PUBLICIDADE

Publicidade

‘É leviano dizer que tem sacanagem no acordo da Oi com a Anatel’, diz presidente da empresa

Em sua primeira entrevista no cargo, Mateus Bandeira afirma que solução aprovada pelo TCU para as pendências da companhia com o órgão regulador foi vantajosa para as duas partes e vai virar referência no País em casos de ‘impasses gigantescos e complexos’ com o governo

Foto do author José Fucs
Atualização:
Foto: Werther Santana/Estadão
Entrevista comMateus BandeiraPresidente da Oi, ex-presidente da consultoria Falconi, ex-presidente do Banrisul e ex-secretário do Planejamento e Gestão do Rio Grande do Sul

O presidente da Oi, Mateus Bandeira, de 55 anos, assumiu o comando da empresa no inicio de 2024, com a missão de viabilizar sua sobrevivência, em meio a mais uma crise financeira que ameaçava levá-la à bancarrota.

Formado em computação pela Universidade Católica de Pelotas (RS), com MBA em Wharton, na Universidade da Pensilvânia, e um curso de educação executiva para donos e presidentes de empresas na escola de administração da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, Bandeira dividiu sua trajetória profissional entre o setor público e o privado. Foi secretário de Planejamento e Gestão do Rio Grande do Sul (2008-2010) e presidente do Banrisul, o banco estadual gaúcho (2010-11), e da Falconi, uma das principais consultorias do País (2011-2017).

Depois, tornou-se membro dos conselhos de administração da própria Oi, da Vibra Energia (ex-BR Distribuidora), da Marcopolo, da CVC e da Intelbras, posições que manteve após assumir a presidência da empresa de telefonia. Mais recentemente, foi eleito também para o conselho da Sabesp, a companhia de saneamento de São Paulo, que foi privatizada em julho. No meio do caminho, em 2018, realizou uma incursão pela política, como candidato a governador do Rio Grande do Sul pelo Partido Novo, obtendo 3,8% dos votos válidos.

Bandeira: 'A dívida com o BNDES, que somava R$4,3 bilhões, foi paga integralmente, sem nenhum desconto' Foto: Werther Santana/Estadão

Em sua primeira entrevista desde que está no posto, ele falou ao Estadão sobre o polêmico acordo firmado pela Oi com a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), com aval do TCU (Tribunal de Contas da União) e da AGU (Advocacia-geral da União). Pelo acordo, ficou acertada a migração da companhia do regime de concessão para o de autorização na operação de telefonia fixa, reduzindo suas obrigações com a oferta e a manutenção do serviço, sem ter de arcar com o ônus da reversibilidade (devolução ou indenização) dos bens que recebeu quando da privatização, realizada em 1998.

“Imaginar que possa haver alguma sacanagem em um acordo que foi aprovado em diferentes órgãos de controle e cujas ações ajuizadas contra ele não prosperam na Justiça é uma leviandade”, diz. “Primeiro, porque a Oi pagou por esses bens quando da privatização. Pagou por tudo que recebeu. Depois, porque investiu mais, com a geração de caixa da própria operação, e promoveu sucessivos aumentos de capital.”

Bandeira fala também sobre o plano de recuperação judicial da Oi, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva quis transformar em “campeã nacional” das telecomunicações durante seu segundo mandato, comenta a renegociação de sua dívida de R$ 44 bilhões com os credores, que deverá levar a mudança no controle acionário, e revela detalhes sobre o processo de arbitragem movido contra a União, no qual a empresa reivindica reparações de R$ 50 bilhões a R$ 60 bilhões alegando “falta de sustentabilidade e de equilíbrio financeiro” nos contratos de telefonia fixa.

Ele diz, ainda, que, daqui para a frente, a Oi deverá concentrar sua atuação no mercado de soluções corporativas integradas e terá um faturamento de pouco mais de R$ 2 bilhões por ano, equivalente a menos de 10% do que ela chegou a faturar no pico, em 2013, quando a receita alcançou R$ 28 bilhões em valores históricos. Segundo Bandeira, com a mudança de controle da Oi, sua atuação como CEO pode estar chegando ao fim. “Meu mandato é de dois anos, mas desde o princípio minha missão tinha um caráter transitório. Isso já estava no fato relevante divulgado pela companhia quando eu assumi, em 18 de janeiro.” Confira a seguir os principais trechos da entrevista.

Publicidade

O problema da Oi não é só de gestão. Ele inclui uma dimensão regulatória

Antes de entrar na situação da Oi, o sr. pode falar sobre como chegou à presidência da empresa?

Quando eu sai da Falconi, em 2017, tinha resolvido não trabalhar mais como executivo, porque queria cuidar dos meus filhos, o Pedro e o Mateus, hoje com 13 anos, que são gêmeos. Eu fiquei muito tempo longe deles naquele período. Trabalhava em São Paulo e ia todo fim de semana para casa, em Pelotas (RS), mas acabei perdendo meu casamento e decidi, para não perder os filhos, não trabalhar mais full time. Então, fui aceitando convites para participar de conselhos de administração de grandes empresas, como a própria Oi, a Vibra Energia, a Marcopolo, a CVC e a Intelbras. Acabei de ser eleito também para o conselho da Sabesp. Por isso, inicialmente, quando o conselho da Oi me pediu para assumir como CEO da companhia, eu resisti, mas no fim acabei aceitando, porque era um projeto maravilhoso, um case extraordinário. Eu disse para o pessoal “está bom, eu vou aceitar. Eu fico enquanto vocês estiverem aí, e vamos tocar”.

O sr. não ficou com receio de enfrentar uma encrenca como a Oi, que já foi uma das maiores empresas do País e estava à beira da falência?

