Gradiente aposta em briga com a Apple pela marca iPhone para tentar se reerguer

Companhia, que registrou a marca ‘iPhone’ no Brasil, trava disputa com a gigante americana por royalties pela marca há cerca de uma década; no entanto, PGR deu parecer favorável à Apple na semana passada

PUBLICIDADE

Publicidade
Foto do author Elisa Calmon
Atualização:

A disputa judicial entre a Apple e a Gradiente pelo uso da marca “iPhone” no Brasil ganhou um novo capítulo após a Procuradoria-Geral da República (PGR) divulgar parecer favorável à gigante americana no fim da semana passada. A briga ocorre enquanto a fabricante nacional de eletrodomésticos busca se reerguer. A companhia está em recuperação judicial desde 2018.

PUBLICIDADE

Hoje, a principal receita da companhia, agora chamada de IGB Eletrônica, vem da locação e administração de imóveis em seus três parques industriais na Zona Franca de Manaus. Apesar de ter perdido nas outras instâncias, a companhia segue apostando em uma decisão favorável no julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ainda sem data marcada. A vitória da brasileira é considera improvável por especialistas.

A Gradiente, comandada pelo executivo Eugênio Staub, foi uma força dos eletroeletrônicos no Brasil até os anos 1990, mas começou a decair depois que o país se abriu às exportações, no governo Collor. Desde então, a companhia, conhecida especialmente pelos aparelhos de som e de TV, já tentou várias novas linhas de produtos para se reerguer – sem sucesso até aqui.

Gradiente chegou a lançar seu próprio iphone, mas negócio não foi adiante  Foto: Filipe Araújo/Estadão

Para comprovar a propriedade intelectual, a brasileira argumenta que registrou o nome “G Gradiente iphone” ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) no ano 2000, ainda que a autorização do órgão só tenha vindo em 2008. O primeiro aparelho com essa nomenclatura foi lançado pela Apple nos Estados Unidos, em 2007. “A lei brasileira diz que a marca está protegida desde o depósito do pedido. A Apple vem ganhando até agora, mas o caso ainda não acabou e estamos otimistas”, diz o advogado representante da IGB, Igor Mauler Santiago.

Publicidade

Sucessão de derrotas

Por enquanto, esse argumento não tem reverberado nos tribunais. A tese da Apple, que foi acatada em todas as instâncias até aqui, é de que iPhone é um nome descritivo. Além disso, a empresa diz já fazer o uso do prefixo, em letra minúscula, para seus produtos anteriores desde 1998, como iPod, além de se tratar de uma marca mundialmente conhecida. Em parecer divulgado na sexta-feira, 15, a PGR avaliou que a concessão pelo INPI não pode estar restrita unicamente ao requisito da anterioridade, ou seja, quem solicitou primeiro.

Em março de 2022, o supremo decidiu que iria votar a matéria, mas não há prazo determinado para que isso aconteça. Mauler estima que o julgamento ocorra em até cinco anos. Apesar do otimismo da Gradiente, a expectativa de advogados da área é que o STF siga na mesma linha, com um parecer desfavorável para a brasileira. “Esse processo está fadado ao insucesso. É muito difícil, para não dizer impossível, reverter os julgamentos das instâncias inferiores”, afirma o advogado Paulo Akiyama, sócio fundador do Akiyama Advogados Associados.

Para ele, o fato das empresas não terem chegado a um acordo depois de mais de 20 audiências de conciliação indica que o “objetivo financeiro da Gradiente seja além do racional”. No entanto, Mauler, representante da companhia, argumenta que apesar do processo de recuperação judicial, o resultado da ação não é uma questão de vida ou morte para a Gradiente.

Empresa brasileira briga por parte do lucro da Apple com a marca iPhone Foto: Edgar Su/Reuters

“Se a companhia estivesse no desespero de pegar qualquer valor, teria feito um acordo. Ela apenas está buscando seus direitos”, diz. O advogado afirma ainda que o pior momento econômico ficou para trás, enquanto o atual cenário é de equilíbrio financeiro. Segundo Mauler, a Gradiente regularizou sua situação fiscal com a União e tem conseguido pagar os credores.

Publicidade

Difícil situação

Apesar de ainda comercializar eletrônicos, a maior parte da receita da companhia vem da locação de imóveis, segundo os registros financeiros disponíveis no site de relações com investidores. Listada na B3, possui 12,5 milhões de ações ordinárias em circulação. Pouco líquidas, estão hoje cotadas a R$ 27,51. Ao fim de 2021, a Gradiente registrou patrimônio líquido consolidado negativo em cerca de R$ 1 bilhão. O prejuízo líquido chegou a R$ 54,1 milhões no ano passado, ante R$ 84,8 milhões em 2020.

No início de 2012, com a marca “Nova Gradiente” a empresa tentou retornar ao mercado com alguns produtos, incluindo o G Gradiente iPhone. No entanto, em novembro do mesmo ano, comunicou aos investidores a interrupção nas operações devido ao cenário econômico.

Em 2018, anunciou uma nova tentativa, com foco em produtos voltados para energia solar, lâmpadas de LED e equipamentos de monitoramento na área de segurança. No mesmo ano, a empresa teve seu pedido de recuperação judicial aceito, depois do plano extrajudicial homologado em 2010 ser extinto no final de 2017.

O que dizem os especialistas

Na avaliação do advogado Luciano Buratto, embora o princípio da anterioridade seja o ponto principal quando se trata de registro de marcas e patentes, não se trata de um direito absoluto. “Não acredito nesse otimismo, porque se trata de olhar o caso como um duelo entre Davi e Golias, mas sim entender que esse princípio por si não é suficiente para o julgamento”, diz o sócio fundador do escritório Buratto Sociedade de Advogados.

Publicidade

PUBLICIDADE

Buratto destaca que apesar de ter entrado com o pedido no ano 2000, a Gradiente só lançou o G Gradiente iPhone em 2012, quando a Apple já tinha consolidado em escala mundial o seu aparelho com a marca “iPhone”. Paulo Akiyama, por sua vez, lembra que a anterioridade da marca em outro país também protege a americana.

O advogado Fábio Pimentel, sócio de Pimentel Aniceto Advogados, segue na mesma linha. Para o especialista, o cenário é desfavorável para a Gradiente. Mas complementa que a complexidade da matéria envolve ainda possíveis desdobramentos econômicos em outras disputas judiciais.

“Tão importante quanto a decisão sobre esse caso específico é determinar os efeitos da decisão, porque corre o risco de mudar a lógica do sistema de marcas no Brasil, que é amparado por regras internacionais”, diz, explicando que cabe ao STF modular a decisão, ou seja, estipular se ela valerá para casos anteriores ou futuros da mesma natureza.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.