A desaceleração econômica do Brasil, que era esperada pelos economistas para o fim deste ano, já começou a se concretizar. Dados do Itaú Unibanco mostram que, desde que atingiu seu pico, em maio, a atividade recuou 7,35%. A perda de fôlego deu seus primeiros sinais no setor de bens, cuja atividade caiu 8% desde o fim de maio, e, posteriormente no de serviços, que retrocedeu 7,3% até agora.
O indicador do Itaú é feito com base nos gastos de seus clientes com cartões de crédito e de débito. Ele consegue capturar o nível de atividade diária no País. Segundo a economista do banco Natália Cotarelli, o desaquecimento no segmento de bens, que depende mais de acesso a crédito, ficou mais evidente mesmo no fim do segundo trimestre, enquanto o de serviços, no fim do terceiro trimestre. Dados de outras fontes, como do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), também começaram, mas mais recentemente, a apontar essa desaceleração econômica.
Na indústria, por exemplo, os indicadores de produção, apurados pelo IBGE em agosto e setembro, indicam queda de 0,7% em cada mês. Já a venda de veículos zero-quilômetro recuou 6,7% em outubro, na comparação com setembro.
Diante desse cenário, a projeção dos analistas é a de que o Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre desacelere em relação ao 1,2% registrado no anterior – o dado será divulgado em 1º de dezembro. Para os últimos três meses do ano, há um risco de queda da atividade.
“Há evidências de que há uma desaceleração em curso, o que vai ficar claro no PIB do terceiro trimestre, que vai crescer menos do que a média do primeiro semestre”, diz Alessandra Ribeiro, economista e sócia da consultoria Tendências. “Esse cenário deve se aprofundar no quarto trimestre.” A Tendências projeta uma alta de 0,6% no PIB do terceiro trimestre e uma queda de 0,4% nos últimos quatro meses do ano.
São dois os principais fatores que explicam a desaceleração da economia brasileira. O primeiro é o patamar elevado da taxa básica de juros (Selic) – atualmente em 13,75% ao ano. Juros altos inibem o consumo das famílias e os investimentos das empresas ao tornarem o crédito mais caro.
LEIA MAIS
O segundo tem a ver com o freio da economia global. A atividade dos Estados Unidos e da Europa já mostra sinais de desaceleração, dado que ambos também enfrentam um quadro de aperto monetário. Na Europa, a situação é agravada pela falta de gás para gerar energia, uma consequência da guerra na Ucrânia. A China também vem crescendo menos devido à política de covid zero e à crise no setor imobiliário.
Indicadores antecedentes – aqueles que dão uma pista de como a economia deve se comportar no futuro – também revelam um cenário de deterioração para os próximos meses. A confiança dos empresários dos setores de serviços, comércio, indústria e construção retrocedeu 3,3 pontos em outubro, de acordo com a Fundação Getulio Vargas (FGV). Por segmento, o recuo foi maior no comércio e na indústria – em ambos, recuou 3,8%.
“Há claramente uma queda na indústria. O comércio, na melhor das hipóteses, está andando de lado, e o setor de serviços está desacelerando, em particular em alojamento e alimentação para as famílias”, afirma José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do banco Fator.
Próximos meses
Para o economista-chefe do C6, Felipe Salles, a desaceleração está dentro do padrão esperado. O banco projeta que o PIB do terceiro trimestre ficará entre 0% e 0,5% e que há risco de um número “levemente” negativo no quarto trimestre. Apesar da queda no fim do ano, o PIB deve ficar em 2,3% em 2022, de acordo com as estimativas do C6.
Salles afirma que, se não houver nenhuma surpresa no início de 2023, a economia pode voltar a ganhar tração na segunda metade do ano. Isso porque o Banco Central deve começar a reduzir a taxa de juros no segundo trimestre. No mercado, portanto, o juro pode estar em um patamar mais baixo que o atual um pouco antes.
No exterior, a tendência é que Estados Unidos também já tenha atingido o auge de seu aperto monetário até lá e que, no verão europeu, a falta de gás não seja um problema tão sério como será agora no inverno. “O segundo semestre de 2023 ainda está longe, muito choque pode acontecer até lá. Mas parece razoável supor que a recuperação esteja começando no terceiro trimestre do ano que vem.”
A economista Natália Cotarelli, do Itaú Unibanco, no entanto, destaca que, com o BC começando a cortar juros no segundo semestre de 2023, deve levar um tempo para a atividade ganhar ritmo. Isso porque o resultado da política monetária sempre é verificado com um certo ‘atraso’ após ela ser adotada.
“A expectativa para 2023 é de um PIB fraco. Não falaria em recessão, mas a economia estará quase parada”, diz Natália. O Itaú projeta uma alta de 0,5% no PIB do ano que vem e de 2,5% em 2022 (com alta de 0,3% no terceiro trimestre e de estabilidade no quatro).
Sem definições do novo governo, mercado vê risco fiscal
As incertezas que cercam a definição da política fiscal do governo eleito dominaram, nestea semana, as reuniões de dirigentes do Banco Central com representantes do mercado financeiro. Segundo relato de analistas, alguns deles já discutem a possibilidade de aumento da inflação e até de retomada do ciclo de alta de juros, como resultado de uma elevação dos gastos públicos.
Neste momento, a maior parte das incertezas se concentra na chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, articulada pelo governo eleito para autorizar uma “licença” para despesas fora do teto de gastos no ano que vem. As estimativas para essa licença tem girado entre R$ 175 bilhões e R$ 200 bilhões – a maior parte para continuar bancando o pagamento de um Auxílio Brasil de R$ 600.
Sobre o cenário internacional, a despeito de um índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) dos Estados Unidos menor do que o esperado em outubro, a maior parte dos analistas avaliou que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) terá de elevar os juros acima do nível atualmente precificado pelo mercado. COLABORARAM CÍCERO COTRIM e FRANCISCO CARLOS DE ASSIS
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.