Muita gente tem medo de entrar num projeto desses, mas eu falei “pô, a gente tem de tomar risco, né?”, e decidi encarar o desafio de ajudar a empresa a aprovar o plano de recuperação judicial e a resolver questões regulatórias, com a Anatel, o TCU e a AGU, e a firmar nosso termo de autocomposição, que também é um acordo para antecipar o fim da concessão de telefonia fixa. Assumi também com a missão de realizar as vendas de ativos previstas no plano de recuperação judicial, desativar o sistema de telefonia fixa e ajudar o conselho a selecionar um novo CEO no fim desse processo, que deverá terminar agora, no fim de outubro. Como eu já era membro do conselho desde o fim de 2020, já vinha acompanhando toda a trajetória de mudança que o Rodrigo Abreu, que me antecedeu como CEO e hoje é meu colega de conselho, vinha fazendo.

Pelo que o sr. está dizendo, sua missão como CEO está chegando ao fim . É isso mesmo?

Meu mandato é de dois anos, mas minha missão desde o princípio tinha um caráter transitório. Isso já estava no fato relevante divulgado pela companhia quando eu assumi o cargo, em 18 de janeiro. Além disso, assumi o compromisso com as companhias das quais sou conselheiro de não me alongar como CEO da Oi. Mas tudo vai depender dos credores da empresa. Como o plano de recuperação judicial inclui a conversão de parte da dívida em capital, o que vai levar a uma mudança no controle da companhia, deve haver também uma renovação do conselho, que avaliará a manutenção ou a substituição da diretoria executiva.

Numa das cartas que costuma escrever para os funcionários, o sr. abre o texto dizendo que “na Oi ninguém morre de tédio”. Sua vida no comando da Oi está muito agitada?

PUBLICIDADE

Com certeza, porque a Oi acumulou uma série de problemas ao longo do tempo. Há uma frase que ficou famosa na Oi, do nosso vice-presidente jurídico, o Thalles Paixão, que resume bem como é a nossa vida na empresa. Quando a gente resolve um problema, ele costuma dizer: “Menos um problema a mais”. Porque todo dia surge um problema novo para resolver.

Essa carta mensal que você comentou era algo que eu fazia desde antes da Falconi, quando estava no Banrisul. Na verdade, aprendi isso com um ex-CEO da Ambev, o João Castro Neves. Ele fazia uma carta mensal lá e eu comecei a fazer no banco, para todos os funcionários. Gosto de dar transparência total a todos os grandes temas, porque às vezes a pessoa que está lá na ponta, numa companhia como o Banrisul, que tinha mais de 10 mil empregados, não entende sua importância no todo. Na Oi, eu pretendia fazer uma carta mensal, para contar o que a gente tem feito, o desafio que a empresa tem pela frente e quais são os desafios impostos pelo plano de recuperação judicial, mas, como estão acontecendo vários eventos ao longo do mês, tenho feito uma comunicação com frequência maior.

Ninguém imaginava que o derretimento da atividade de telefonia fixa seria tão rápido

PUBLICIDADE

Agora, entrando mais na situação da Oi, gostaria que o sr. falasse sobre qual foi o quadro que encontrou na empresa, para quem não acompanhou o caso de perto poder entender melhor o que estava acontecendo. Em que pé estava a coisa quando o sr. assumiu o comando?

É difícil explicar a situação da Oi em pouco tempo. Eu acredito que há vários momentos, circunstâncias, que dariam não apenas um capítulo de um livro, mas um livro inteiro. Por isso, antes de começar a falar sobre a Oi, costumo recorrer a uma frase do Polônio (personagem da tragédia Hamlet, de William Shakespeare): “A brevidade é a alma do engenho”. Ou, em outras palavras, é a essência da sabedoria. Na peça, ela é dita de forma irônica, porque o Polônio era o conselheiro mais prolixo do rei. Ele diz essa frase e segue no seu relato detalhado e prolixo. E eu uso isso como desculpa, como vacina, para tentar endereçar o que eu sei que não pode ser explicado em poucas palavras. A Oi é um caso único. O problema da Oi não é só de gestão. Inclui uma dimensão regulatória que é muito importante.

Mesmo levando em conta essa complexidade do caso da Oi, o que o sr. pode dizer de forma resumida sobre o quadro que encontrou ao assumir o comando?

Quando eu assumi a presidência, a companhia estava discutindo com os credores o plano de recuperação judicial. A Oi havia entrado com um novo pedido de recuperação em fevereiro de 2023 e vinha travando há quase um ano uma negociação supercomplexa com o grupo dos maiores credores, que detinham em torno de 50% de sua dívida, de cerca de R$ 44 bilhões. Isso incluía a dívida financeira, que estava na casa dos R$ 30 bilhões, dos quais mais ou menos um terço estava na mão de bancos locais, um terço na mão de credores que tinham comprado títulos de dívida emitidos pela Oi e um terço na mão de Agências de Crédito à Exportação (ECAs, na sigla em inglês), e os débitos com fornecedores, processos judiciais e credores de menor porte.

Depois, havia a antecipação do fim do contrato de concessão de telefonia fixa a ser negociada com a Anatel, o TCU, a AGU e o Ministério das Comunicações, para a empresa começar a desativar sua operação na área. Era preciso também realizar as vendas dos ativos que sobraram da companhia, como a Oi Fibra, com seus quatro milhões de clientes, a Tahto, que é o nosso call center, e a Serede, que são os prestadores de serviço que instalam e desinstalam os equipamentos e os cabos de rede. Tudo dentro do plano de recuperação judicial da empresa.

Uma coisa que é difícil entender: se a Oi já havia entrado uma vez em recuperação judicial em 2016, justamente para sair das dificuldades em que se encontrava, por que foi necessário entrar com um novo pedido de recuperação? O que aconteceu?

Naquela ocasião, a Oi tinha uma dívida de R$ 65 bilhões em valores históricos, acumulada ao longo de décadas, por diversas razões: investimentos inadequados, financiamentos realizados para viabilizar a fusão com o Brasil Telecom, em 2008, e depois a fusão frustrada com a Portugal Telecom, em 2013, que tinha como um dos objetivos a expansão dos negócios para países de língua portuguesa. Na verdade, a Oi incorporou a Pharol, que era a holding controladora da Portugal Telecom. Para viabilizar a operação, a Pharol fez um aumento de capital na Oi de R$ 13 bilhões e parte disso veio com o aporte de títulos do Banco Espírito Santo que a Pharol tinha. Só que, logo depois, o banco faliu e os títulos de 897 milhões de euros (R$ 3,5 bilhões) que a Oi tinha recebido viraram pó. Isso foi um baque para a Pharol e para a Oi também.

