Economistas veem tarifaço de Trump como o ‘brexit’ americano e o fim da era da globalização

Tentativa de Trump de redesenhar a ordem comercial global pode levar o mundo à recessão, com os custos econômicos da ordem de US$ 30 trilhões

PUBLICIDADE

Foto do author Aline Bronzati

NOVA YORK - Wall Street já sabia que o “Dia da Liberdade” não iria representar o fim da volatilidade nos mercados. Ao contrário, ao apresentar seu plano tarifário, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, catapultou uma nova fase de incertezas e turbulências por conta do efeito cascata contratado. Economistas temem que a tentativa do “homem-tarifa” de redesenhar a ordem comercial global leve o mundo à recessão, com os custos econômicos podendo chegar a US$ 30 trilhões, nos cálculos do ex-secretário do Tesouro americano Lawrence Summers.

Para especialistas, as medidas que aplicam uma tarifa mínima de 10% a qualquer produto importado pelos EUA e alíquotas recíprocas aos seus principais parceiros comerciais afastam o país do resto do planeta e podem acelerar a fragmentação já em curso, conforme o Wells Fargo. É uma espécie de ‘brexit dos americanos’, diz Ian Bremmer, da Eurasia. Ou o fim da era da globalização, como afirmou o The Wall Street Journal, após o anúncio de Trump.

Trump inaugurou uma nova fase de incerteza e turbulência no mercado Foto: Tom Brenner/NYT

PUBLICIDADE

O objetivo do tarifaço proposto por Trump, após diversos esboços divulgados pela imprensa americana, é reformar a ordem comercial mundial que, segundo a atual administração, favorece países com práticas desleais e prejudica aqueles que seguem as regras. Em comunicado divulgado na quarta-feira, a Casa Branca afirmou que essa mudança busca corrigir um sistema injusto. Trump, por sua vez, tem repetido que “o mundo está roubando os americanos”.

E, embora o presidente pareça agir por instinto, se seguir à risca os conselhos do seu economista de confiança, o plano vai muito além das tarifas anunciadas, uma espécie de ponta do iceberg para colocar o mundo ao bel-prazer dos americanos.

Publicidade

A estratégia foi detalhada por Stephen Miran, chefe do Conselho de Consultores Econômicos dos EUA (CEA, na sigla em inglês), em um estudo de mais de 40 páginas, publicado em novembro do ano passado, antes mesmo da vitória do republicano. Distribuído pela Hudson Bay Capital, casa na qual ele ocupava o cargo de estrategista sênior, na ocasião, não ganhou muito holofote. Mas, desde então, o documento começou a circular dentro e fora de Wall Street, e chamou a atenção da imprensa financeira internacional nas últimas semanas.

“Trump pode reconfigurar os sistemas financeiros e de comércio global para o benefício da América”, defende Miran, que garante que o ensaio não é uma “defesa de políticas”. Mais do que uma reforma do comércio global, suas ideias miram uma repaginação da ordem geopolítica.

No ‘Acordo Mar-a-Lago’, o economista faz um guia baseado na tríade tarifas, defesa e dólar para os EUA tirarem ônus das suas costas e passarem a outros parceiros comerciais. O ponto principal é enfraquecer a divisa americana tida como o problema central do déficit dos EUA. Na sua visão, a partir de uma perspectiva comercial, o dólar está persistentemente supervalorizado em grande parte porque os ativos em dólar funcionam como moeda de reserva mundial.

Para Miran, o entrelaçamento entre o status de moeda de reserva e a segurança nacional vão se tornar cada vez mais explícitos em qualquer possível reformulação do sistema de comércio global. “Juntar um muro tarifário com um guarda-chuva de segurança é uma estratégia de alto risco, mas se funcionar, também pode render uma alta recompensa”, avalia.

Publicidade

Dentre as medidas mais extremas, o chefe do CEA sugere forçar os bancos centrais estrangeiros a trocar seus títulos do Tesouro dos EUA de curto prazo por bonds de longo prazo, apesar de admitir que é uma tarefa difícil. Aliás, o caminho para a administração Trump reconfigurar os sistemas financeiros e de comércio global é “estreito e exigirá planejamento cuidadoso, execução precisa e atenção às etapas para minimizar consequências adversas”, admite o guru.

Economistas de ambos os lados do Atlântico veem o acordo de “Mar-a-Lago” com ceticismo − sentimento que se intensificou após a divulgação dos detalhes sobre os planos tarifários de Trump. Para Larry Summers, ex-chefe do Conselho Econômico Nacional (National Economic Council, NEC) durante o governo Obama − órgão com influência consideravelmente maior que o CEA −, as medidas anunciadas representam as “mais caras e masoquistas” adotadas pelos EUA em décadas. Ele estima que as perdas econômicas podem chegar a até US$ 30 trilhões. “Nunca antes uma hora de retórica presidencial custou tanto a tantas pessoas”, afirmou o ex-secretário do Tesouro.

Além disso, bancos e consultorias dentro e fora de Wall Street começaram a rever os seus cenários para a economia, para as bolsas, com o temor de recessão nos EUA e no mundo ganhando força após as falas de Trump no icônico jardim. Ao menos até aqui, cerca de US$ 2,2 trilhões foram eliminados do valor dos mercados de ações globais, segundo o chefe de análise financeira da AJ Bell, Danni Hewson.

“No curto prazo, o pacote geral (de Miran) seria inflacionário e reduziria o crescimento”, diz o economista-chefe para os EUA do ABN AMRO, Rogier Quaedvlieg, ao comentar as medidas sugeridas pelo guru de Trump.

Publicidade

Na visão da Capital Economics, medidas mais extremas poderiam empurrar os rendimentos dos títulos públicos americanos para patamares muito elevados e respingar na reputação financeira dos EUA bem como no status do dólar como moeda de reserva. E não precisa nem colocá-lo todo em prática. Para o CEO do deVere Group, Nigel Green, somente as tarifas de Trump acendem o alerta para o dólar e colocam a credibilidade dos EUA “em jogo”.

“Por enquanto, achamos que uma adoção completa do ‘Acordo de Mar-a-Lago’ é improvável”, dizem os economistas da Capital Economics, Vicky Redwood, e Andrew Kenningham. Eles lembram, porém, que “nunca se pode dizer nunca” com Trump. A consultoria cortou a sua projeção para o S&P 500 neste ano de 7 mil pontos para 5,5 mil pontos, e além de Trump, também está mais cética com a inteligência artificial.

Comentários

Os comentários são exclusivos para cadastrados.