Foi bem lá atrás, meados dos anos 90, que Artur Grynbaum e seu sócio (e cunhado) Miguel Krigzner começaram a juntar na cabeça duas coisas em uma só: modelo de trabalho na empresa e conservação ambiental. “A gente já se dedicava à sustentabilidade quando essa palavra nem estava ainda no dicionário”, recorda hoje Grynbaum, meio brincando. Brincadeira ou não, a ideia foi levada a sério – que o digam os mais de 4 mil pontos de coleta (de plástico, vidro, papelão) espalhados hoje, de norte a sul do Brasil, pela empresa deles, o Grupo Boticário. O que ele define como “o principal programa de logística reversa do País”.
A farmácia de manipulação de Curitiba, em 1977, virou uma empresa que atua “no mundo”. Que reúne 15 mil empregados e 46 mil indiretos e cresceu 31% em 2022. Na qual Grynbaum atuou como CEO por longo tempo, saindo em 2021 para tornar-se vice-presidente do conselho de administração do grupo.
Nesta conversa com o Estadão, ele resume: “A gente trouxe muitas práticas e com elas a ecoeficiência, para compor o modelo de gestão”. E o que ele aprendeu, nesse tempo todo, atuando no que chama de “varejo raiz”? Além dos segredos para entender e atender o consumidor, aprendeu que a luta contra lixo e poluição e a defesa do meio ambiente não dependem só da iniciativa privada, nem só do governo. “A gente precisa é de um plano conjunto. E não adianta ficar como observador, precisa ser protagonista da mudança.” A seguir, os principais pontos da conversa.
A Boticário foi pioneira na busca da sustentabilidade. Como surgiu essa ideia?
Começamos em 1977, com o início da farmácia de manipulação. Sempre tivemos um olhar atento para o negócio, mas também para a sociedade. Já fazíamos campanhas de doação depois das enchentes e demos um passo em direção à proteção ambiental com o slogan “Boticário – Produtos Naturais”, nos anos 80. A palavra sustentabilidade nem existia no dicionário ainda. O Miguel Krigsner (fundador foi à Alemanha visitar um fornecedor e viu um bosque lindo, replantado, recebendo de volta os animais. Há também em Israel um programa chamado KKL (de Keren Kayemet LeIsrael), que planta árvores no deserto e o torna cultivável. Daí pensamos nesta fórmula: a cada produto vendido, uma árvore plantada.
A Fundação Boticário nasceu desse insight?
Sim. Levamos a ideia para o professor Miguel Milano, da Universidade Federal do Paraná, e ele disse que, pelo volume de árvores, íamos nos tornar uma reflorestadora. Mas daí nasceram a Fundação O Boticário de Proteção à Natureza, e, em 2010, a Fundação Grupo Boticário.
Tem pesquisa medindo que valor o consumidor dá hoje à sustentabilidade?
Fizemos pesquisa com o Instituto Akatu anos atrás e o resultado foi que o consumidor achava bacana, mas isso não influía em sua decisão de compra. Mas agora, com os impactos da crise climática, as pessoas já relacionam a qualidade do ar e a falta d’água com o meio ambiente. A tendência é o consumidor se dispor a pagar mais por esse quesito.
Falamos muito sobre as águas e as florestas, mas fala-se pouco sobre o lixo no Brasil. O que vocês fazem nesse sentido?
Nós temos o principal programa de logística reversa no Brasil, há muitos anos. São mais de 4 mil pontos de coleta nas nossas lojas para recuperar as embalagens vazias, que vão receber tratamento, a separação adequada, que gera renda para quem trabalha com a coleta seletiva. Atualmente, nossos produtos têm cerca de 30% de plástico e 15% de vidro reciclados. É a economia circular, eu pego o que acaba e realimento um novo produto.
Na COP-26, em Glasgow, ficou claro que a iniciativa privada terá um papel importante para a redução do aquecimento global. As empresas estão conscientes dessa tarefa?
Eu diria que a iniciativa privada tem competências, recursos e autonomia. Mas precisa ter um plano conjunto efetivo, com ações do governo. Não se trata só da natureza, mas do tripé do ESG – o ambiental, o social e a governança. Eles não podem ser separados, têm de estar presentes em todo o negócio, promovendo a ecoeficiência. Exemplo: aqui no grupo, quando alguém apresenta um lançamento, já fala de embalagem e para onde vai o resíduo.
Precisamos também de regulamentação do crédito de carbono...
Sim, e há formas de se lidar com isso. Tem tudo para ser desenvolvido, literalmente é um mundo novo para todo mundo, não tem “copia e cola” nisso. A gente pode fazer consórcios de organizações por tema. Não podemos pegar a legislação do Canadá, por exemplo, e aplicar aqui.
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Como governo e iniciativa privada podem desenvolver, juntos, projetos rumo à economia verde?
Vou dar um exemplo. Nós estamos conversando com o governo do Paraná para criarmos um selo verde, um programa para dar melhores condições a quem quiser empreender no Estado. Os produtos, no caso, vão ter um reconhecimento e isso facilita linhas de crédito. Trouxemos empresas grandes com conhecimento técnico para formar parcerias com áreas do governo. Nessa mesa, a Secretaria da Fazenda define benefícios para quem aderir a essa legislação. Não é uma conversa de curto prazo, vai muito além. Uma iniciativa estruturada de público e privado para ter um desenvolvimento sustentável.
Você acha que o Brasil pode liderar a economia verde mundial?
Se tivermos um plano estruturado, sim. É um país com inequívoca vocação para essa área. Mas precisamos de um planejamento. Por exemplo, na indústria automobilística, a maior matriz que hoje é configurada, depois de vários estudos, é a matriz híbrida de eletricidade mais etanol.
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