Agora, o primeiro pedido de recuperação judicial não havia sido feito para resolver esse problema todo? Por que as medidas adotadas não deram certo?

O primeiro plano de recuperação previa também a venda da operação de telefonia móvel, que foi feita para o trio – Claro, Tim e Vivo – e que se arrastou durante um período muito longo no Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Isso demorou bem mais do que o previsto e foi muito prejudicial para a empresa. Era um caso complexo, não era um rito sumário, e foi decidido no plenário do Cade por uma diferença de apenas um voto. Nesse período, o câmbio explodiu e, como parte da dívida da Oi era denominada em dólar, o valor em reais deu um salto. A taxa de juros também explodiu, aumentando os desembolsos realizados pela companhia para os credores

O plano previa ainda o pagamento de parte dessa dívida de R$ 65 bilhões. E todo o financiamento feito para a Oi realizar essa travessia foi pago pela companhia. A dívida com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que somava R$4,3 bilhões, foi paga integralmente, sem nenhum desconto. Nesse processo, para fazer caixa, a Oi vendeu o pool de data centers que ela tinha e toda sua infraestrutura de fibra ótica, de 400 mil quilômetros, que era chamada de InfraCo e depois foi rebatizada de V.tal e vendida para os fundos do banco BTG, com a Oi mantendo uma participação no negócio. Foi a maior transação de private equity já realizada no Brasil, envolvendo quase R$ 13 bilhões. A gente vendeu a infraestrutura e passou a alugá-la, mantendo só os clientes e o serviço.

A operação de telefonia fixa chegou a queimar R$ 3,5 bilhões de caixa por ano, porque a receita caía mais rápido do que a gente conseguia cortar o custo

O que mais contribuiu para a deterioração da situação financeira da Oi naquela época?

Tem mais uma questão que é, talvez, a mais importante. Em 2016, ninguém imaginava que o derretimento da atividade de telefonia fixa seria tão rápido. Com isso, a queda na receita do serviço aconteceu de forma muito mais acelerada do que se previa, mas os custos permaneceram intactos, porque a gente tinha de cumprir as obrigações regulatórias estabelecidas antes da privatização, realizada em 1998, quando o celular estava em seus primórdios e a telefonia fixa era predominante no mercado.

Naquela época, a concessão era um monopólio natural, porque não havia concorrência entre as teles em suas regiões de atuação. A telefonia fixa só podia ter uma companhia em cada local, por conta dos cabos necessários para chegar na casa das pessoas, nos escritórios. Então, para proteger o consumidor, impôs-se uma série de regras e obrigações, como exigências de investimento, meta de universalização do serviço e manutenção da rede e dos equipamentos.

Essas obrigações da Oi com a telefonia fixa tinham tanto peso assim no caixa da companhia?

No período que antecedeu a primeira recuperação judicial, com a queda da demanda pela telefonia fixa, a Oi não gerava caixa, queimava caixa. Só a operação de telefonia fixa queimava R$ 2 bilhões por ano. Depois, a queima de caixa foi aumentando e chegou a R$ 3,5 bilhões por ano, porque a receita foi caindo mais rápido do que a gente conseguia cortar o custo. Como a Oi era a maior operadora de telefonia fixa do País, tinha criado uma infraestrutura para atender a demanda reprimida existente na época e ao mesmo tempo cumprir as obrigações de universalização. Mas o Plano Geral de Outorgas e o Plano Geral de Metas de Universalização impunham à companhia uma obrigação de investimento independente da demanda. Todo lugar tinha de ter telefones públicos, orelhões. Só que o custo de manutenção desses telefones públicos é gigantesco. Até hoje, ainda há 121 mil telefones públicos instalados no País. A grande maioria continua em uso. Se o usuário quiser fazer uma ligação, tem sinal. Nós paramos até de cobrar pelo serviço. Era muito mais caro manter um sistema de bilhetagem do que a receita obtida com as ligações, porque ninguém usa mais telefone público.

Um exemplo que ilustra bem esse processo, é que a rede que liga os Estados, as cidades, é construída com cabos subterrâneos. Mas, quando eles chegam nas cidades, a última milha, para levar os cabos às casa das pessoas, aos edifícios, em geral é feita pela rede de postes das distribuidoras de energia elétrica, num conceito de compartilhamento de infraestrutura que foi construído lá atrás, quando as empresas do setor eram todas estatais. Só que, com o tempo, o uso desses postes passou a ser pago, por meio de contratos de aluguel. Para chegar na casa desses milhões de clientes que a Oi tinha, ela teve de alugar cerca de 11 milhões de postes, por meio de diferentes contratos. 11 milhões de postes!

Publicidade

A fusão da Telemar com a Brasil Telecom, em 2008, não ajudou a empresa a fortalecer sua posição no mercado?

Com a fusão da Telemar com a Brasil Telecom, que deu origem à Oi, a companhia teve de construir uma rede de cobertura nacional. Exceto pelo Estado de São Paulo, todo o resto do Brasil era atendido pela Oi. Todos os serviços de emergência, por exemplo, que a gente chama de “complexo tridígito” –190, 191, 199, bombeiros, Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) – eram da Oi. Isso tudo funciona em cima da telefonia fixa. Como eu falei há pouco, a receita dessa atividade principal, que era a maior base de custos, derreteu numa velocidade impressionante. Os custos ficaram, mas a empresa não podia reduzir a operação, por causa das exigências regulatórias. Todos esses fatores levaram a uma situação em que tudo o que se previa na primeira recuperação judicial não foi suficiente para resolver o problema da empresa.

O tamanho da dívida que ficou era muito maior do que a capacidade de geração de caixa. A Oi continuava perdendo receita e já vinha discutindo com a Anatel a questão regulatória, para migrar do regime de concessão para o de autorização (aquele em que há uma redução nas obrigações e o serviço é prestado apenas em locais onde não há competição), por causa da falta de sustentabilidade e de equilíbrio econômico-financeiro do contrato firmado na época da privatização da telefonia fixa.

