Não é só a narrativa de que o País enfrenta uma “crise fiscal” dramática que o Ministério da Economia contesta. O órgão questiona também a necessidade de o governo eleito furar o teto de gastos em R$ 200 bilhões em 2023, como prevê a PEC da Transição proposta pelo governo eleito, para promover o “combate à fome” e turbinar os investimentos públicos.
Embora a equipe econômica se diga sensível ao empenho de todos os recursos necessários para erradicar a fome, ela rejeita a ideia de que o problema tenha se agravado nos últimos anos, em comparação com a situação registrada nos governos do PT, e coloca em xeque a informação divulgada pela Rede Pensann (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), de que existem 33 milhões de famintos hoje no País.
O principal argumento do ministério é de que o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 para 20 milhões de famílias permitiu a incorporação de 6 milhões de beneficiários em situação de extrema pobreza que não eram atendidos pelo antigo Bolsa Família, cujo benefício médio era de R$ 192 em 2021. Na avaliação do órgão, não seria possível afirmar, portanto, que o número de pessoas que não têm o que comer tenha aumentado e não diminuído, para justificar a realização de gastos sem lastro no montante desejado pelo governo eleito.
“É impossível ter 33 milhões de pessoas passando fome. Nós estamos transferindo para os mais pobres, com o Auxílio Brasil, 1,5% do PIB (Produto Interno Bruto), três vezes mais do que recebiam antes”, disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, recentemente. “Por mais que tenha havido inflação, não foi três vezes mais. O poder de compra está mais do que preservado por essa nova transferência de renda.”
Além do aumento do valor do benefício e do número de famílias atendidas pelo programa, o ministério argumenta que a economia melhorou, e não piorou, contribuindo para aliviar a vida dos mais vulneráveis. A equipe econômica recorre a vários indicadores para sustentar sua posição. O mais relevante, provavelmente, é a queda do desemprego, que caiu para 8,7% da população ativa no terceiro trimestre do ano, o menor nível desde 2015, segundo o IBGE.
Ao mesmo tempo, a população ocupada chegou a 100 milhões, um recorde na série do instituto, iniciada em 2012, sendo que 42,8 milhões têm carteira assinada, de acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) – o maior saldo desde janeiro de 2020, quando o governo atualizou a metodologia de cálculo do indicador. Pelos dados do Caged, foram gerados 5,3 milhões de novos postos formais, já descontados os cortes, de janeiro de 2019, no início do governo Bolsonaro, a setembro de 2022, último dado disponível. Só neste ano, até setembro, foram criados 2,1 milhões de novos empregos com carteira assinada.
É certo que o rendimento médio acumula uma queda de cerca de 10% desde o fim de 2020, apesar da recuperação recente, o que certamente penaliza de forma mais dura os menos favorecidos. Mas, como o número de pessoas ocupadas aumentou e o desemprego diminuiu de forma considerável, não dá para afirmar, na visão do ministério, que a situação se deteriorou a ponto de levar a um aumento geométrico no número de famintos espalhados pelo País.
Microempreendedores individuais
Ao aumento do emprego formal deve-se acrescentar também, segundo a equipe econômica, a multiplicação de novos negócios nos últimos anos. Apenas em 2021, foram abertas 4 milhões de novas empresas, também um recorde histórico, das quais 80% se registraram como microempreendedores individuais (MEI), deixando de engrossar as estatísticas da informalidade.
De acordo com o Ministério da Economia, deve-se incluir na conta, ainda, a liberação de um saque de até R$ 1.045 no FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) em 2020, no auge da pandemia, e de mais até R$ 1 mil neste ano, para atenuar o impacto da inflação no orçamento das famílias. Por fim, é preciso considerar, conforme o órgão, que a antecipação do 13º salário dos aposentados, também realizada em 2020 e repetida em 2022, representou mais uma contribuição para ajudar a população a atravessar eventuais dificuldades financeiras no período.
Modernização da produção
Do lado do investimento, os números oficiais também se contrapõem ao discurso de que sem a liberação dos R$ 200 bilhões pedidos pelo governo eleito o País vai parar – ou melhor, continuar parado. Segundo o ministério, a taxa de investimento chegou a 19,2% do PIB (Produto Interno Bruto) no ano passado, o maior nível desde 2014, ficando acima da média registrada entre 1996 e 2021, de 18,1%, mesmo com a queda dos investimentos públicos para 0,26% do PIB, o ponto mais baixo do indicador desde 2004. E, neste ano, mesmo com as incertezas trazidas pelas eleições, a taxa de investimento deve ficar mais ou menos no mesmo nível de 2021, pelas prévias divulgadas até agora pelo IBGE.
Para a equipe econômica, esse resultado só foi alcançado por causa dos investimentos crescentes feitos pelo setor privado na infraestrutura do País, até pouco tempo atrás bancados quase totalmente pelo governo, e na modernização dos processos de produção. Diante do pouco espaço deixado hoje para investimento no Orçamento federal, em decorrência dos gastos com a máquina administrativa e das destinações obrigatórias previstas na legislação para áreas como saúde e educação, é o setor privado, na visão do ministério, que deverá alavancar o novo ciclo de investimento do País.
Viés de alta
Apesar de os economistas calcularem que a necessidade de investimentos gira em torno de 23% do PIB ao ano, para acelerar o crescimento econômico e viabilizar a melhoria da qualidade de vida da população, isso só aconteceu em três oportunidades: no começo do século passado, durante o chamado “milagre econômico”, nos anos 1970, e no começo da década de 1990. Ou seja, se o nível atual dos investimentos ainda está longe do ideal, é certo que está distante também do quadro catastrófico traçado por muitos analistas, e com viés de alta, segundo o ministério.
Um levantamento realizado pelo Programa de Parceria de Investimentos (PPI) mostra que a carteira de novos projetos privados já contratados para os próximos dez anos, boa parte dos quais na área de infraestrutura, já soma R$ 1,2 trilhão ou cerca de 13% do PIB. Isso se deve, na avaliação do ministério, às medidas de liberalização da economia implementadas no atual governo, como a Lei do Gás e os novos marcos regulatórios do saneamento, das ferrovias e da navegação de cabotagem, que destravaram os investimentos privados.
Tem a ver também, segundo a análise da equipe econômica, com a dinamização do mercado de capitais, que ampliou o acesso das empresas aos recursos privados do País e do exterior, e com a multiplicação das concessões, a venda de ativos de estatais e a privatização da Eletrobras, que deverá mais do que triplicar a capacidade de investimento da empresa, de R$ 4 bilhões para R$ 15 bilhões ao ano, de acordo com estimativas de executivos do setor de energia elétrica.
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