RIO - Depois de tentar, entre 2018 e 2019, uma carreira de influencer do empreendedorismo – um pouco palestrante, um pouco consultor, um pouco youtuber –, o empresário Eike Batista submergiu. São três anos, desde agosto de 2019, longe das redes sociais e dos holofotes, apesar de seus 1,1 milhão de seguidores no Twitter. O início da submersão coincide com sua segunda prisão, que durou apenas um dia. De lá para cá, o ex-bilionário vem trabalhando para sair do inferno astral que dilapidou sua fortuna – em 2012, a sétima maior na lista global da revista Forbes. Hoje, com patrimônio bloqueado, o império empresarial reduzido a poucos e pequenos negócios e certo mistério sobre suas atuais fontes de renda, Eike, pai pela quarta vez em março, não vive mais o glamour de outrora, mas parece longe de passar necessidades, trabalhando e morando na mesma mansão de sempre, no Rio.
Apesar do sumiço das redes sociais, o empresário voltou ao noticiário econômico com maior frequência este ano, por causa da novela que se tornou o processo de falência da MMX, a mineradora do Grupo X. E, a partir da quinta-feira, 22, voltará ao showbiz. Sua cinebiografia chegará às telas dos cinemas de todo o País – Eike: Tudo ou Nada tem o ator Nelson Freitas no papel do empresário e teve o roteiro baseado no livro da jornalista Malu Gaspar sobre a ascensão e a queda de seu império empresarial.
O trabalho para sair do inferno astral passa pelo cumprimento do acordo de delação premiada – que inclui o pagamento de uma multa de nada menos do que R$ 800 milhões – firmado com a Procuradoria-Geral da República (PGR). A percepção de assessores financeiros que trabalharam recentemente com o empresário é que, apenas com as pendências criminais resolvidas ele poderá voltar a trabalhar em novos negócios. A volta por cima passa também por uma solução para a MMX, porque seu último ativo de valor mais elevado, um lote de títulos de dívida da mineradora Anglo American avaliado na casa de centenas de milhões, foi parar no processo de falência da companhia.
Os dois temas andam juntos, porque o processo de falência da MMX tomou os títulos das mãos de Eike logo após o empresário oferecer os papéis como garantia de pagamento da multa milionária do acordo de colaboração.
Contatos
Por isso, desde o ano passado, o empresário tem mantido contatos com envolvidos no processo de falência, principalmente por causa do processo de venda dos títulos da Anglo. Com seu tino para os negócios, busca investidores interessados em comprar as debêntures. Com sua habilidade de vendedor, vem fazendo contatos com envolvidos no processo para convencê-los que as debêntures têm sido ofertadas a “preço vil”, disseram fontes ouvidas sob condição do anonimato.
Eike chegou a ir a Belo Horizonte, no mês passado, na sede da vara do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) onde corre um dos dois processos de falência da mineradora. Foi à audiência judicial para abrir envelopes com os lances, num leilão dos títulos da Anglo, a terceira tentativa de vender os papéis no processo de falência da MMX. Ao lado de seus advogados, assistiu a mais um fracasso. Em seguida, a 1ª Vara Empresarial de Belo Horizonte do TJ-MG determinou uma quarta tentativa de vender as debêntures e recebeu uma proposta do banco BTG Pactual. O próprio Eike e a Argenta Securities, corretora que fez uma das propostas ao longo das quatro tentativas de venda, recorreram da decisão. O processo acabou suspenso por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Pelo menos dois interlocutores do empresário nos últimos meses destacaram, sob condição do anonimato, sua postura otimista diante dos problemas, apesar dos reveses na venda dos títulos da Anglo. Segundo uma dessas pessoas, Eike “está sempre pensando no futuro”, demonstra “muita vontade de voltar a empreender”, e mantém “estado de espírito positivo”.
