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‘Efeito Lula’ nos juros pode custar até R$ 120 bi ao ano para o Tesouro

Eventual adiamento no corte da Selic pelo Banco Central deve afetar também crescimento da economia, investimentos, emprego e consumo

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Foto do author José Fucs
Atualização:

Passados pouco mais de dois meses desde a vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições, em 30 de outubro, e apenas dez dias desde sua posse, analistas e executivos do mercado financeiro já começam a contabilizar o impacto do novo governo na economia – e o saldo, até agora, está no vermelho.

Além do déficit primário previsto no Orçamento aprovado pelo Congresso para 2023, de R$ 231,5 bilhões, decorrente principalmente da chamada PEC da Transição e de seus penduricalhos, o “efeito Lula” poderá gerar uma despesa extra ao Tesouro de até R$ 120 bilhões ao ano, segundo previsões de bancos e economistas, devido ao possível adiamento ou à desaceleração do corte na taxa básica de juros (Selic) e ao consequente aumento no custo de rolagem da dívida pública federal, calculada em R$ 5,9 trilhões.

“O governo Lula começou muito mal, porque está trazendo um custo adicional muito alto ao País”, diz o economista Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central (BC) e chairman da Jive Investments. “Se a gente começa o governo com um déficit tão grande, a curva de juros, que já é tão alta no Brasil, não vai cair”, afirma Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro e economista-chefe do banco BTG Pactual.

Mudança nas expectativas

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Até as eleições, a previsão quase consensual no mercado era de que, com a queda da inflação e o quadro fiscal relativamente controlado, o BC começaria a cortar a taxa, hoje de 13,75% ao ano, a partir do segundo semestre, reduzindo o custo com a rolagem da dívida, que consumiu cerca de R$ 600 bilhões no ano passado, de acordo com as projeções mais recentes.

No mercado futuro de juros, a previsão era de que a taxa básica chegasse em dezembro em 13% ao ano, 0,75 ponto abaixo do nível atual (veja o gráfico). Já o Boletim Focus, que apura a média das previsões dos bancos, apontava um corte maior. Em 28 de outubro, último dia útil antes das eleições, a estimativa era de que a taxa básica (Selic) estaria em 11,25% ao ano no fim de 2023, 2,5 pontos a menos do que hoje. Algumas instituições financeiras, como a XP Investimentos, chegavam a projetar um juro de “apenas” 10% ao ano em dezembro – 3,75 pontos abaixo da taxa atual – ou perto disso.

Agora, com as declarações de Lula sobre um suposto conflito entre a estabilidade fiscal e a responsabilidade social e com os primeiros movimentos do novo governo na economia, ampliando o estouro no teto de gastos registrado no governo Bolsonaro e gerando um déficit primário equivalente a cerca de 2,3% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano, cresceram as incertezas em relação à sustentabilidade das contas públicas, provocando uma mudança nas expectativas dos investidores.

Ações concretas

Apesar das afirmações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e da ministra do Planejamento, Simone Tebet, de que vão trabalhar dentro das restrições orçamentárias, para manter a dívida pública sob controle, a percepção é de que ainda faltam ações concretas nesta direção, para que a confiança possa voltar, eventualmente, ao nível anterior e o quadro atual se altere.

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“A única coisa concreta que a gente tem hoje é que se quer gastar mais”, diz Mansueto. “Em geral, sou uma pessoa otimista, mas o que aconteceu nas últimas semanas me assustou. O próprio presidente falou que se tiver que escolher entre responsabilidade fiscal e gasto social, vai escolher gasto social, como se fossem coisas antagônicas. Isso não existe. Países que conseguem ter políticas sociais consistentes são os que têm as contas em dia.”

