Em meio à desconfiança global em relação à gestão ambiental brasileira por parte do governo, os empresários voltam a se posicionar sobre o tema. Presidentes de 105 grandes empresas nacionais e estrangeiras e de dez entidades setoriais assinaram uma carta defendendo objetivos climáticos ambiciosos e o protagonismo do País nas negociações do clima. Antecipado com exclusividade pelo Estadão/Broadcast, o documento será apresentado ao governo brasileiro e levado para a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, a COP26, marcada para novembro, em Glasgow, na Escócia.
O tamanho das empresas que subscrevem o documento é um indicativo da importância que a questão ambiental tem para a economia brasileira. Apenas as 46 empresas desse grupo que têm capital aberto somam quase R$ 1 trilhão em faturamento. Assinam o documento CEOs como Octavio de Lazari Júnior (Bradesco), Lorival Luz (BRF), Marc Reichardt (Bayer), Fabio Faccio (Renner), Marcelo Melchior (Nestlé), André Lopes de Araújo (Shell), Daniel Mazini (Amazon), Christian Gebara (Vivo), João Paulo Ferreira (Natura) e Marcelo Araujo (Ipiranga).
Chamada de “Empresários pelo Clima”, a iniciativa liderada pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) ocorre em meio a uma série de movimentos do setor privado para se blindar do posicionamento ambiental do governo de Jair Bolsonaro. Diante de ameaças, por parte dos estrangeiros, de retirada de investimentos e boicote aos produtos brasileiros, lideranças empresariais têm manifestado publicamente preocupação com o desmatamento e cobrado medidas.
“Objetivos climáticos ambiciosos correspondem à nossa convicção de que o Brasil deve buscar o protagonismo nas negociações de clima. Esse é o papel compatível com a nossa tradição de integridade climática”, afirma um trecho da carta. “O Brasil deve manter a sua centralidade nesse diálogo, sob pena do enorme prejuízo ao setor produtivo e à sociedade brasileira.”
A presidente do CBEDS, Marina Gross, que foi negociadora em conferências sobre o clima no fim dos anos 90, explica que o conselho tem alertado internamente ao governo sobre como seu posicionamento tira recursos das empresas. “Na carta, estamos dizendo ao governo: ‘por favor, avance, pois nós vamos dar a retaguarda’. Para fora do Brasil, estamos mostrando que o País tem grandes empresas e instituições, com um peso grande do PIB, fazendo a coisa certa.”
Baixo carbono
No documento, empresários defendem medidas para uma economia de baixo carbono e assumem responsabilidades. Eles lideram empresas que adotam medidas para redução e compensação das emissões de gases causadores do efeito estufa (GEE), precificação interna de carbono, descarbonização das operações. Os executivos pedem um arcabouço político-regulatório que apoie essa trajetória, com “ações eficazes para o fim do desmatamento ilegal e a conservação do meio ambiente”.
O Brasil emitiu, em 2019, 2,1 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (GtCO2e), sendo que 44% dessas emissões foram decorrentes do desmatamento. Marina explica que 98% desse desmatamento no País é ilegal. “O desmatamento ilegal é o nosso elefante na sala, que acontece sobretudo no bioma da Amazônia, e isso tem de acabar. Isso não traz desenvolvimento”, afirma.
Em recente discurso na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, Bolsonaro divulgou, porém, dados imprecisos sobre meio ambiente e a Amazônia, o que prejudica ainda mais a imagem do País no exterior.
Tito Martins, presidente da mineradora Nexa (ex-Votorantim Metais), é um dos executivos que assinaram a carta. Segundo ele, o documento reafirma que o setor econômico apoia a necessidade de olhar a questão da Amazônia e da emissão de carbono de forma séria e prática. “Se não participarmos disso ativamente, seremos cobrados por clientes, fornecedores e diferentes ‘stakeholders’. E vamos perder, do ponto de vista de negócio e econômico”, afirma o executivo.
Denise Hills, diretora de sustentabilidade de Natura, diz que estar alinhada com a agenda global e fazer esforços para endereçar a emergência climática é, além de uma obrigação moral, um imperativo econômico. “Os ganhos para o Brasil, entretanto, não serão só em termos financeiros, mas também socioambientais e reputacional”. Glaucimar Peticov, diretora executiva do Bradesco, acrescenta que a carta reforça a “importância do comprometimento mais amplo da sociedade e de uma ação conjunta em prol de objetivos climáticos ambiciosos”.
Marina entregou a carta, ainda sem as assinaturas, para o presidente da COP26, Alok Sharma, durante visita ao Brasil, realizada em agosto. Os organizadores tentam apresentar o documento ao governo brasileiro. Há pedidos de encontro com o ministro das Relações Exteriores Carlos França e os ministros Joaquim Leite (Meio Ambiente), Paulo Guedes (Economia) e Tereza Cristina (Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Marina diz que tem recebido sinalizações positivas para o encontro.
