Como o governo Lula tenta, na prática, reestatizar a Eletrobras

Derrubada do limite de 10% do poder de voto daria à União a capacidade de dar as cartas na empresa, o que inclui as indicações políticas na direção

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Por Redação
Atualização:

São Paulo - A privatização da Eletrobras, em junho do ano passado, foi um sucesso. Com a garantia de que a empresa passaria a ser gerida com a lógica privada, o que significaria principalmente o fim das indicações políticas na direção, os investidores, pessoas jurídicas e físicas, se animaram a colocar seu dinheiro na companhia - usando até recursos do FGTS. No final, a operação movimentou cerca de R$ 34 bilhões.

A confiança dos investidores vinha do fato de que, no desenho da privatização, ficou definido, pelo Congresso Nacional, que nenhum investidor poderia ter mais de 10% do poder de voto na empresa, independentemente do número de ações que detenha. Na prática, a empresa não tem um controlador, o que garante que a administração tenha de responder a todos os sócios. É o modelo conhecido como “corporation”, já testado com sucesso no Brasil em uma outra ex-estatal, a Embraer.

Eletrobras levantou mais de R$ 30 bilhões com privatização no ano passado Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Mas é isso que o governo Lula, menos de um ano após um processo bem-sucedido, tenta mudar. Em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) enviada ao Supremo Tribunal Federal na sexta-feira, 5, questiona essa regra que limita o poder de voto a 10%, uma vez que a União detém 43% da companhia. Na prática, o que o governo tenta é uma reestatização da empresa, uma vez que, se o poder de voto volta a ser equivalente ao número de ações, seria ele novamente quem daria as cartas na companhia. O que incluiria a indicação das diretorias e dos presidentes das subsidiárias, como a Chesf, Furnas e Eletronorte - cargos ao longo do tempo disputados acirradamente pelos políticos.

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No sábado, 6, em Londres, Lula disse que não considera justo o governo ter limite de voto na empresa, apesar da participação acionária de 43%. Mas disse que essa ainda não é a ação que questiona a privatização da empresa. Essa, ele afirmou que ainda vai mandar ao Supremo.

Para analistas, no entanto, é isso que ele já está fazendo. “Embora o governo tenha reiterado que o objetivo do processo não é solicitar a ‘renacionalização’ da Eletrobras, remover o limite de 10% dos votos daria a ele poder suficiente para dar as cartas na empresa - o que seria exatamente o oposto do motivo pelo qual os investidores optaram participar (da operação de privatização)”, disseram, em relatório, os analistas do BTG Pactual João Pimentel, Gisele Gushiken e Maria Resende.

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“Os investidores participaram da oferta porque ela deu a oportunidade de investir em uma empresa muito melhor administrada, com grande espaço para crescimento com disciplina de capital e influência limitada do governo (ou de qualquer acionista individual). Por isso, o limite de 10% dos votos foi fundamental para o sucesso da operação. Sem ela, o custo de capital exigido pelos investidores para participar seria muito maior, o que provavelmente levaria ao insucesso do processo”, escreveram os analistas.

Os investidores participaram da oferta porque ela deu a oportunidade de investir em uma empresa muito melhor administrada

João Pimentel, Gisele Gushiken e Maria Resende, analistas do BTG Pactual

Para eles, a tentativa do governo, porém, deve enfrentar obstáculos. Um provável embaraço viria do fato de que há grandes chances de o processo parar nas mãos do ministro Kassio Nunes Marques, relator de diversas ações que contestam a privatização da Eletrobras e para as quais não concedeu liminar. “Se a Justiça decidir que todos os processos sobre o mesmo tema devem necessariamente ir para Marques, o governo provavelmente enfrentará resistência”, escreveram.

Os analistas também lembraram que, recentemente, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, reforçaram a legalidade do processo. “Tentar contornar essas instituições e decisões já aprovadas por meio de processos democráticos é um precedente preocupante não só para o setor, mas para outras empresas privadas e reguladas”, disseram.

Quebra de contrato

Para Antonio Junqueira, analista do Citi, o que o governo está tentando fazer constitui uma quebra de contrato, que pode ter efeitos maléficos para toda a economia do País. “Comprometer-se com contratos assinados por dirigentes anteriores dos quais se discorda é justamente o que faz de um país um bom lugar para alocar dinheiro de longo prazo (fundamental para investimentos em infraestrutura, que melhora diretamente a qualidade de vida de todos os brasileiros)”, disse.

Segundo ele, a economia de nenhum país se beneficia de quebras de contratos. “Que tipo de insegurança isso criaria para todos os outros investimentos? Quando os contratos são quebrados, tudo é possível”, disse.

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Na mesma linha, o analista Rafael Nagano, do Credit Suisse, destaca que, conforme a Lei das S/A, nenhum direito ou cláusula estatutária que proteja os acionistas pode ser alterado sem o devido processo de votação em Assembleia Geral de Acionistas. “Desta forma, tal questionamento afetaria outras empresas listadas e não apenas a Eletrobras com um aumento da percepção de risco”, afirmou.

Nesse contexto, disse Siqueira, a expectativa do Citi é que o STF não altere nada relacionado à privatização da companhia. “A Suprema Corte brasileira tem agora, em mãos, a oportunidade de manter a antiga fama do Brasil de se comprometer com os contratos que assina.”

‘Direitos políticos’

De acordo com o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, o governo buscou “restabelecer os direitos políticos da União” ao entrar com ação no STF para tentar rever parte do modelo de privatização da Eletrobras. Segundo ele, apesar de o processo não discutir o mérito da desestatização, isso não impede que o debate sobre o tema continue no governo. O ministro ponderou, contudo, em entrevista à CNN Brasil, que uma tentativa de reverter a privatização não está em “pauta no momento”.

Silveira justificou a ação do governo afirmando que o setor elétrico é estratégico para o País e precisa de “mão firme do Estado” para atender os interesses da população, como uma precificação justa da energia. Por isso, criticou o modelo de privatização da estatal. Para Silveira, o formato é “desequilibrado”. “É injusto que pequeno grupo de acionistas possa ter controle de empresa estratégica como Eletrobras. Inadmissível que União tenha 43% das ações e poder votante de até 10%”, disse, sobre as críticas de que o movimento do governo causa insegurança aos investidores. “É pacífico dentro do governo que tenhamos o direito de buscar no Judiciário essa discussão.”

Discussão gera desvalor, diz Pacheco

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), porém, disse discordar da ação do governo. Ele lembrou que a capitalização da empresa foi aprovada pelo Congresso Nacional e que é necessário “aceitar essa realidade”. “Consideramos essa (privatização da Eletrobras) uma realidade do Brasil, era muito importante que se pudesse aceitar essa realidade para valorizar a Eletrobras. A discussão sobre capitalização acaba por gerar algum desvalor para empresa”, apontou Pacheco em entrevista a jornalistas, após participar de reunião da diretoria da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

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O presidente do Senado disse ainda que é preciso superar pautas que foram aprovadas pelo Congresso. “Considero que era importante nós termos a aceitação dessas questões que foram aceitas no Congresso e buscarmos incrementar novidades no Brasil”, disse, ao citar medidas como arcabouço fiscal e reforma tributária. /Luciana Collet, Ludmylla Rocha, Amanda Pupo, Bruno Luiz e Matheus de Souza

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