Desde opções para reuso de água até mecanismos para economia de energia, os eletrodomésticos têm grande potencial para guiar o consumidor na formação de hábitos mais sustentáveis de consumo, segundo o CEO da Electrolux, Leandro Jasiocha. Esse potencial é ainda mais visível quando é considerado o amplo nível de presença e uso desses produtos nas casas dos brasileiros. Dados da PNAD Contínua divulgados pelo IBGE em dezembro mostram, por exemplo, que a geladeira está em 98,2% das casas no País. A máquina de lavar, em quase 70%.
Para Jasiocha, a capilaridade dos eletrodomésticos não pode ser ignorada pela indústria quando se fala em estratégias de sustentabilidade. Ele diz que o consumidor anseia por orientações e soluções que possam ajudá-lo na prática, tanto no uso mais eficiente quanto no descarte correto dos produtos quando perdem a utilidade.
Segundo o executivo, a estratégia tem sido adotada de forma crescente pela companhia, que tem utilizado, por exemplo, inteligência artificial em alguns modelos de refrigerador para otimizar o funcionamento conforme os hábitos de utilização. O surgimento de mais exemplos de tecnologia para eficiência são esperados por Jasiocha para a 30.ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-30), que ocorrerá em novembro deste ano, em Belém (PA).
Até a COP-30, o Estadão publicará uma série de entrevistas semanais para discutir problemas e soluções para a sustentabilidade e a transição climática nos mais diversos setores da economia, e as expectativas dos principais representantes do setor empresarial e da economia sobre o evento.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
A Electrolux constatou, por meio de estudo, que 86% do impacto climático de um eletrodoméstico ocorre durante seu uso. Como tem sido esse trabalho da companhia para produzir produtos mais eficientes nesse aspecto?
Muitas vezes se pensa que o impacto está dentro da operação, mas a maior parte está fora. O que fazemos é olhar para o ciclo de vida do produto desde sua concepção. Temos um programa global chamado “For the better”, “Para o melhor”, em português. Ele é sustentado em três grandes pilares. O primeiro é termos operações sustentáveis não só no sentido ambiental, mas também no social. O segundo pilar é o de soluções sustentáveis, é onde entram os nossos produtos e serviços com entrega de sustentabilidade. Sabemos que o consumidor se interessa pelo tema, ele quer ser mais sustentável, só que não sabe como. Então, os nossos produtos precisam suprir essas necessidades. E o terceiro pilar é o que chamamos de hábitos de consumo, com o papel de ajudar o consumidor a encontrar hábitos mais sustentáveis, seja na preservação da comida para evitar desperdício, seja no cuidado com a roupa.
Essa comunicação com o consumidor aponta que é possível uma relação de negócios cada vez mais incorporada às questões ambientais?
Sim, totalmente. Dentro da companhia costumamos dizer que não temos de ter uma estratégia de sustentabilidade, a nossa estratégia tem de ser sustentável. Uma estratégia sustentável significa entregar as necessidades do consumidor, mas manter a viabilidade econômica da empresa. É papel nosso fazer esse desenvolvimento, (saber) como nós mantemos o negócio viável economicamente, sem que isso seja uma desculpa para nós não trabalharmos a sustentabilidade. Obviamente, existem restrições que não permitem entregar todas as soluções que gostaríamos. É uma evolução constante de tecnologia que requer muita inovação. Existem soluções de entrega de sustentabilidade que, sim, são mais caras, até porque geralmente a escala é menor. Então, se começa com um custo mais alto e esse custo vai melhorando ao longo dos anos, com eficiência e com escala.
Então há produtos mais difíceis para o alcance de uma eficiência energética?
Alguns materiais são mais desafiadores e de mais alto investimento, outros menos. Sim, temos desafios ainda bastante grandes para encontrar soluções. Temos produtos que usam combustível fóssil, mas por uma limitação tecnológica. Existem tecnologias que são mais difíceis para achar alternativas, algumas requerem não só recurso financeiro, mas conhecimento e tempo para se chegar a uma solução.
A companhia planeja neutralizar as emissões de carbono da sua operação até 2033 e, desde 2020, o atingimento da meta climática faz parte da remuneração variável dos executivos da companhia. Como tem funcionado esse tipo de critério?
Boa parte dos executivos da organização tem uma parcela da sua remuneração atrelada a metas de sustentabilidade, especificamente à emissão de carbono. Isso faz com que haja a ambição estratégica de fazer, mas também que os executivos saibam que isso faz parte dos seus objetivos por ser um trabalho conjunto da empresa, não só de uma área. O programa varia conforme o pacote de remuneração do executivo, mas ele impacta especificamente na remuneração de longo prazo. E o peso que nós estamos dando em sustentabilidade é de até 20% desse pacote.