Leia a íntegra da carta:
Posicionamento empresários pelo clima
"O mundo precisa, com urgência, caminhar para uma economia de baixo carbono e o setor empresarial no Brasil reconhece sua responsabilidade nessa transformação. Sobre as bases do compromisso, da ciência e da inovação, as empresas estão respondendo ao chamado expresso no Acordo de Paris, que, em 2015, conferiu ao setor produtivo protagonismo na defesa contra o agravamento e os efeitos das mudanças climáticas, em parceria com a sociedade civil e governos.
O Brasil tem vantagens comparativas extraordinárias na corrida para alcançarmos uma economia de emissões líquidas de carbono neutras, valendo-nos dos nossos múltiplos recursos naturais e da capacidade de nosso povo. Para isso, devemos desenvolver um arcabouço político-regulatório que apoie essa trajetória dentro de um compromisso firme com ações eficazes para a preservação do meio ambiente e o cumprimento das metas de combate ao desmatamento ilegal. Essa é uma oportunidade única do Brasil ser competitivo e melhorarmos as condições de vida da população, alinhados com as novas prioridades em torno das quais o mundo está se movimentando.
É possível trazer escala à inovação e às boas práticas e planejar estrategicamente para que o Brasil realize rapidamente o seu potencial de crescimento sustentável e alinhado com os objetivos de combater a mudança climática e proteger a biodiversidade. O setor empresarial brasileiro está engajado na recuperação do país dos efeitos da Covid-19, promovendo uma retomada verde (green recovery) fundada em bases de economia circular, de baixo carbono e de inclusão. Os CEOs signatários deste documento têm assumido posições e trabalhado por esse avanço em todo o país.
Às vésperas da COP de Glasgow, o momento é de ação, com vistas a evitar o aquecimento global para além de 1,5º C em relação ao período pré-industrial. Por isso, as empresas no Brasil já vêm adotando medidas para a redução e compensação das emissões de gases causadores do efeito de estufa (GEE), precificação interna de carbono, descarbonização das operações e cadeias de valor, investimentos em tecnologias verdes e estabelecimento de metas corporativas ambiciosas de neutralidade climática até 2050.
Uma transição célere para o baixo carbono é possível e desejada pelo setor produtivo brasileiro. Segundo estudo recente, apoiado pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), é possível reduzirmos as emissões de GEE em até 42% no Brasil já em 2025, em relação aos níveis de 2005.
Para atingirmos essa meta, são importantes os avanços representados pelo RenovaBio, nossa recém-aprovada política de pagamento por serviços ambientais – PSA, futuro mercado regulado de carbono no Brasil, bem como o esforço para o reconhecimento global da experiência e contribuição brasileiras para a mitigação das emissões líquidas de gases do efeito estufa, inclusive com soluções baseadas na natureza. Assim, consideramos crucial o aprofundamento da discussão entre o setor privado, a sociedade civil e o governo brasileiro sobre a posição brasileira em relação ao Artigo 6° do Acordo de Paris.
Objetivos climáticos ambiciosos correspondem à nossa convicção de que o Brasil deve buscar o protagonismo nas negociações de clima. Esse é o papel compatível com a nossa tradição de integridade climática, presente na decisão do país em assumir uma contribuição nacionalmente determinada (NDC) para o combate à mudança climática relevante e não condicionada, e de construção de consensos internacionais que tem caracterizado nosso país. O Brasil deve manter a sua centralidade nesse diálogo, sob pena do enorme prejuízo ao setor produtivo e à sociedade brasileira. Acreditamos que as discussões dos mecanismos de apoio ao objetivo de carbono neutro previstos no Acordo de Paris, a serem conduzidas em Glasgow, são uma oportunidade de estimular a economia mundial, abrindo fronteiras e alinhando esforços, para a inclusão dos países de todos os níveis de renda, com estímulo à inovação e atenção à integridade no combate ao aquecimento global.
Para dar concretude aos esforços na direção de uma economia de carbono neutro, apoiamos a aderência a metas baseadas em conceitos científicos (Science Based Targets) e práticas de transparência financeira (Task Force on Climate-Related Financial Disclosures), com a adoção de mecanismos de financiamento para a promoção da transição climática e o combate integral e inequívoco ao desmatamento ilegal da Floresta Amazônica e de outros biomas brasileiros.
É preciso, ainda, a adoção de regras que possibilitem o desenvolvimento de mercados de carbono voluntário e regulado no Brasil – com práticas de transparência na contabilização das emissões e sua conexão com mercados mundiais, assegurando a qualidade ambiental e integridade dos créditos de carbono a serem comercializados e cooperando para a criação de um mercado de carbono global no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (UNFCCC).
Devemos construir uma trajetória orientada para um futuro de claros objetivos climáticos, sob pena de sermos excluídos de uma nova ordem climático-econômica que se consolida diante dos nossos olhos, o que seria injustificável para um país como o Brasil.