A Oi levou uma multa de alguns milhões de reais porque não instalou um telefone público numa aldeia indígena. Não instalou porque o cacique não deixou. Botou os caras para correr à flechada

Como era a relação com a Anatel nesse período?

Ao longo do tempo, a Oi recebeu milhares de multas, de processos administrativos que se transformaram em multas, os PADOs (Procedimento Administrativo por Descumprimento de Obrigação), da Anatel. Isso levou a Oi a acumular bilhões de reais em passivos com a Anatel. Há casos absurdos. A Oi levou, por exemplo, uma multa de alguns milhões de reais porque não instalou um telefone público numa aldeia indígena. Não instalou porque o cacique não deixou. Botou os caras para correr à flechada. Por duas vezes. Pediu para não instalar. Houve uma outra multa que a Oi recebeu, de quase R$ 2 milhões, porque entregou em PDF não editável um documento que era pra ser entregue em PDF editável.

Além disso, houve outras medidas da Anatel que também tiveram um impacto muito negativo na companhia. Em Belo Horizonte, a Oi tinha um prédio que era a sede da antiga Telemig (antiga estatal de telefonia fixa em Minas Gerais), antes da privatização. Era o melhor prédio da cidade, que foi desapropriado pelo governo do Estado em 2013, a pedido do Tribunal de Justiça, para uso do Tribunal de Justiça. Com a desapropriação, a Oi fechou um acordo para receber o pagamento do imóvel em três parcelas anuais. O primeiro pagamento, de R$ 86 milhões, que hoje seriam cerca de R$ 120 milhões, acabou não ocorrendo, porque a Anatel ajuizou uma ação impedindo a imissão da posse, alegando que o imóvel era um bem reversível da concessão e não poderia ser desapropriado. Resultado: o pagamento da primeira parcela foi transformado em depósito judicial e a Oi até hoje não conseguiu ter acesso ao dinheiro. As outras duas parcelas não chegaram a ser empenhadas, liquidadas e transformadas em depósito judicial. Hoje, no total, com correção, essa pendência deve passar de R$ 300 milhões.

Considerando esse quadro dramático, que medidas o sr. tomou para tentar equacionar o problema de caixa da Oi?

O primeiro passo, que estava dentro da minha missão na companhia, foi buscar um acordo viável com os credores para equacionar a dívida, com prorrogação de vencimentos e corte nos valores devidos, e aprovar o novo plano de recuperação judicial, o que acabou acontecendo só em abril. Dependendo do valor que cada credor tinha a receber, alguns tiveram um corte de 50% na dívida, enquanto outros aceitaram um corte maior, de 70%. Dos 30% restantes, uma parte, no valor de R$ 6,75 bilhões, foi rolada para 2027. A parte remanescente foi capitalizada pelos credores. E quem não escolheu essa opção vai receber os créditos parcelados em não sei quantas vezes.

Agora, os créditos de menor valor foram pagos com o dinheiro novo que a gente recebeu nesse processo, como previsto no plano de recuperação, por meio de um empréstimo de US$ 650 milhões (R$ 3,3 bilhões) que foi realizado pelos maiores credores. Os recursos foram usados para pagar os créditos de até R$ 100 mil numa data e de até R$ 1 milhão em outra data, envolvendo principalmente pequenos fornecedores, e outras obrigações de curto prazo. Com isso, em maio, a Justiça pode conceder a recuperação judicial da Oi e homologar o plano aprovado pela Assembleia Geral dos Credores.

Passada essa etapa, como foi a negociação com a Anatel, com a mediação do TCU, para viabilizar a migração do regime de concessão para o de autorização?

O acordo com a Anatel, que também está previsto no novo plano de recuperação, foi feito pelo TCU por meio da SecexConsenso (Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos) e depois foi aprovado por unanimidade pelo plenário da Corte e também pela AGU e pelo Ministério das Comunicações. A gente fala de migrar do regime de concessão para autorização, mas, na realidade, o que nós estávamos buscando era a antecipação do fim da concessão, porque levá-la até o fim de 2025, como previa o contrato, significaria mais uns R$ 5 bilhões de consumo de caixa da companhia, que não tem esses recursos.

Publicidade

Como esse acordo com a Anatel gerou muita controvérsia, o sr. pode dizer exatamente o que ficou definido?

Pelo termo de autocomposição firmado com a Anatel no âmbito da SecexConsenso, ficou decida a antecipação do fim da concessão. Isso matou a discussão potencial sobre a reversibilidade (devolução ou indenização de bens recebidos pela empresa quando da privatização) que vinha sendo travada há anos com a Anatel, permitindo que a gente possa desmontar o sistema de telefonia fixa e reduzir os nossos custos. Ao mesmo tempo, a Anatel não vai precisar indenizar a Oi pelos bens não totalmente depreciados que foram fruto de investimentos realizados pela empresa depois da privatização. A Oi também será obrigada a realizar um investimento da ordem de R$ 5,8 bilhões, a maior parte por meio da V.tal, que deverá ser ressarcida com o resultado do processo de arbitragem que a Oi abriu contra a União, no qual a gente reivindica uma compensação entre R$ 50 bilhões e R$ 60 bilhões pelas perdas resultantes da falta de sustentabilidade e de equilíbrio econômico-financeiro no contrato firmado na época da privatização.

A própria Anatel defendeu a tese de que não havia reversibilidade de bens, porque os ativos da Oi foram comprados junto com a concessão

Muita gente viu esse acordo como uma negociata danosa à União e benéfica à Oi, porque a Anatel teria dado um desconto bilionário sobre o valor que ela deveria receber pelos chamados “bens reversíveis”, como infraestrutura e imóveis, herdados pela empresa na época da privatização e não devolvidos com o fim da concessão. O próprio Ministério Público junto ao TCU e um relatório da unidade de auditoria especializada em telecomunicações do órgão chegaram a questionar os termos do acordo por causa disso. Houve também ações na Justiça que questionavam o acordo. O que o sr. tem a dizer sobre isso?

