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Por que o aquecimento da economia e a ocupação recorde na indústria acendem sinal de alerta no País

Alimentos, vestuário, celulose e papel, derivados de petróleo, metalurgia e têxtil são segmentos mais pressionados; nível de uso da capacidade instalada foi de 83,4% em setembro, segundo o Ibre/FGV

Foto do author Márcia De Chiara
Atualização:

No Brasil desde 2011, a empresa suíça SIG, fabricante de embalagens cartonadas e flexíveis para a indústria láctea e de sucos, nunca havia atingido 92% da capacidade de produção. No entanto, essa marca foi alcançada neste ano na fábrica de Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba (PR).

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O ritmo de produção das embalagens que a empresa fabrica, normalmente, é mais fraco entre janeiro e junho. Neste ano, no entanto, o desempenho tem sido diferente. Desde o primeiro semestre, a produção da companhia cresce dois dígitos em relação ao mesmo período do ano passado, segundo o diretor de Operações da América Latina, Fernando Kawata. A previsão é fechar 2024 mantendo esse ritmo de crescimento.

Para dar conta da forte demanda de seus clientes, prevista para continuar em 2025, a unidade de Campo Largo recebeu investimentos de € 12 milhões (R$ 72 milhões). Os recursos são voltados para ampliar em 14% a capacidade de produção da fábrica. Entre os clientes estão companhias de peso, como Nestlé, Quatá, Tirol e Britvi (dona da Maguary).

Fernando Kawata, diretor de Operacões da SIG, na fábrica em Campo Largo (PR), diz que unidade ocupa 92% da capacidade de produção de embalagens cartonadas Foto: Patrick Madeira/Estadao

Com a nova linha de produção, que começa a rodar no mês que vem, a capacidade da fábrica passa de 5 milhões de embalagens ao ano para 5,7 milhões de unidades. “Vamos ter um pouquinho de fôlego para continuar crescendo e não ficarmos tão apertados”, afirma Kawata. Nas suas contas, com essa expansão o uso da capacidade da fábrica cairá para 85%.

A SIG é um exemplo de um fenômeno que a indústria brasileira vem passando este ano. Com o aumento da demanda, boa parte das indústrias vem operando com a capacidade quase no máximo. Em setembro, o uso da capacidade da indústria como um todo, medido pela Sondagem da Indústria de Transformação da Fundação Getúlio Vargas (FGV), foi de 83,4%. Esse é o mesmo nível atingindo em julho deste ano ― houve um ligeiro recuo em agosto ― e a maior marca desde maio de 2011 (83,6%).

A capacidade de produção de uma indústria nada mais é do que a quantidade de equipamentos, pessoas e outros recursos necessários para fabricar um determinado produto. Se a demanda for maior que a capacidade da empresa, os preços podem subir, por exemplo.

Isso fez acender o sinal de alerta e trouxe à tona a discussão sobre até que ponto a economia brasileira está preparada para crescer sem gerar pressões inflacionárias, o que, no jargão dos economistas, é chamado de “hiato do produto positivo”. Aliás, esse foi um dos argumentos apontados na ata do a última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) para iniciar o ciclo de alta dos juros básicos da economia.

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Na opinião de Stéfano Pacini, economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da FGV e responsável pela sondagem, o sinal de alerta do elevado nível de uso da capacidade das fábricas seria mais preocupante se o Banco Central não tivesse começado a subir juros para desarmar as expectativas de reajustes de preços. Na última reunião do Copom, a taxa básica de juros subiu de 10,50% para 10,75% ao ano. E a perspectiva é de alta.

Outro ponto de atenção que emergiu nos últimos meses foi nível de estoques. No mês passado, o estoque estava enxuto, na média da indústria. O indicador da FGV encerrou setembro em 97,1 pontos. Abaixo de 100 pontos, o índice aponta volume menor que o desejado e acima de 100 pontos mostra que há sobra de produtos nos depósitos das fábricas.

O próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já chamou a atenção para essa questão, admitindo que o País pode ter dificuldade de continuar a crescer sem que a inflação suba. “Se não aumentar nossa capacidade instalada, vai chegar o momento que teremos dificuldade de crescer sem inflação”, disse, no início de setembro, após a divulgação do PIB do segundo trimestre. “Algumas indústrias ainda estão com muita margem para crescer a produção, mas isso não diz respeito à economia como um todo. Tem setores que já estão inspirando atenção, e os investimentos vão ter de acelerar para que não haja gargalo na oferta.”