Banco Central pode ter que manter juros em níveis elevados por mais tempo Foto: Dida Sampaio/Estadão

Hoje, no mercado futuro, a projeção é de que a Selic esteja em 13,6% no fim do ano, 0,6 ponto percentual a mais do que antes das eleições, conforme os dados da TradeMap, uma empresa de informações financeiras. Já o Boletim Focus mais recente aponta que a taxa chegará em dezembro em 12,25% ao ano, um ponto acima da média das previsões feitas em 28 de outubro. A XP, que era uma das casas bancárias mais otimistas antes do pleito, estima agora que a taxa ficará estável, nos atuais 13,75%, até o fim de 2023. As previsões para os próximos anos também subiram, elevando as projeções da dívida do setor público consolidado, que fechou 2022 em 74,5% do PIB, para mais de 80% do PIB.

Se esse quadro se confirmar, o aumento de custo do Tesouro para rolagem do estoque atual da dívida federal indexada à Selic, que representa 40% do total, segundo o BC, deverá alcançar entre R$ 15 bilhões ao ano, se levarmos em conta as projeções do mercado futuro antes das eleições e hoje, e R$ 90 bilhões ao ano, se consideradas as estimativas da XP e de outros bancos que previam uma queda maior nos juros. Se incluirmos na conta o gasto adicional com a emissão líquida de papéis que será necessária para financiar o rombo ampliado pela PEC, o total poderá roçar os R$ 120 bilhões por ano, equivalentes a 1,2% do PIB, pelos cálculos dos analistas.

Em 2023, como a manutenção da Selic em 13,75% no primeiro semestre já era esperada e como a previsão era de que o corte na taxa seria feito de forma progressiva só a partir de julho, o aumento efetivo de custo para o Tesouro, decorrente do adiamento ou da desaceleração da queda nos juros, deverá ser menor. É difícil, porém, antecipar um valor com precisão, porque ele vai depender do ritmo a ser efetivamente implementado pelo BC na gestão da política monetária e da taxa média que será formada ao longo do ano.

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“Existe uma incerteza muito grande que tem de ser resolvida com urgência”, afirma o economista Adriano Pitoli, responsável pela gestão do fundo de govtech da gestora de recursos KPTL “Essa incerteza já está afetando dramaticamente a atividade econômica e o risco de a gente mergulhar numa crise econômica é grande. Isso é muito sério.”

Custo do crédito

Embora o impacto dos juros altos seja mais evidente nas contas públicas, talvez porque o Tesouro seja o maior devedor do País, o efeito perverso da medida deverá se estender ao setor privado, afetando o crescimento da economia, os investimentos, o emprego e o consumo. Com o custo do crédito mais salgado, as empresas e as pessoas tendem a adiar projetos, esperando um momento mais favorável para realizá-los.

Ao mesmo tempo, as companhias mais endividadas podem ter o fluxo de caixa comprometido, para poder honrar suas dívidas. Nos últimos anos, com a dinamização do mercado de capitais muitas empresas de médio e grande portes captaram recursos na praça e estavam contando com a queda nas taxas no planejamento de suas atividades, mas agora estão sendo surpreendidas com a perspectiva de destinar uma quantia maior para o pagamento de juros.

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“A curva de juros pressionada desestimula o investimento e até leva a uma desvalorização cambial. As pessoas do setor privado já sentem uma paradeira na atividade econômica e economia com desempenho ruim não gera muito emprego”, diz o economista Samuel Pessôa, responsável pela área de pesquisa econômica da Julius Baer Family Office.

É certo, por enquanto, que esse custo extra ainda está no campo das hipóteses e o cenário pode mudar a qualquer momento, dependendo dos próximos passos do governo na área fiscal. No mercado futuro, por exemplo, a projeção para a Selic no fim de 2023 já chegou a 14,6% ao ano, 0,85 ponto acima da taxa atual e 1,6 ponto acima de projeção no fim de outubro, e depois recuou. Hoje, o que já pode ser colocado na conta de Lula de fato é o déficit primário de R$ 231,5 bilhões previsto no Orçamento deste ano.

“O custo adicional com a rolagem da dívida não está dado. Dependendo dos próximos movimentos do novo governo isso pode mudar abruptamente – ou não”, diz Pitoli. “Tudo que estamos dizendo não é obrigatório. É algo que pode se tornar real, mas pode tender a zero se a sociedade perceber que a estabilidade para o novo governo é para valer”, afirma Luiz Fernando Figueiredo.