Em fevereiro de 2022 recebi um telefonema inesperado. Era a senadora Simone Tebet me convidando para coordenar o programa econômico de sua campanha. Fiquei animada. Estava cansada de eleições decididas na rejeição, no voto no menos ruim. Nunca tive qualquer vinculação com o MDB, partido da candidata, mas vi a possibilidade de entrar em uma campanha de forma diferente; apresentando propostas. Foram meses de trabalho intenso e muito produtivo.
No segundo turno, desanimei. Naquele momento, ainda havia uma percepção de que a democracia estava em risco, o que alavancou o apoio do centro. Lula passou raspando, mas ignorou a frente ampla. Simone foi além da declaração de voto, entrou de cabeça na campanha de Lula e acabou virando ministra.
Uma oportunidade perdida. Eu tinha esperança de surgir uma alternativa a Lula e Bolsonaro para 2026. Se mais quatro anos de Bolsonaro era impensável naquelas circunstâncias, hoje também me parece impensável um presidente com quatro mandatos em uma democracia plena, ainda que não consecutivos.
A declaração de Tabata a favor de Boulos repete o mesmo caminho. Daria no mesmo se fosse a favor de Nunes. Ela fez uma campanha correta nos debates e foi apoiada pelo centro liberal, verdadeiramente democrático. Sua neutralidade era fundamental para o fortalecimento de um movimento longe dos extremos, da direita e da esquerda. Se é que essa divisão ainda faz sentido. Hoje, diferentemente de 2022, a democracia não está em risco. E, se estivesse, não seria uma eleição para prefeito a salvá-la.
Todos se dizem cansados da polarização, mas imprensa, analistas, políticos e pesquisas insistem em demarcar o mundo entre lulistas e bolsonaristas. São opções que não servem para os que não admitem apoio a países que ignoram direitos das mulheres e comunidade LGBT+, ou a ditaduras, seja na Rússia ou na Venezuela, que esperam uma agenda ambiental séria e comprometida e desejam um Estado a serviço da sociedade e não dos aliados políticos. A neutralidade de Tabata ajudaria a reforçar que há um mundo possível fora do bolsopetismo.
A declaração de voto virou quase uma exigência cadastral: nacionalidade e voto definem a pessoa. Ignora-se que nulo ou branco faz parte do jogo e é uma posição importante e corajosa, na esperança de construir um futuro diferente. Em país onde voto ainda é obrigatório, branco ou nulo é o que resta aos que querem se livrar da polarização.
PS. As emendas Pix saíram vitoriosas nesta eleição. Será que afastar Musk das redes é garantia de um pleito realmente democrático?
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