Turbinada por estímulos fiscais concedidos pelo governo e pela forte retomada da atividade com o fim das restrições impostas pela covid-19, a economia brasileira, se já não passou, está quase no limite de sua capacidade de produção pela primeira vez em pelo menos sete anos. A ociosidade aberta na recessão doméstica de 2015/2016 e aprofundada na pandemia foi praticamente ocupada com o retorno rápido da atividade. Agora, a discussão entre economistas é se o País já não estaria crescendo mais do que pode, o que significa pressão sobre a inflação e maior dificuldade para o Banco Central administrar a política de juros.
O debate é alimentado pela divulgação de indicadores acima das expectativas, em especial o Produto Interno Bruto do segundo trimestre, com alta de 1,2% quando o consenso do mercado era de 0,9%. Para economistas de bancos como Santander, Bradesco e Fibra, a economia já roda entre 0,6% e 3,2% acima de seu potencial. Nas contas do Santander, a última vez que isso aconteceu foi no primeiro trimestre de 2014.
Já nas estimativas da XP Investimentos, o PIB ainda não alcançou toda a sua capacidade, mas deve superá-la até o fim deste ano. Para o banco Original, a economia está no limite do potencial de crescimento, como não acontecia desde meados de 2015.
As estimativas variam porque não existe uma única metodologia. A precisão dos cálculos também depende de questões como o fôlego de alguns setores (se não estariam passando apenas por uma recuperação cíclica) e a capacidade de contratação das empresas com as flexibilizações permitidas pela reforma trabalhista de cinco anos atrás. “Mas dá para afirmar, com certo conforto, que a ociosidade vem caindo, e é praticamente inexistente nesse momento”, afirma Rodolfo Margato, economista da XP.
Após um prolongado período de baixo investimento que levou à estagnação do estoque de ativos de produção do País, como máquinas, equipamentos e infraestrutura, a economia voltou a encontrar o seu potencial apenas dois anos depois de começar a se reerguer do impacto da pandemia. “Os números da inflação mostram alguma coisa desencaixada e são, por si, um indício de que a economia funciona acima do potencial”, diz Fernando Honorato Barbosa, economista-chefe do Bradesco.
Consequências negativas
O crescimento da economia no limite de sua capacidade - ou mesmo acima dele, conforme algumas previsões - deve ter consequências na inflação, no mercado de trabalho e nas contas externas do País. Segundo economistas, o aquecimento da atividade indica uma inflação mais persistente no setor de serviços, que vem em aceleração diante da normalização das atividades. Ao mesmo tempo, como a produção doméstica deixa de ser suficiente para atender a demanda, as importações tendem a subir.
Dada a perspectiva de “vazamento” do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) para fora do Brasil, o mercado está mais pessimista em relação ao déficit nas transações correntes com o exterior. As previsões para este ano subiram, em quatro semanas, de US$ 18,5 bilhões para US$ 25 bilhões, conforme os prognósticos de mercado apresentados pelo Banco Central (BC) no boletim Focus.
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É possível também, segundo parte dos analistas, que o mercado de trabalho fique mais apertado, faltando, inclusive, mão de obra em alguns setores. A consequência seria maior pressão sobre os salários. “Talvez ainda seja exagero dizer que a economia está superaquecida, mas há uma aparente contradição quando, apesar dos juros mais altos, a taxa de desemprego caminha para 8,5%, sendo que a média histórica é próxima de 11%”, comenta o economista-chefe do Banco Original, Marco Caruso. “Vamos aguardar as cenas do próximo capitulo para entender se existe mesmo um superaquecimento”, acrescenta.
De acordo com Caruso, o atual nível de desemprego, no menor patamar em sete anos, não é compatível com uma inflação dos serviços muito abaixo de 7,5%, dificultando a tarefa do BC de levar os preços ao centro da meta. “Tem que rezar para a inflação nas outras categorias rodar abaixo de 1%.”
Economista do Santander, Gabriel Couto destaca que o aquecimento da demanda se choca agora com uma economia que funciona com baixa ociosidade, o que aumenta o desafio do BC. “É mais uma barreira no combate à inflação”, afirma Couto.
Com a desaceleração da economia global, e contando com os efeitos defasados da política monetária, Margato, da XP, diz que a atividade deve pressionar menos a inflação no ano que vem, mas a incerteza é grande. “Vimos muitas surpresas altistas da atividade neste ano. Se a economia surpreender novamente, pode pressionar tanto a inflação quanto os salários”, comenta.
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