Durante a tentativa de volta por cima como consultor e “influencer”, entre 2018 e agosto de 2019, Eike publicava vídeos motivacionais, dava entrevistas e garantia que tinha mais de dez projetos de negócios no forno. “Vou palestrar, mas já desenhei mais de dez empresas de US$ 1 bilhão. Desenhei minhas próximas dez”, disse Eike ao Estadão, em julho de 2019, quando se apresentou em um evento sobre empreendedorismo, em Florianópolis (SC), no qual foi recebido sob o grito de “ladrão!”. “São na área de mineração, onde sempre tive sucesso, não só no Brasil, mas também no Chile e nos Estados Unidos. Estou mexendo na área de nanotecnologia, química e de materiais, como o grafeno, que é o material do futuro”, completou o empresário.
Naquela entrevista, Eike falou sobre os “dez unicórnios”, numa referência às empresas nascentes que crescem rapidamente até valer ou faturar US$ 1 bilhão, mas desviou de perguntas sobre quanto investiu nos projetos, quanto atraiu em investimentos de terceiros ou sobre quantos profissionais trabalhavam com ele na ocasião. Fugiu também da pergunta sobre o que tinha de patrimônio para investir.
Um ano antes, em agosto de 2018, já havia falado nos novos projetos de negócios, em longo depoimento ao Conexão Repórter, do SBT. Numa reportagem que mostra seu cotidiano em meio a essa tentativa de volta por cima, abrindo as portas de sua mansão no Jardim Botânico, na zona sul do Rio, Eike relata uma situação de patrimônio dilapidado, mas garante que ganha “muito bem” com suas consultorias, o suficiente “para pagar as contas”. Em outro momento da entrevista ao SBT, chega a dizer que o trabalho de consultoria “vale” US$ 1 milhão por mês, porque “minha cabeça vale dinheiro”, mas não fica claro se esse valor é sua renda mensal.
Já em 2019, um mês depois da entrevista ao Estadão em Florianópolis, Eike voltaria a ser preso, em mais uma fase da Operação Lava Jato tocada pela Procuradoria Regional fluminense do Ministério Público Federal (MPF). Essa segunda prisão logo seria revogada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), segunda instância do caso, mas parece ter marcado o fim da carreira de consultor e influencer.
Também chamou a atenção para a necessidade de afastar de vez o fantasma de novas prisões, focando na negociação do acordo de colaboração premiada e no processo de recuperação judicial da MMX – em 2021, a mineradora teria a falência decretada. O acordo de delação seria firmado em março de 2020 e, em novembro daquele ano, homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por envolver políticos com prerrogativa de foro.
Renda
Desde então, há poucas informações sobre como Eike faz “para pagar as contas”. O Estadão questionou os advogados do empresário, por meio da assessoria de imprensa, sobre as atuais fontes de renda dele, mas não obteve resposta até o fechamento deste texto. Nos bastidores, advogados que deixaram de trabalhar com o empresário já relataram a existência de dívidas, enquanto outros trabalham na expectativa de receber honorários ao fim dos processos. Pelo menos um dos assessores financeiros que se sucederam na tentativa de deslindar os problemas também investiu recursos próprios e não tem esperanças de recuperar o dinheiro.
Do lado das receitas, ainda que os valores envolvidos em consultorias e novos negócios fossem inflados nas entrevistas de 2018 e 2019, é certo que o empresário se manteve como controlador da OSX e do restaurante Mr Lam, chinês mais renomado do Rio.
Após sair da recuperação judicial, a OSX opera com modelo enxuto. Da grandiosa fabricante de navios e operadora de sondas de exploração de petróleo do Grupo X, a empresa hoje vive da gestão da locação de áreas operacionais no Porto do Açu – a OSX seguiu gerindo a área arrendada para a construção do estaleiro que nunca saiu do papel, dentro do porto desenhado por Eike e hoje controlado pela Prumo Logística, uma sociedade do fundo americano EIG com o Mubadala, o multibilionário fundo soberano de Abu Dhabi.