Para Haddad, o aumento de investimentos é que vai fazer com que o crescimento não gere inflação. “O crescimento com investimento maior é garantia de equilíbrio entre oferta e demanda”, disse Haddad. O problema, porém, é que a taxa de investimentos no Brasil ainda é muito baixa ― estava em 16,8% no segundo trimestre, enquanto analistas dizem que deveria ser acima de 20% para garantir um crescimento mais sustentável.

De 16 segmentos da indústria de transformação avaliados pela sondagem, seis estavam “bombando” em setembro. Isto é, o uso da capacidade das fábricas superava a média da indústria como um todo e a maioria deles estava com estoques enxutos. Nesse grupo estão os fabricantes de alimentos, vestuário, celulose e papelão, derivados de petróleo, metalurgia e têxtil.

O que tem provocado aumento do uso da capacidade

O ritmo acelerado de produção é um desafio enfrentado hoje não só pelas indústrias de embalagens como a SIG, mas por fabricantes de alimentos e artigos de vestuário, por exemplo. O que esses segmentos da indústria estão sentindo neste momento são os efeitos do aumento do emprego e da renda, segundo Pacini.

No trimestre encerrado em agosto, havia 102,517 milhões de pessoas trabalhando no País, um número recorde, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A massa de salários em circulação na economia alcançou um novo ápice: R$ 326,205 bilhões no trimestre encerrado em agosto, um avanço de 8,3%, descontada inflação, em relação ao mesmo trimestre do ano anterior.

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Para analistas, esse aumento da renda tem muito a ver com a política do crescimento real do salário mínimo ― acima da inflação. Além disso, a antecipação do pagamento de precatórios, no início do ano, também injetou mais dinheiro na economia, elevando o consumo.

Com mais dinheiro no bolso, o brasileiro passou a comprar neste ano uma quantidade maior de comida, bebida e roupa. Esses itens, por sua vez, necessitam de um volume maior de embalagens para chegar ao consumidor e também puxam a demanda de insumos intermediários usados na sua produção.

O aquecimento gradual do consumo de bens diretamente ligados ao aumento da renda, isto é, aqueles cuja compra não depende do crédito e da taxa de juros, bateu na indústria desde o final do terceiro trimestre do ano passado, observa Pacini.

Num primeiro momento, o crescimento da demanda foi atendido pela sobra de estoques que havia na indústria. “Mas, nos últimos meses, as fábricas estão ligando as máquinas e acelerando a produção”, diz o economista.

Comida em alta

Líder na produção de peixes enlatados, a multinacional espanhola Nauterra, dona da marca Gomes da Costa no Brasil, por exemplo, confirma o forte aquecimento da produção nas duas fábricas, uma de pescados e outra de embalagens em Itajaí (SC). Nos últimos meses , a companhia chegou usar até 90% das instalações para atender o avanço da demanda.

De janeiro a julho, os volumes de sardinha produzidos cresceram 20% em relação ao mesmo período do ano passado. No atum, a alta foi de 10%. “Estamos voltando ao patamar pré-pandemia”, afirma o CEO da empresa para América Latina, Martin Barbesi.

Ele conta que já faz parte da rotina da empresa destinar cerca de 40% dos investimentos anuais para expansão da capacidade. Mas reafirma que, diante do atual cenário, certamente, 2025 e 2026 serão anos de ampliação das fábricas.

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Linha de produção de sardinha na fábrica Nauterra em Itajaí, Santa Catarina Foto: Rafael Mondini

Há um ano e meio no cargo, o executivo que veio da Espanha diz que não está acostumado a ver dados de crescimento de consumo de alimentos tão robustos como os registrados hoje no Brasil.

Ele atribui o avanço das vendas ao maior poder de compra da população. “A macroeconomia brasileira está andando bem, apesar da questão do déficit público”, pondera Barbesi. “A inflação está sob controle, o desemprego tem boa evolução, o poder de compra melhorou e os nossos produtos são práticos e saudáveis.”

O ritmo de crescimento mais acelerado do Produto Interno Bruto (PIB) e, consequentemente, do consumo de alimentos fez a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) rever para cima as projeções para este ano.

Em fevereiro, a expectativa para 2024 era de um aumento das vendas reais de 2% a 2,5%. “Com a diminuição do desemprego para uma taxa de 6,6% e o ritmo forte das exportações, é provável que as vendas registrem crescimento acima de 3%”, prevê João Dornellas, presidente executivo da Abia, em nota.

Em agosto, segundo a entidade, as fábricas de alimentos usavam 81,9% da capacidade de produção. A sondagem da FGV aponta que esse índice tinha subido para 85,3% no mês passado.