Na minha opinião, essa visão sobre esse acordo não só é apressada, mas leviana. Eu acredito que estão cometendo uma grave injustiça. Imaginar que possa haver alguma sacanagem em algo que foi construído, aprovado em diferentes órgãos de controle e cujas ações ajuizadas contra ele não prosperam na Justiça nem de primeiro grau é uma leviandade. Primeiro, porque o concessionário privado que ganhou na licitação a concessão, no caso a Oi, pagou por isso, quando da privatização. Pagou por tudo que estava lá. Depois, porque investiu mais, com a geração de caixa da própria operação, e promoveu sucessivos aumentos de capital.

O problema é que muita gente questiona essa visão de que o valor pago na época da concessão incluía esses bens.

A própria Anatel, em 2016, se não me engano, defendeu a tese de que não havia reversibilidade de bens, porque os ativos foram comprados junto com a concessão. O concessionário pagou pelos bens, que seriam reversíveis se ele interrompesse a concessão, no lance que ele deu quando da privatização. Os bens faziam parte da concessão. Ao fim da concessão, eles não apenas seriam do concessionário como aqueles bens não amortizados, fruto dos investimentos realizados pela companhia, deveriam ser indenizados pela União. Essa é uma tese com a qual o próprio presidente da Anatel, Carlos Baigorri, concorda, e até que escreveu algo sobre isso alguns anos atrás.

O Baigorri, que foi um grande parceiro nessa negociação, um sujeito correto, que defendeu o que ele acredita ser a verdade, cumprindo seu dever fiduciário, sem ficar fazendo a defesa do governo, deu um exemplo superinteressante sobre essa questão nas discussões. Ele disse o seguinte: “Se eu tenho um Fiat Punto 2012 ou 2013, pelo qual eu paguei R$ 75 mil na época, ele não vale hoje nem R$ 20 mil, porque eu usei, ele sofreu uma depreciação e tem câmbio Tiptronic que, se furar, não há mais peça para reposição no mercado, o carro não vai andar mais”. Então, não há reversibilidade dos bens recebidos pela companhia na época da privatização, porque eles foram pagos quando da concessão. E, mesmo que houvesse, esses bens que estavam lá valem bilhões? Não valem. Valem uma fração do que valiam, um valor infinitamente menor do que os vinte e tanto bilhões que se argumenta.

Que bens são esses, afinal?

A gente tem um conjunto expressivo de imóveis, dos quais parte está em comodato com a V.tal, porque é onde se concentram os equipamentos que a Oi instalou na época da formação dessa rede de telefonia fixa. Os mais valiosos, cerca de 50 deles, foram avaliados em torno de R$ 1,2 bilhão em diferentes avaliações feitas por empresas independentes. No total, são cerca de 7.500 imóveis. Isso inclui desde terrenos de 5m X 5m para instalar uma torre, que não tem serventia nenhuma, porque não dá para ter nenhuma edificação ali, até imóveis como esse de Belo Horizonte, que hoje está ocupado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o prédio da Av. Salgado Filho em Porto Alegre, e o da Rua Humberto de Campos, no Leblon, no Rio de Janeiro, que não foi herdado da concessão e foi vendido no início de 2024 por R$ 200 milhões. Hoje, a gente tem uma sede no Rio que nem janela tem na lateral. Era um prédio só de centrais telefônicas.

O cobre enterrado nos cabos subterrâneos ou pendurado nos postes de energia elétrica está sendo retirado pela companhia e vendido como sucata

Os equipamentos recebidos na época da privatização não valem nada?

Vai olhar as centrais telefônicas. Eu fui. Na central telefônica de Ipanema, no Rio, por exemplo, onde hoje funciona a sede da Oi, eram vários andares de centrais telefônicas. Hoje, está tudo num andar só. E, ainda assim, há um par de “cobres” aqui, quatro cabos ali, mais dois acolá. Havia uma infraestrutura enorme, montada para atender milhões de usuários, que não serve mais para nada. Quanto vale isso? Quanto valem hoje essas placas de telecomunicações que foram compradas lá atrás? Nada. Isso vai ser vendido como sucata. O cobre enterrado nos cabos subterrâneos ou pendurado nos postes está sendo retirado pela companhia e vendido como sucata.

Agora, isso vai dar um “dinheirinho”, não?

Sim, vai dar um dinheirinho, mas será uma fração do que foi investido nessa infraestrutura. Por isso, essa discussão sobre a reversibilidade de bens que vieram com a concessão é até esquizofrênica. É por isso também que eu acredito que o caso da Oi irá se tornar uma referência no debate tanto sobre privatizações quanto sobre acordos que a União deveria fazer para solucionar esses impasses gigantescos e complexos. Acredito que não há nenhum caso tão complexo quanto o da Oi, porque envolve muito mais coisa do que os casos de concessionárias de estradas ou de aeroportos, em que a discussão se limita a saber se houve ou não investimento na duplicação da pista, se investiu ou não na qualidade do asfalto ou na ampliação do terminal do aeroporto. O caso da Oi tem uma complexidade que envolve a própria evolução tecnológica, com obrigações diretas e acessórias de uma atividade que antes era um monopólio e hoje se tornou irrelevante.

Publicidade

Qual era a alternativa a não fazer o acordo? Deixar a companhia quebrar e entregar tudo para a União. Se não houvesse esse acordo, não haveria plano de recuperação judicial. Sem ele, a companhia seria levada a liquidação e a União teria de assumir a gestão. A União teria de indenizar o acionista privado em todos os bens e assumir a operação deficitária da empresa, não apenas até 2025, quando vencia o contrato de concessão, mas até 2028, que foi o compromisso que a gente assumiu nesse acordo firmado com a Anatel, para manter o serviço nas localidades onde só a Oi chega. Então, este acordo é vantajoso para a Oi e é vantajoso para a União. É como uma empresa que é autuada pela Receita Federal em bilhões de reais e depois vai discutir a questão no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). No fim, acaba havendo um acordo que é bom para as duas partes.