A área arrendada pela OSX hoje é alugada para diversos clientes. No primeiro trimestre, registrou receita líquida de R$ 8,2 milhões, mas um prejuízo líquido de R$ 145,5 milhões. Deficitária, a empresa não tem repassado dividendos aos acionistas, incluindo Eike, nos últimos anos. Questionada se o empresário recebeu alguma outra forma de remuneração, a OSX informou que “não se pronuncia sobre sobre questões referentes a nenhum dos seus acionistas”.
Restaurante
Já o Mr Lam, fundado em 2006, mais como um capricho, algo pessoal, do que exatamente um negócio para dar lucro, sempre foi minúsculo perto dos números do grupo. Seu capital social, atualmente, é de R$ 8,2 milhões, conforme dados públicos da Receita Federal. Uma gota perto de uma fortuna que atingiu US$ 30 bilhões, em 2012, na lista da Forbes. Atualmente, o restaurante segue funcionando e atraindo clientes. Enfrentou dívidas trabalhistas, mas parece longe de problemas financeiros mais graves. Por outro lado, tampouco parece claro se rende lucro suficiente para repassar dividendos capazes de manter o padrão de vida de quem já teve bilhões de patrimônio. De qualquer forma, mantém um resquício de glamour no cotidiano de Eike, que continua frequentando o restaurante, cujos menus degustação giram em torno de R$ 300 por pessoa.
“Sempre vejo uma celebridade aí: o próprio Eike, [a jornalista] Glória Maria, [a socialite carioca] Narcisa (Tamborindeguy), [o compositor, instrumentista e apresentador de TV] Carlinhos Brown”, escreveu uma frequentadora, num comentário a uma postagem na conta oficial do Mr Lam, no último dia 10. A postagem era promocional, parte da divulgação corriqueira da casa. “Palco de jantares com grandes celebridades como Katy Parry, Jason Derulo, Avril Lavigne, Michael Keaton, Dana White, Rafael Nadal, Ashton Kutcher e Mila Kunis, Luciano Huck, Agélica, Anitta, dentre muitos outro, o Mr Lam funciona todos os dias a partir das 19:00h com seu clássico menu Chinês contemporâneo”, diz o texto.
Uma pessoa que já trabalhou com Eike disse, sob condição do anonimato, não duvidar que o Mr Lam possa render algum dividendo ao empresário, mas afirmou desconhecer os dados financeiros do restaurante. Essa fonte lembrou, contudo, que o estilo de vida do ex-bilionário ficou bem mais barato nos anos recentes. Proibido pelo Judiciário de viajar para o exterior, tendo se desfeito de helicópteros, jatinhos e iates, o empresário segue morando na mansão do Jardim Botânico. Encrustada numa colina aos pés do Corcovado, o local tem uma vista deslumbrante: de um lado, o Cristo Redentor; do outro, a Lagoa Rodrigo de Freitas, com a orla de Ipanema e Leblon ao longe. Na entrevista de 2018 ao SBT, disse estimar o valor do imóvel, construído por ele ao longo da vida, em R$ 30 milhões.
Eike vive na mansão com a esposa, a empresária Flávia Sampaio. Em março, nasceu Tyra, filha do casal, a primeira de Eike, que tem outros três filhos: Thor e Olin, com a ex-modelo Luma de Oliveira, e Balder, primogênito da união com Flávia, de 9 anos. O estilo de vida mais barato mencionado pelo ex-colaborador está longe de significar tempos difíceis. No Natal passado, Flávia postou em sua conta no Instagram um vídeo desejando boas festas aos seus 43,2 mil seguidores, com imagens da decoração da sala da mansão. É possível ver ursos de pelúcia espalhados por toda a ampla sala, enfeitando a árvore de Natal, o piano e a própria mesa de jantar. A mesa da ceia estava posta com louça e talheres para servir entrada, primeiro e segundo pratos, além de sobremesa. Guardanapos de pano, bolas de Natal e flores em vermelho davam o tom, contrastando com a louça e a toalha de tecido branco.
