‘É muito cedo para falar em queda de juros no Brasil’, diz ex-diretor do Banco Central

Na avaliação de José Júlio Senna, incertezas fiscais para o próximo ano ainda impedem a discussão sobre a redução da Selic no ano que vem

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Por Luiz Guilherme Gerbelli
Atualização:

Ex-diretor do Banco Central, José Júlio Senna avalia que ainda é cedo para discutir uma queda da taxa básica de juros no Brasil. Pelo contrário. Ele diz que a incerteza fiscal contratada para o próximo ano pode até levar a um aumento da Selic.

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“Acho essa discussão muito prematura, e o comunicado (de quarta-feira, 21) não toca nesse assunto acertadamente. Não é para falar mesmo. É muito cedo”, diz Senna, também chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e consultor associado da MCM.

“Há uma pressão muito grande para vários gastos ou perda de receitas, como a correção da tabela do Imposto de Renda (IR), prorrogação dos R$ 200 adicionais do Auxílio Brasil. A pressão é muito grande”, acrescenta.

José Júlio Senna, economista do Ibre/FGV e ex-diretor do Banco Central Foto: Werther Santana/Estadão

Nesta quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) manteve a taxa de juros em 13,75% ao ano e interrompeu o maior ciclo de alta de juros em 23 anos.

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Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Como o sr. avalia a decisão do BC em manter os juros?

Eu acho que a decisão foi corretíssima. Já estava de bom tamanho. Agora, há um aspecto adicional do comunicado que precisa ser destacado. Essa história de parar de subir os juros a sensação em muitos de que o próximo movimento dos juros é para baixo, tanto que na pesquisa Focus está previsto que a taxa Selic vai estar em 11,25% no ano que vem. Eu acho essa discussão muito prematura, e o comunicado (desta quarta-feira) não toca nesse assunto acertadamente. Não é para falar mesmo. É muito cedo.

Então, quais os riscos para a política monetária no próximo ano?

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Tem muita discussão sobre despesas públicas que acabaram não sendo incluídas no Orçamento do ano que vem. Há uma pressão muito grande para vários gastos ou perdas de receitas, como a correção da tabela do Imposto de Renda, prorrogação dos R$ 200 adicionais do Auxílio Brasil. A pressão é muito grande.

Eu vejo uma discussão muito grande no seguinte sentido: olha, vamos ter um waiver fiscal – liberdade para gastar sem respeitar regras – e, ao mesmo tempo, vamos discutir uma regra fiscal nova. Se a sequência for essa, a situação vai ficar muito complicada para o ano que vem. E o BC vai ter que manter por muito mais tempo ou eventualmente até aumentar o patamar atual de juros. O correto seria primeiro discutir a regra, chegar a um consenso sobre o que a gente acha adequado em matéria de regra fiscal e aí tratar o waiver. Mas passar o carro na frente dos bois seria uma coisa muito ruim para a inflação e que pode prejudicar a política monetária.

Não estou seguro de que uma taxa de desemprego de 4,4% (projetada pelo Fed) fará o trabalho de trazer a inflação para 2,8%. Eu suspeito que vai precisar de mais (desemprego).

E a decisão do Fed de subir os juros?

A reunião de hoje reforça os sinais de que o Fed vem tentando dar, mas que não tinha conseguido dar plenamente. Nos mercados financeiros norte-americanos, a gente vê que uma das características é o ceticismo com relação à disposição do Fed de ir até o fim e fazer o que precisa para trazer a inflação para meta. Eu, pessoalmente, jamais tive dúvida.

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Por quê?

A despeito de o Powell (Jerome Powell, presidente do Fed) não ter formação básica em economia, ele tem muita experiência de mercado financeiro. Está no Fed há muitos anos e se declara um estudioso do passado. Ele, volta e meia, se refere aos episódios do passado dos quais o Fed atuou como um verdadeiro mão fraca - para usar uma expressão tradicional do mercado financeiro. O ‘mão fraca’ é aquele que dá início ao processo de combate à inflação, mas, quando aparecem os primeiros sinais de que o desemprego está aumentando e a atividade econômica está sofrendo, essa política é revertida. O ponto é que o Powell estudou essa história toda, e ele sabe que uma política de stop and go só prejudica.

O Banco Central do Brasil foi muito rápido. Houve aumento expressivos na Selic em um curto espaço de tempo.

E até onde vão os juros nos EUA?

Não estou seguro de que uma taxa de desemprego de 4,4% (projetada pelo Fed) fará o trabalho de trazer a inflação para 2,8%. Eu suspeito que vai precisar de mais (desemprego). Vamos supor que o Fed não force a política monetária a ponto de produzir um desemprego superior a 4,4%. Neste caso, a inflação não vai ser de 2,8%. Agora, se, de fato, querem buscar uma inflação de 2,8% no ano que vem, eu acho que tem uma probabilidade relativamente boa de o desemprego (projetado) ser pouco. E isso nos leva para as projeções de juros. Em dezembro, deve chegar a 4,5% (no ponto superior da banda de juros). Para o ano que vem, o topo é 4,75%. Nesse caso, os juros precisariam subir mais.

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Quais as consequências para a economia diante dessa nova sinalização do Fed?

A economia americana é a mais importante do planeta. Então, a tabela (de projeção do Fed) não mostra uma recessão. Mas na própria entrevista desta quarta-feira, o Powell admite isso. É um evento possível. Na medida que aconteça um quadro recessivo nos EUA, é indiscutível que isso acaba tendo repercussão sobre as demais economia do mundo - em alguns casos mais, em outras menos intensamente.

Há ainda um outro fator: ao subir os juros, o Fed acaba forçando outros países a fazerem a mesma coisa, tanto os mais avançados quanto os emergentes, para não sofrer pressões cambiais exageradas. E isso ajuda a derrubar a atividade econômica mundial.

E como fica o Brasil nesse contexto de juros altos e incerteza fiscal?

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O Banco Central do Brasil foi muito rápido. Houve aumento expressivos na Selic em um curto espaço de tempo. No fim do ano passado, no último trimestre, o juro real era de 6% ao ano. Hoje, é de 8,2%. Então, eu acho que, no momento, dependendo do que de fato acontecer nos Estados Unidos, não há muito que se preocupar com isso. É como se tivesse uma folga. Já está incorporado que o Fed vai fazer um aperto, sério, forte. E um juro real de 8,2% é juro para ninguém botar defeito.

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