Houve também questionamentos sobre a renegociação das multas devidas pela Oi à Anatel. Isso não beneficiou a Oi?

Um acordo envolve concessões mútuas. A Oi abriu mão de muita coisa nesse processo. O questionamento sobre o valor das multas era dado como uma vitória líquida é certa pela Oi, mas a gente aceitou negociar, em vez de discutir a questão judicialmente. Todos sabiam do absurdo das multas lavradas contra a companhia. Então, houve um desconto e a “recalendarização” para pagamento parcelado do saldo. Foi um acordo feito no âmbito de uma legislação federal que permite a repactuação dessas dívidas com desconto. Inclusive, o desconto no valor das multas, que continuam tendo seus valores corrigidos, ficou em 56%, abaixo do limite da lei, que é de até 70%. Há uma “recalendarização” agora para permitir que o pagamento mais substancial se dê quando houver a decisão arbitral sobre os pleitos da Oi em relação à falta de sustentabilidade e de equilíbrio econômico-financeiro do contrato. A primeira parte do que a Oi (eventualmente) conseguir com a decisão arbitral irá obrigatoriamente para quitar as multas pendentes com a Anatel, que representam hoje R$ 8,8 bilhões de reais.

O caso da Oi vai deixar muitos ensinamentos para o governo e para o Parlamento, porque o que a gente está vivendo é fruto de falta de atualização da legislação

De qualquer forma, como houve questionamentos do acordo, ficou uma dúvida sobre a sua lisura.

De novo, é um acordo que levou anos para ser construído, que foi aprovado por unanimidade pela Anatel e pela área técnica do TCU. Todos os auditores que trabalham na SecexConsenso são auditores públicos concursados. O acordo foi aprovado também por unanimidade pelo pleno do TCU, pela Procuradoria Especial junto ao Ministério das Comunicações e pela AGU. Então, mais uma vez, eu acredito que é muita leviandade alguém dizer que tem alguma coisa aí que não seja virtuosa.

Por isso, eu digo que o caso da Oi é emblemático e vai deixar muitos ensinamentos para o setor empresarial do País, mas fundamentalmente para o governo e para o Parlamento, porque o que a gente está vivendo é fruto de falta de atualização da legislação. A Anatel, como agência reguladora e fiscalizadora, não pode mudar a lei. Essa lei foi feita vinte anos antes disso tudo acontecer. Como eu disse, ninguém previa o que aconteceu com a telefonia fixa, em decorrência da expansão acelerada do uso do celular.

É possível que muito dessa percepção de negociata em relação ao acordo da Oi tenha a ver com a operação montada recentemente pelo grupo J&F, dos irmãos Batista, com apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para viabilizar a transferência do controle da Amazonas Energia, distribuidora que está à beira da falência, para a Âmbar Energia, controlada pela família. Graças a uma Medida Provisória editada pelo presidente, a dívida acumulada pela empresa, de cerca de R$ 10 bilhões, deverá ser paga pelos consumidores de todo o País, por meio da conta de luz, e não pela Âmbar. O caso da Oi não é semelhante?

Eu não posso falar de outros casos. Esse caso da Âmbar eu só posso dizer que ele não tem nada a ver com a SecexConsenso, que é uma das iniciativas mais inovadoras já realizadas pelos órgãos de controle do País. Tanto é que a própria AGU criou a sua CCAFC (Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal) também para buscar soluções consensuais para problemas complexos que, de outra forma, vão parar na Justiça e ficam sem solução por dezenas de anos. Então, eu acredito que a tentativa de buscar uma solução consensual por meio de um acordo é virtuosa. E só tenho elogios para tudo que vi nessas discussões, inclusive na relação e nas disputas travadas com os servidores públicos envolvidos nesse processo. Só tenho elogios a todos com quem a gente interagiu. Do presidente da Anatel, Carlos Baigorri, ao Nicola Khouri, que é o secretário-geral adjunto de Controle Externo do TCU à frente dessa SecexConsenso. Por isso, como eu disse, acredito que a história empresarial brasileira ainda vai debater muito o caso da Oi. Talvez o principal legado do acordo, para o poder público e para a sociedade, seja mostrar como se deve administrar uma concessão em um setor tecnológico, cuja velocidade de transformação é muito maior do que a capacidade de resposta do governo e do Parlamento.

O sr. não tem trânsito lá no Palácio do Planalto?

Não. Eu não converso com ninguém no Planalto. Fui conversar com o advogado-geral da União, Jorge Messias, rodeado de seus assessores. No TCU, fui conversar com os auditores, mas não conversei com os ministros. A gente interagiu mais com a Anatel e foi por isso que eu fiz esse elogio ao Baigorri, que é um servidor público de primeira linha. Ele teve coragem de defender o acordo e de dizer, há dez anos, muito antes dessa discussão toda, que a concessão de telefonia fixa seria inviável dali pra frente.

Eu não nego as práticas do passado, a má gestão, as decisões equivocadas

A gente tem de levar em conta também que, no segundo mandato do Lula, quando houve a fusão da Telemar com a Brasil Telecom para formar a Oi, com o objetivo de criar uma “campeã nacional” no setor de telecomunicações, o governo deu uma tremenda ajuda, promovendo uma mudança na legislação do setor, que impedia a fusão de duas operadoras de telefonia fixa. Isso também acabou turbinando a percepção de que o governo Lula trabalhou de novo agora para favorecer a Oi.

Eu não nego as práticas do passado, a má gestão, as decisões equivocadas. Quando a Oi surgiu, dentro da estratégia do governo de transformá-la numa “campeã nacional”, ela dobrou a aposta no modelo de telefonia fixa, que ainda era a principal atividade da companhia e tinha de ser mantida até 2025. Então, ela usou toda a sua proximidade com o governo, por conta de ser uma concessionária de um serviço público e necessariamente ter relações com o regulador e com o poder concedente, para propugnar a mudança da legislação para poder comprar outra operadora. Porque a gente fala que foi uma fusão, mas na verdade foi uma compra, da Brasil Telecom pela Telemar. Agora, eu vou fazer a seguinte provocação: e se, naquele momento, em vez de trabalhar pela união das duas empresas, elas tivessem se juntado para pressionar o governo a mudar a legislação e reduzir o nível de obrigações? Naquela época, se não havia ainda a percepção de que o telefone fixo iria se tornar irrelevante, ao menos o telefone público, o orelhão, já estava se tornando obsoleto. Talvez, as coisas tivessem seguido outro rumo.

