentativa de passar um pente-fino nestes incentivos e os que não tiverem contrapartida serão extintos. Mas quero ver como o governo federal vai conseguir fazer estes enquadramentos”, disse Salto, emendando que, na verdade, haverá um custo adicional para a União e a guerra fiscal não terminará.
‘Pior texto da história’
Durante o evento “Café sem Filtro” organizado pela FecomercioSP, Salto disse que o texto aprovado na Câmara é o pior da história em se tratando de matéria tributária.
“O que a Câmara dos Deputados aprovou eu classifico como o pior texto que já se aprovou na história com relação à reforma tributária”, disse.
De acordo com ele, se for perguntado a dez economistas sobre quais são os princípios de uma reforma tributária do consumo, todos vão concordar que teria que migrar para o destino, não ter cumulatividade, acabar com a guerra fiscal, reduzir a multiplicidade de alíquotas que hoje existe no ICMS e proibir a edição de novos incentivos fiscais, fazendo uma saída organizada do atual volume e incentivos que ultrapassam R$ 210 bilhões no âmbito do ICMS.
“O problema é que estes cinco pontos não vão acontecer e eu explico o porquê. Primeiro porque a transição que se prevê pelo chamado IBS, que combina o ICMS estadual com o ISS municipal, só começa em 2029, termina em 2032 e, no final de 2032, as alíquotas do ICMS ainda representarão 60% das alíquotas atuais”, pontuou.
De acordo com ele, só para efeito de exemplo, as alíquotas atuais, que são de 7% e 12% e respondem pelas tributações na origem das operações, e as alíquotas modais de 17% e18%, vão responder exatamente por 60% destes quatro valores. Então, reforça Salto, um Estado que hoje dá um crédito outorgado de 12% na saída, vai dar um crédito outorgado de 60% de 12%, que é 7,2%.
“A guerra fiscal, portanto, vai perdurar pelo menos até dezembro de 2032. E eu digo pelo menos é porque quando você cria esse tipo de transição, que não é uma transição porque vai continuar mantendo o ICMS com uma importância relativa muito grande mesmo o IBS já existindo, o que é complicação adicional para as empresas, o que vamos ver é uma pressão enorme em 2031 e 2032 para prorrogar esses prazos”, ponderou Salto.
Ou seja, nas palavras do economista, a pressão para não extinguir o ICMS e não mudar a tributação da origem para o destino vai ser enorme. Para ele, o que devia ter era uma transição iniciando mais cedo e mais rápida. A justificativa, segundo o ex-diretor da IFI, é que os Estados não aceitariam esta transição mais rápida.
“Ora, eu nunca vi aprovar uma reforma tributária em que todo mundo sai com um sorriso de orelha a orelha, exceto os subsetores que não foram contemplados nas exceções, que são a minoria, mas que vão ter que pagar uma alíquota muito maior do que a alíquota de referência — que não se sabe ainda qual é”, disse.
Espírito do pacto federativo
Salto disse ainda que o Conselho Federativo, colocado por uma emenda à Constituição, fere o Pacto Federativo, que é uma cláusula pétrea. Ele se diz contrário à ideia de se criar um conselho porque ele será uma instituição que vai normatizar, regulamentar, arrecadar, partilhar os recursos e devolver crédito para contribuinte.
“Eu brinco que só falta confeccionar a bandeira para o Conselho Federativo e compor o hino para que a gente tenha uma instância mais importante que qualquer governador ou governadora de Estado. Isso é muito grave porque o Conselho Federativo, na prática, vai acabar transformando este sistema que a gente tem hoje, que tem sim muitos problemas, num sistema totalmente concentrado em Brasília”, criticou.
Ele reforça que as decisões todas a respeito do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) vão passar pelo conselho. Para um auto de infração que for questionado pelo contribuinte, por exemplo, o Conselho Federativo vai formar uma diligência com procuradores de diferentes Estados e de auditores fiscais.
“Imagine se isso tem chance de dar certo? Só se você federalizar todos os servidores e todas as coordenações de administração tributária e subsecretarias de receitas estaduais mais as procuradorias, o que é um disparate. O único jeito de dar certo esse Conselho Federativo é com uma mega centralização e isso me preocupa muito”, disse Salto.
Ele afirmou também se preocupar com o incentivo perverso que estão colocando ao dizerem que o Conselho Federativo vai ter uma conta centralizadora para devolver crédito automaticamente para os contribuintes.
“É verdade que os Estados hoje, na sua maioria — São Paulo é uma exceção porque aumentamos a devolução de crédito em 70% no ano passado —, não devolve créditos acumulados do ICMS. Daí você ir para o extremo oposto e dizer que tudo será devolvido automaticamente é um incentivo perverso porque a gente sabe como o contribuinte se comporta. Não dá para assumir que o contribuinte é a Madre Teresa de Calcutá”, afirmou.
Para ele, haverá planejamento tributário, nota fraudada contra o conselho e isso vai erodir a arrecadação. “Então a minha proposta para o conselho é para que ele não exista”, concluiu.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.