O sr. acredita que esse tipo de estratégia, adotada por empresas em geral, pode ser eficiente para se atingir essas metas?
Ela tem se provado eficiente. Nós tínhamos o objetivo de reduzir até 80% das emissões de carbono até o ano de 2025 e 25% das emissões na fase de uso no mesmo ano. A Electrolux atingiu essa meta com três anos de antecedência. Para mim, isso é um exemplo do quão bem sucedida é a conexão entre estratégia e remuneração, porque dá foco, as pessoas entendem a mensagem e vão atrás das ações necessárias para fazer acontecer.
No Brasil, quais os principais entraves encontrados pelo setor em sustentabilidade?
Entregar sustentabilidade é um processo de evolução contínua. Quando olhamos a cadeia de valor toda, desde os fornecedores à venda e uso, temos alguns desafios. O primeiro passa por desafios tecnológicos. Hoje, no Brasil, muitas vezes a solução mais sustentável custa mais caro do que fora do País, por questões de escala e outras de maturidade do mercado. Encontramos ainda no mercado de matérias-primas e componentes algumas restrições maiores do que geralmente há nos mercados mais maduros, como o europeu. Um outro ponto importante é a circularidade, pois também somos responsáveis por ajudar a dar tratativa para produtos que precisam ser destinados a algum local. Tem uma questão de hábito que temos trabalhado, que a partir do momento em que o consumidor queira se desfazer de um produto, que possa usar os canais corretos, e a Electrolux disponibiliza hoje esse serviço. Isso requer infraestrutura, requer investimento, mas também requer mudanças de hábitos.
Tem sido fácil conseguir reduzir o uso de plástico virgem nos eletrodomésticos?
Comparado com mercados mais maduros, temos uma maior dificuldade de encontrar materiais reciclados a custos viáveis no momento. Na Electrolux, temos processos internos que ajudam a aumentar a quantidade de uso de material reciclado, como pegar sobras de material e reaproveitar internamente. (Mas) é ainda o grande desafio da indústria.
O sr. fala em mercados mais maduros. Isso quer dizer que a Electrolux encontra um espaço mais favorável para ser mais sustentável em outros países em comparação com o Brasil?
Não é que um lugar vá ser mais sustentável do que o outro. As operações e os produtos da América Latina estão em níveis de sustentabilidade em padrão mundial. Não tem uma situação em que no Brasil as operações e produtos sejam menos sustentáveis. Eles são tão sustentáveis quanto, e em alguns casos até mais do que fora do Brasil. E isso é possível porque a gente vai encontrando soluções alternativas. Às vezes, não temos a mesma disponibilidade de material reciclado aqui comparado com o mercado europeu, por exemplo, mas, por outro lado, a nossa matriz energética é muito mais limpa do que a europeia. Então, as nossas operações, que são hoje geridas com 100% de energia renovável, acabam sendo muito mais sustentáveis do que as operações mundo afora.
O que o sr. espera que a COP-30 possa trazer para acelerar a jornada de sustentabilidade no setor?
O Brasil está muito bem posicionado para se firmar no cenário mundial como um país que entrega sustentabilidade, que está preocupado com sustentabilidade e que vai continuar trabalhando com todos os seus agentes, públicos e privados, para buscar cada vez mais soluções sustentáveis. Olhando para os avanços que ocorreram na COP-29, principalmente no sentido de legislações mais favoráveis à sustentabilidade, vemos avanços começando a acontecer, por exemplo, no mercado de carbono. Existem avanços que são consequências das COPs anteriores e com a COP-30 não vai ser diferente. Ela vai continuar tocando em pontos mais críticos de alinhamento de ambições de todos os países e encontrar as políticas e as legislações que devem ser evoluídas e mudadas para facilitar ainda mais a evolução tecnológica, de uma maneira viável economicamente. A COP-30 é um bom momento para um maior grau de clareza de quais são as ações necessárias para a gente atingir os objetivos que remetem ao Acordo de Paris. A Electrolux vai estar presente, porque acreditamos que esse evento vai gerar novas ideias, novos avanços e um foco ainda maior em melhorar políticas e legislações.
E o que o setor de eletrodomésticos vai poder deixar de legado no evento?
O setor de eletrodomésticos é um setor que tem muito alcance. Todo mundo em casa tem um eletrodoméstico ou mais de um e interage com ele praticamente todos os dias. Então, o setor é capaz de influenciar hábitos de uso, de consumo e de comportamento. Essa é a grande contribuição do segmento. O setor entende o hábito do consumidor e esse conhecimento é fundamental para o contexto. O consumidor pede ajuda para saber como ser mais sustentável. É papel das empresas prover ferramentas e soluções para ajudá-lo a ajustar e mudar esses hábitos.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.