De acordo com a Abia, existem investimentos em curso para fazer frente às pressões na capacidade das fábricas. Em recente reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, o setor de alimentos anunciou um investimento de R$ 120 bilhões no período de 2023 a 2026, informa a entidade em nota. Desse montante, aproximadamente R$ 75 bilhões estão destinados à ampliação e modernização de fábricas, além da construção de novas unidades. Os outros R$ 45 bilhões são destinados a pesquisa e desenvolvimento.

Vestuário no topo

A indústria do vestuário foi a que apresentou maiores pressões entre outros segmentos do grupo com maior aceleração da produção, aponta a sondagem da FGV. Em setembro, as fábricas de vestuário ocupavam 96% da capacidade de produção. No segmento têxtil, o uso da capacidade atingiu 83,6% no mês passado. E, em ambos os segmentos (vestuário e têxtil), os estoques estavam bem enxutos.

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No entanto, dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) mostram um cenário menos pressionado. Em julho, a informação mais atual da entidade, as confecções usavam 84,4% da capacidade, ante 77, 3% no mesmo período de 2023. No caso das tecelagens, o uso da capacidade estava em 79,3% em julho deste ano, abaixo de 81,2% registrados um ano atrás .

Segundo Fernando Valente Pimentel, diretor-superintendente da Abit, o nível de estoques do setor está hoje relativamente ajustado. “O nosso mapa de calor mostra um pouco de luz vermelha, mas nada que denote uma preocupação muito grande neste momento”, afirma.

Por ora, a perspectiva do setor é crescer este ano 2,1%. Pimentel admite que os fabricantes de vestuário estão hoje em uma fase favorável, mas pondera que a base de comparação (2023) é baixa. “Não é crescimento sobre crescimento”, argumenta.

Termômetro das embalagens

Já no caso do segmento de embalagens de papelão ondulado, espécie de indicador que mostra para onde caminha a atividade econômica como um todo, não há dúvida de que ele esteja a todo vapor. Em agosto, foram expedidas 376.204 toneladas de caixas papelão ondulado, um recorde mensal desde o início da série histórica em 2005, segundo o Índice Brasileiro do Papelão Ondulado (IBPO), elaborado pelo Ibre/FGV para a Associação Brasileira de Embalagens de Papel (Empapel). Na comparação anual, a alta foi de 2,13%.

Setor de embalagens funciona como um termômetro do ritmo de atividade da economia Foto: Patrick Madeira/Estadao

Segundo o presidente-executivo da Empapel, embaixador José Carlos Fonseca, normalmente o primeiro semestre do ano tende a ser mais difícil para o setor. No entanto, este ano foi muito bom: cresceu 5,4% ante o mesmo período de 2023. “Isso nos permite antecipar que o segundo semestre vai ser muito bom também”, prevê Fonseca, lembrando que nesse período há duas datas comerciais importantes: Black Friday e Natal.

Diante dos bons resultados, Fonseca diz que o setor revisou para cima as projeções de crescimento para 2024. No início do ano, projetava um avanço de 2% e agora a estimativa é crescer mais que o dobro: 5,2%.

Apesar da demanda aquecida por embalagens, o executivo da Empapel ressalta que o setor não está preocupado em não ter capacidade de produção para dar conta da procura. “Temos nos preparado para isso”, afirma. Entre 2024 e 2028, por exemplo, estão sendo investidos R$ 105 bilhões em novas fábricas de celulose e embalagens. “Esse investimento corresponde a uma fábrica nova a cada um ano e meio”, calcula.

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Nem-nem

Hoje as pressões no uso da capacidade das fábricas e nos estoques se concentram em seis segmentos, segundo Stéfano Pacini. No entanto, ele ressalta que a situação é diferente para outros segmentos da indústria.

Em setembro, o economista identificou um grupo dos nem-nem. São segmentos industriais que nem estão estocados nem estão pressionados no uso da capacidade das fábricas. Nesse rol estão as indústrias de produtos plásticos, de máquinas e equipamentos, de veículos automotores e produtos de metal

Também há outro grupo que reúne segmentos da indústria que estão em marcha lenta no uso da capacidade e acumulam estoques indesejados, como couro e calçados, química, limpeza e perfumaria, minerais não metálicos, bens de informática eletroeletrônicos e máquinas e materiais elétricos.

Quanto à tendência, isto é, se o aquecimento que atinge hoje seis segmentos da indústria vai se espalhar para outros ou arrefecer, Pacini diz que tudo vai depender de como será a reação da economia ao ciclo de alta de juros iniciado pelo Banco Central.