Publicidade

Naquele período, houve também o envolvimento da Oi com um dos filhos do presidente, o Fabio Lula da Silva, o Lulinha, em uma das empresas da qual ele era sócio, a Gamecorp. A Oi comprou uma participação acionária na Gamecorp e também realizou empréstimos para a empresa. Inclusive eu li outro dia numa reportagem de 2020 que a Oi estava cobrando R$ 7 milhões do Lulinha pelos empréstimos, que nunca foram pagos, e que, segundo investigações da Lava Jato, teriam sido aplicados no sítio usado pelo presidente em Atibaia (SP). Como é que ficaram essas participações e a cobrança desse empréstimo?

Eu confesso que não sei. Li sobre isso no passado, mas, desde que entrei na companhia, nunca se falou desse assunto. E, hoje, toda a governança da companhia, os conselheiros que estão lá, foi eleita no fim de 2017. Alguns, como eu, foram eleitos em 2020 por acionistas minoritários. Nenhum diretor é dessa época. Ninguém participou disso nem tem informação sobre o caso. E tem tanto problema maior do que esse que nunca ninguém parou para olhar isso, por mais que o assunto possa despertar atenção do ponto de vista político.

Eu procurei concentrar minha atenção nos temas mais relevantes. Por isso, fui visitar o prédio do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e falar com o presidente da Corte sobre as pendências com a Oi. Por isso, fui conversar com o governo do Rio de Janeiro, para dizer para o governador que há R$ 495 milhões de contas atrasadas desde 2017, desde a época que o Estado entrou em crise, antes do regime de recuperação fiscal, e que a gente precisa dar uma solução para isso. E ele foi o governador que melhor me atendeu. Falou assim: “Eu já resolvi um pedaço e eu vou resolver o resto”. Tem um problema parecido com os Estados de Santa Catarina, de Pernambuco e com outros Estados. Então, estou concentrando minha atenção onde dá para mudar o ponteiro.

Mudando de assunto agora, como está o processo da arbitragem que a Oi moveu contra a União, no qual vocês pedem essa compensação de R$ 50 bilhões a R$ 60 bilhões pela falta de sustentabilidade no contrato de concessão da telefonia fixa? A Oi abriu mão dessa demanda no acordo firmado com a Anatel via TCU?

A Oi não abriu mão de nada. A arbitragem, na verdade, é contra a União, que é o poder concedente, e está avançando. Não tem nada a ver com o acordo. A arbitragem ficou suspensa no momento em que a Anatel chamou a Oi para submeter essa discussão sobre a mudança do regime de concessão para o de autorização e sobre os valores das multas na SecexConsenso. Uma das condições para que a Oi sentasse à mesa com o TCU e a Anatel para discutir uma possível solução de consenso era suspender a arbitragem. Como não se chegou a um consenso em relação aos valores reivindicados pela Oi na arbitragem, essa questão ficou fora do perímetro do acordo. Agora, com a formalização do acordo, que passou a ter eficácia a partir de 1º de outubro, a arbitragem foi retomada. Pelo acordo firmado com a Secex, a primeira parcela que a Oi receber dessa arbitragem será obrigatoriamente usada para o pagamento das multas pendentes com a Anatel. O restante irá cobrir o adiantamento feito pela V.Tal para viabilizar o compromisso de investimentos assumido pela Oi.

Quando a arbitragem foi suspensa, a gente já estava perto de uma decisão parcial e ela deve sair em breve. Agora, a sentença final ainda deve levar mais alguns meses. Agora, nas arbitragens, é muito difícil o governo deixar o processo seguir até o fim. Se ele entender que tem uma chance muito grande de perder, vai se antecipar e fazer um acordo. Levar um processo desses até o fim gera um desgaste para todo mundo e principalmente para a União. Por que? Porque a tese da sustentabilidade poderá ser sustentada depois por outros concessionários. Se o governo for até o fim e perder esse processo, será criada uma jurisprudência, não só para a área de telecomunicações, mas para concessionários de estradas, de aeroportos, reivindicarem a mesma coisa.

Com a conversão de parte da dívida em ações, um grupo de credores, formado por gestores internacionais de recursos, deve passar a ter o controle da Oi

No fim de setembro, a Oi anunciou mais uma etapa de sua reestruturação, com a venda de sua área de fibra ótica para a V.tal. Como previa o plano de recuperação, a V.Tal teria de fazer uma oferta para ficar com a empresa, se não surgisse outro interessado, que foi o que ocorreu. Mas, no plano de recuperação, a expectativa era de obter R$ 7, 3 bilhões com essa venda e a oferta da V. Tal acabou sendo de R$ 5,7 bilhões. Como isso deverá afetar a equação financeira prevista no plano?

Vai prejudicar a companhia? Vai, no sentido de que deverá afetar a equação. A segunda rodada do edital de venda previa que poderiam haver propostas sem um componente de caixa, ou seja, sem pagamento em dinheiro. Então, houve uma troca de ações, com a ampliação da participação da Oi na V.tal de 17% para 27%. Isso, obviamente, vai criar um descasamento no fluxo de caixa, porque o plano previa o ingresso desse dinheiro na companhia. Por conta disso, nós estamos correndo atrás para compensar essa diferença com outras opções de financiamento, como o próprio plano também já previa.

Depois de tudo isso, como ficou a composição acionária e o controle da companhia? Os antigos acionistas não têm mais nenhuma participação no capital hoje?

