O que explica, então, o fato que 7 milhões de pessoas passam fome e cerca de 30 milhões são subnutridos? "A questão fundamental no Brasil não é falta de alimento ou potencial para produção, e sim o acesso. Os dados mostram que a renda acaba sendo o fator mais importante. Essa quantidade de alimento seria o suficiente para todo mundo se fosse igualmente distribuída entre as pessoas", explica Aguiar.
Segundo os critérios da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), o conceito de segurança alimentar é quando uma pessoa ou família teve acesso aos alimentos em quantidade e qualidade adequadas e não se sentem ameaçadas de sofrerem restrições em um futuro próximo. Já, a insegurança alimentar é o oposto: são pessoas que se sentiam na iminência de sofrer restrição quanto a quantidade e qualidade dos alimentos (leve), ou que passaram por períodos de restrição quantitativa de alimento (moderada). A mais grave insegurança alimentar é aquela em que há privação de alimentos, podendo chegar à expressão mais grave, a fome.
O Brasil é um dos países mais populosos que teve a maior queda no número de subalimentados entre 2002 e 2014: 82,1%, segundo o relatório "O Estado da Insegurança Alimentar no Mundo 2015", divulgado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). No ano anterior, o país havia saído oficialmente do Mapa da Fome da ONU, cumprindo um dos Objetivos do Milênio da organização internacional. Apesar dos avanços conquistados nos últimos anos, os últimos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2013, apontavam que a insegurança alimentar atingia 52 milhões de brasileiros. Naquele ano, identificou-se que cerca de 3,2% dos lares brasileiros passavam por insegurança alimentar grave.
Estimativas da FAO apontam que um terço de todos os alimentos produzidos no mundo - o que representa 1,3 bilhão de toneladas - são perdidos ou desperdiçados. Esse montante, segundo a instituição, poderia alimentar dois bilhões de pessoas. No Brasil, o desperdício e perda de alimentos acontecem tanto no sistema de distribuição quanto em nível de consumo. Muitas vezes, esses produtos ainda estão adequados para utilização, só que para cumprir especificações estéticas, acabam sendo mal aproveitados e ganhando destino no lixo.
Na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP), cerca de 3 mil toneladas de lixo são produzidos, - metade corresponde a resíduos orgânicos. Para tentar minimizar esse problema, a Ceagesp, que é o maior centro de abastecimento de frutas, verduras e legumes do Brasil, criou o seu próprio Banco de Alimentos, onde centraliza os produtos que não tiveram demanda de comercialização. Dessa forma, o que antes era desperdiçado, agora, pode ser consumido por 250 entidades assistenciais de São Paulo. A ação concorreu ao Prêmio Eco em 2016.
Jae Young Ahn, coordenador de sustentabilidade da instituição, explica que a iniciativa surgiu a partir da percepção da quantidade de alimentos descartados no local e rapidamente ganhou o apoio dos produtores. "ao invés de esperar até o último dia pra vender, me dá um dia antes o que você já sabe que não vai sair. Assim, consigo distribuir para entidades carentes que podem usar esses alimentos", conta
Com o Banco, cerca de 150 toneladas mensais de verduras e legumes são arrecadadas na Ceagesp. Para 2017, a expectativa é de ampliação das ações. Uma cozinha industrial experimental comandada por chefs famosos farão o tempero de sopas para embalar. "Por sermos um órgão federal, em hipótese nenhuma, isso vai ter viés comercial", detalha Ahn.
Outras instituições como a ONG Banco de Alimentos também atua no combate à fome e ao desperdício. Eles recolhem e distribuem alimentos que também seriam descartados por fábricas, padarias ou hortifrutis por destoar dos padrões ideais de comercialização. "A nossa seleção é 100% distribuída" afirma Camila Kneip, coordenadora de nutrição da ONG. Para garantir as refeições das 42 entidades assistidas pelo Banco, a instituição oferece treinamentos, indicando para os doadores quais alimentos podem ou não ser consumidos. "Se tiver um alimento estragado e com um pouco de fungo, ele vai estragar todos os outros que estão bons", alerta.
Além disso, a ações educativas com as entidade também acontecem de forma gratuita mensalmente com o objetivo de conscientizar e quebrar os preconceitos sobre o potencial nutritivo de cascas, talos e sementes. Dessa forma, é possível aproveitar integralmente o alimento, sem qualquer tipo de sobra. "Normalmente essas partes têm mais valor nutricional do que a gente come. A casca da banana, por exemplo, tem três vezes mais potássio do que a polpa", ressalta Kneip. A ideia, de acordo com a nutricionista, é que as instituições utilizem esses alimentos que seriam jogados fora para preparar uma dieta saudável e adequada.
O Banco de alimentos recebe todos os tipos de produtos, desde legumes, verduras e frutas, até pães, lácteos e industrializados em geral. De acordo com informações da ONG, só no ano de 2016, cerca de 37 mil toneladas de alimentos foram arrecadados e direcionados para oferecer uma dieta mais nutritiva para cerca de 22 mil pessoas.
Para Danilo Rolim, citado no início deste texto, a partir da conscientização do consumidor, haverá uma pressão para que o setor privado mude suas atitudes. "As empresas vão captar esse cenário como uma oportunidade de negócios. Tem lojas e restaurantes em Londres que usam o fato de não jogar comida fora como marketing, o que atrai consumidores mais conscientes", afirma Rolim.
Saiba como ajudar os bancos de alimentos:
Banco de Alimentos da Prefeitura: como se cadastrar
Página da ONG Banco de Alimentos: receitas para reduzir desperdício
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