O setor empresarial brasileiro convida, portanto, toda a sociedade e atores políticos que apoiem o engajamento do Brasil nessa nova realidade global de economia climática, por meio da retomada verde da economia e da participação ativa na Conferência de Glasgow e em seus preparativos. Assim poderemos reafirmar nossa inserção internacional e construir um melhor legado ambiental, social e econômico, com menos desigualdades e melhores condições de vida, para essa e as próximas gerações."
Conselho de Líderes CEBDS
Assinam a carta: Cláudio Ribeiro – 2WEnergia Cátilo Cândido – Abralatas Leonardo Framil – Accenture Clarissa Sadock – AES Brasil Otavio Carvalheira – Alcoa Judiney Carvalho de Souza – Amaggi Daniel Mazini – Amazon Izabel Cristina Andriotti Cruz de Oliveira – Ambipar Apple Elizabeth Garcia – Approach Comunicação Karin Marangoni Ferrara Formigoni – Arcadis Gilson Finkelsztain – B3 Gabriel Ferreira – Banco BV Alfredo Pinto – Bain & Company Marc Reichardt – Bayer Francisco Mussnich – BMA Jorge Sant’Anna – BMG Seguros Ricardo Guimarães – BNP Paribas Besaliel Soares Botelho – Bosch Mario Lindenhayn – BP Octavio de Lazari Júnior – Bradesco Roberto Simões – Braskem Lorival Luz – BRF Teresa Vernaglia – BRK Ambiental Luiz Ildefonso Simões Lopes – Brookfield Erasmo Carlos Battistella – BSBIOS João Ney Colagrossi Filho – Camargo Corrêa Infra Paulo Sousa – Cargill Brasil Stéphane Maquaire – Carrefour Brasil Ricardo Rodrigues de Carvalho – CBA Philippe Ryser – Ceptis Mariano Vela – Chevron Antonio Trindade – Chubb Sergio Rhein Schirato – Daemon Altair Rossato – Deloitte Javier Constante – Dow Mauricio Adade – DSM Orson Ledezma – Ecolab Jean-Emmanuel Seixas – Egis Francisco Gomes Neto – Embraer Ricardo Perez – Energisa Pedro Zinner – Eneva Maurício Bähr – Engie Veronica Coelho – Equinor Paulo Henrique Pereira dos Santos – ERM Luiz Sérgio Vieira – EY Rafael Davidsohn Abud – FS Ulisses Sabará – Grupo Sabará Frederico Pinheiro Fleury Curado – Grupo Ultra Gustavo Henrique Braga Couto – Grupo Vamos Ricardo Emmerich – Hewlett Packard Enterprise José Paiva – Hitachi ABB Cláudio Raupp Fonseca – HP Leonardo Furquim Werneck – Icare Katia Vaskys – IBM Brasil Marcelo Araujo – Ipiranga Gilberto Tomazoni – JBS Ramon Alcaraz – JSL Daniel Klabin – Klabin Luiz Dematte – Korin Fernanda Barroso – Kroll Murilo Parada – LDC Philip Cassou – Lexmark Fabio Adegas Faccio – Lojas Renner Thiago Luiz Trecenti – Lwart Roger Laughlin – Makro Miguel de Souza Gularte – Marfrig José Carlos Rapacci – Mars Petcare Estanis Bassols – Mastercard Roberto Quiroga Mosquera – Mattos Filho Feliciano Almeida – Michelin Renato Horta Franklin – Movida João Paulo Ferreira – Natura Marcelo Melchior – Nestlé Tito Botelho Martins – Nexa Valter Taranzano – Nidec Sandro Linguinho de Oliveira – Norflor Irlau Machado Filho – Notredame Intermédica Juliana Azevedo – P&G Marco Castro – PwC Berson Araujo Cajueiro – Queiroz Galvão Adriana Aroulho – SAP Marco Matias – Schneider Electric André Loes de Araújo – Shell André Clark – Siemens Energia Pablo Fava – Siemens Fernando Simões – Simpar Raphael Denadai – SKY Altair Moreira – Socicam Adriana Waltrick – SPIC Brasil Winston Fritsch – Struttura Desenvolvimento e Financiamento de Projetos e WF Consultores Walter Schalka – Suzano Luana de Brito Costa Duffé – TechnipFMC Paulo Kruglensky – Vivara Christian Mauad Gebara – Vivo Paulo Alvarenga – Thyssenkrupp Jean-Urbain Hubauy – Ticket Log Fernando Serec – Tozzini Freire Helio Magalhães – UBS Marcos Bicudo – Vedacit Marcelo Castelli – Votorantim Cimentos João Schmidt – Votorantim Felipe Bittencourt – Way Carbon Jain Lorenzatto – West Rock Olaf Hektoen – Yara Edson Franco – Zurich
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