Inicialmente, lá na privatização, os controladores da Telemar eram o grupo La Fonte, do empresário Carlos Jereissati, a Andrade Gutierrez, por meio da AG Telecomunicações, e o Opportunity, além da Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil) e do BNDES. Depois, quando houve a fusão com a Brasil Telecom, o Opportunity deixou a sociedade e o BNDES vendeu a maior parte de sua participação para o Petros (fundo de funcionários da Petrobras) e o Funcef (fundo de funcionários da Caixa), enquanto os demais sócios permaneceram. Logo em seguida, houve a incorporação da Portugal Telecom via Pharol, mas o casamento acabou durando pouco e a sociedade se desfez. Naquela época, o Jereissati e a Andrade Gutierrez saíram totalmente da companhia. Aí, com as constantes diluições do capital e as vendas de participações, a Oi virou uma corporation, sem um bloco de acionistas controlando a empresa. Os antigos acionistas foram vendendo suas participações e quando houve o primeiro pedido de recuperação judicial, em 2016, a Brookfield, uma empresa canadense de gestão de ativos, chegou a ter 9% ou 10% do capital, e outros fundos de investimento detinham fatias menores, de 3%, 4%, 5%.

Com a conversão de dívida em capital feita agora pelos principais credores da Oi, como deve ficar a composição da sociedade? Algum grupo vai assumir o controle da empresa?

Até o fim de setembro, não havia nenhum acionista com mais de 1% da companhia. Agora, com a conversão de parte da dívida em ações, um grupo de credores, formado por gestoras internacionais de recursos, deve passar a ter o controle. Três desses credores, a americana Pimco, a britânica Ashmore e a S.C.Lowy, de Hong Kong, que converteram cerca de R$ 1,4 bilhão de dívida em ações (78% do volume total convertido), ficaram com 57% do capital. Até o fim de outubro, com o fim dos trâmites legais da operação, eles deverão convocar uma Assembleia Geral Extraordinária, para trocar o conselho, eleger os conselheiros que quiserem. De acordo com a legislação brasileira, quando o aumento de capital é feito assim, todos os acionistas têm o direito de participar da operação. Então, cada detentor de uma ação da Oi recebeu um direito de comprar uma outra ação a R$5,26, e esse processo deverá ser concluído até o fim do mês.

Publicidade

Esses três credores haviam comprado títulos de dívida da Oi na época da primeira recuperação judicial. Eles administram fundos que tradicionalmente compram títulos de companhias em dificuldade com desconto. Juntos, eles tinham cerca de R$ 10 bilhões da dívida escriturada. Não compraram os papéis por R$ 10 bilhões, mas por uma fração do valor de face. Devem ter comprado no mercado secundário por cerca de 20%, em média, do valor de face, ou seja, por R$ 2 bilhões e pouco.

Daqui para a frente, a Oi será uma empresa muito menor, focada no mercado corporativo

Para finalizar, olhando pra frente, qual vai ser a Oi do futuro? A Oi do passado, a “campeã nacional”, acabou?

Acabou. Agora, a Oi será uma empresa muito menor, focada no mercado corporativo, que ela sempre atendeu, por meio da Oi Soluções, que é o segmento que atua no mercado B2B. Por conta da sua história, da sua cobertura nacional, a Oi sempre teve acesso e vantagem para prestar serviço para grandes clientes, grandes bancos, grandes companhias. E construiu uma reputação nessa área. Tanto que boa parte desses clientes, como Itaú, Bradesco e Banco do Brasil, foram credores da companhia – e continuaram clientes. Então, a Oi vai focar nisso, porque demanda muito menos investimento em cobertura de rede, conectando diferentes parceiros e oferecendo soluções integradas, com um desenho organizacional muito mais enxuto. Mas, além do processo de arbitragem, que está em andamento, ainda falta vender a Tahto, que é o nosso call center, e a Serede, que é a empresa de prestação de serviços de rede, para finalizar o processo de reestruturação.

Quer dizer que a Oi não vai ter mais nenhum contato com o varejo?

Nenhum. Não vai vender nada no varejo. Vai atuar só no mercado corporativo. Vai ficar uma empresa bem menor, ainda que com seus desafios.

Quem vai vender os planos de banda larga e de fibra óptica? A V.tal?

É a V.tal, da qual nós somos sócios. É o nosso ativo mais valioso.

Dá para a V.Tal concorrer com as empresas de celular que oferecem vários serviços de telefonia e internet de forma conjugada aos clientes?

Existe, sem dúvida, uma vantagem competitiva das empresas de celular que oferecem convergência. Elas faturam tudo numa conta só para o cliente. Mas nem todo mundo coloca uma internet em casa do mesmo provedor do seu telefone celular. Dos 40 milhões de clientes de fibra óptica no Brasil, 20 milhões são atendidos por pequenos provedores, chamados ISPs (internet service providers), que atendem cidades menores, com nichos de 5 mil, 10 mil, 20 mil, 50 mil clientes. Os outros 20 milhões estão na mão da Vivo, com 6,5 milhões de clientes, da Oi, com 4 milhões, e da Tim. A Claro tem mais clientes do que a Vivo, mas nem tudo é fibra ótica. Uma boa parte das ligações é feita com cabo coaxial. Há também os grandes ISPs que abriram capital, como a Desktop, no interior de São Paulo, a Unific, na região sul, e a Brisa Net, no Nordeste, cada um com cerca de um milhão de clientes. Existe, então, um espaço no mercado para os provedores independentes atuarem.

Em quanto deve ficar o faturamento dessa nova Oi, que chegou a R$ 28 bilhões em valores históricos, em 2013?

Em pouco mais de R$ 2 bilhões.

Para uma empresa que alimentava a ambição de ser uma “campeã nacional” das telecomunicações, o sonho acabou mesmo, hein?

É, eu acho que é isso, né? Ficam os ensinamentos, para a companhia e para quem passou pela companhia. A Oi é um case único, de uma gigante nacional que viu o negócio encolher e enfrentou duas recuperações judiciais. Não tem outro, com essa complexidade, na vida empresarial brasileira. A recuperação judicial da Oi foi a maior de todos os tempos no País e agora a companhia está iniciando um novo capítulo de sua história.

Publicidade