Flávia usa suas redes sociais para promover seu negócio, o PowerLook, rede de aluguel de roupas femininas para festas, cujos lucros também podem ser outra fonte de renda do casal. O modelo de negócios parte de um apelo ambiental. “O PowerLook foi criado para mulheres que gostam de moda, pensam consciente e entendem que não precisam gastar uma fortuna para ter um closet dos sonhos, afinal, quando você aluga, o vestido é seu pelo o tempo que você precisa”, diz um trecho do texto da seção “Quem somos” do site da empresa, que associa a marca ao nome da empresária e termina dizendo que Flávia “convida a todos a migrar para um modelo menos consumista e mais colaborativo, sem perder o glamour”.
Em 7 de março deste ano, Flávia publicou um vídeo de tom institucional, para comemorar os seis anos da empresa. Nas imagens de bastidores de uma sessão de fotos de moda, a empresária aparece ainda grávida. “Para empreender, você não pode ter medo, mas excesso de coragem, foco e dedicação. Só assim você transforma seu sonho em realidade”, diz Flávia num trecho do vídeo. “Orgulho de ser uma empresa feminina, fundada por mulher, que emprega mulheres que sonham e lutam por seus sonhos. Uma empresa democrática e que pensa consciente”, conclui a esposa de Eike, na narração em off do vídeo editado.
Na sexta-feira, 16, e no sábado, 17, publicou sobre sua participação na Expo Franchising ABF Rio 2022, feira de negócios organizada pela seção fluminense da Associação Brasileira de Franchising (ABF), aberta na última quinta-feira, 15. Nesses eventos, geralmente, empresas que utilizam o sistema de franquias para se expandir apresentam as oportunidades de investimento a pequenos empresários interessados em apostar numa unidade franqueada. Conforme o site, o PowerLook tem quatro lojas – três no Rio, uma em Manaus, embora Flávia tenha dito, em publicação dias antes da feira de negócios, que o total já chegava a sete unidades – e traz em seu site uma seção “Seja um franqueado”.
Com frequência, a própria Flávia aparece como modelo dos vestidos para alugar, exibidos em postagens na conta oficial da marca no Instagram. Na sexta-feira retrasada, dia 9, uma publicação mostra Flávia usando um vestido verde no Rock in Rio, festival que ocorreu no início do mês. “Nossa founder @flaviasampaio arrasou na escolha do look para o Rock in Rio. Em um mini dress de cor alegre, nossa boss aproveitou o festival com estilo e poder! Aprovado?”, diz a postagem.
Fora a promoção de sua empresa, as postagens de Flávia trazem também fotos e vídeos sobre a prática de exercícios físicos, maternidade e a família. Frequentemente, as postagens são feitas nos jardins da mansão do Jardim Botânico, com sua vista deslumbrante. Em 30 de maio, Flávia publicou um vídeo, editado ao som da música “Acorda, Pedrinho”, da banda Jovem Dionísio, executando uma série de exercícios ao lado de Tyra. As imagens começam com o personal trainer Diogo Pacheco segurando a bebê no colo. Em seguida, Flávia brinca com a filha, usando-a como “peso” para praticar os exercícios.
“O desafio da maternidade é sempre dar conta de tudo, seguir a nossa rotina e dos pequenos sem sair de perto deles. E vejo que sempre é possível e muito prazeroso. Fiz muito isso com o Balder bebezinho e agora é a vez da Tyra ‘malhar’ com a mamãe”, diz o texto publicado junto com o vídeo.
Eike praticamente não aparece nas publicações de Flávia – pelo menos nas fotos e vídeos permanentes, que não são do tipo stories, que não ficam armazenadas. Imagens do filho Balder são mais frequentes, em cenas cotidianas, comendo açaí e andando a cavalo. Para quem volta no tempo nas postagens de Flávia, uma exceção foi um vídeo publicado em 12 de março de 2016. “Para quem fala que eu nunca posto fotinho de você, ó”, diz Flávia, ao lado do marido, antes de dar um beijo em seu rosto. “Manda um beijo para os seguidores”, continua Flávia, no que Eike, um tanto constrangido, ainda ostentando cabelo, responde, acenando com a mão: “um beijo, um beijo”.
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