NOVA YORK - Depois do susto em outubro, os dados de novembro mostram que o mercado de trabalho nos Estados Unidos retomou uma trajetória mais normalizada, deixando a culpa da fraqueza momentânea para os furacões e greve no período. Nas quadras de Wall Street, o relatório payroll, principal termômetro laboral do país, fez disparar as expectativas de um novo corte de juros na próxima reunião do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), neste mês.
Os EUA criaram 227 mil empregos em novembro, em termos líquidos. O número veio acima da mediana de 200 mil, conforme estimativas de analistas consultados pelo Projeções Broadcast, que iam de 155 mil a 270 mil vagas. Já os números de outubro foram revisados para 36 mil, de 12 mil.
“O payroll veio um pouco mais forte que o esperado e mantém a porta aberta para um corte de 0,25 ponto porcentual pelo Fed neste mês”, disse o guru de Wall Street e conselheiro Econômico Chefe da Allianz, Mohamed El-Erian.
As expectativas de um novo corte de 0,25 ponto porcentual na reunião do Fed de dezembro, a última do ano, chegaram a ultrapassar a casa dos 90% contra 70% antes da divulgação dos dados, conforme levantamento da plataforma americana CME Group. Atualmente, os juros estão entre 4,50% 4,75% ao ano.
Para o americano Jefferies, a recuperação do mercado de trabalho americano em novembro “não foi segredo” e está “tudo certo” para um novo corte de juros nos EUA. Havia pouca dúvida entre os analistas de que o fim da greve da Boeing e a recuperação do efeito dos furacões Helene e Milton impulsionariam a criação de vagas nos EUA no mês, mas sobravam temores sobre a magnitude da recuperação, observa o banco.
“Felizmente, nossa preocupação acabou sendo um pouco exagerada”, diz o Jefferies, em comentário a clientes, destacando que os dados do mercado de trabalho americano têm sido estáveis nos últimos três meses.
Não é um ‘boom’ de vagas
Ao fazer sua tradicional análise do payroll a investidores, o economista-chefe do JPMorgan, Bruce Kasman, afirmou que o relatório de novembro recoloca o mercado de trabalho dos Estados Unidos em uma “trajetória relativamente sólida”. No entanto, isso não significa um ‘boom’ de vagas.
As numerosas placas de contratação espalhadas por Nova York e o Estado vizinho New Jersey no auge da força laboral americana se reduziram, mas ainda podem ser encontradas. Considerando as mais recentes revisões, a média móvel de criação de vagas nos EUA dos últimos três meses é 170 mil postos de trabalho, abaixo da média móvel de 12 meses, de 190 mil, calcula o Jefferies. “Claramente, é um ritmo mais lento”, ponderou Kasman, do JPMorgan.
Mas, como a desaceleração do mercado de trabalho nos EUA tem sido gradual, contribui para amenizar qualquer preocupação da autoridade monetária no país quanto a uma deterioração excessivamente acentuada, o que sustentaria um novo corte de juros em dezembro, conforme o economista-chefe do Santander para os EUA, Stephen Stanley. “Portanto, não espero que esses dados movam de forma significativa a agulha com relação à decisão do Fed de dezembro”, reforça.
Segundo o economista, a maioria dos integrantes do Comitê Federal do Mercado Aberto (FOMC, na sigla em inglês) está inclinada a um novo corte na última reunião do ano. E, para mudar de opinião, teria de ser convencida disso, diz.
Mercado de trabalho a ritmo ‘sustentável’
O presidente do Fed de Chicago, Austan Goolsbee, que voltará a ter um assento no FOMC no próximo ano, disse que o mercado de trabalho nos EUA está esfriando para um ritmo sustentável de pleno emprego. Mas não quis se comprometer com a decisão de dezembro, mencionando os dados da inflação ao consumidor e ao produtor nos EUA, esperados para a próxima semana, antes do encontro de dezembro.
A diretora do Fed, Michelle Bowman, disse que a inflação é sua prioridade e que os riscos de alta “continuam proeminentes”. Nesse sentido, defendeu uma abordagem cautelosa e gradual para cortes de juros no país à medida que cortar muito rápido poderia reacender a inflação americana. Antes, o presidente do Fed, Jerome Powell, já havia defendido uma abordagem mais cautelosa no ritmo de flexibilização monetária nos EUA.
Uma surpresa indesejada nos preços, que têm se mostrado mais resistentes nos EUA, é o que poderia convencer os dirigentes do Fed a se inclinar para uma pausa dos juros neste mês, segundo Kasman. “Mas parece que o que os dirigentes do Fed estão sinalizando torna mais provável que entreguem a flexibilização em dezembro”, avaliou.
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Pesquisa da Universidade de Michigan mostrou que as expectativas de inflação em 12 meses nos EUA subiram a 2,9% em dezembro contra 2,6% no mês anterior. Quanto ao efeito nos juros, o mercado devolveu um pouco o furor em torno da expectativa de um corte de 0,25 ponto porcentua na reunião deste mês, mas ainda segue majoritária em cerca de 85%, mostra a CME.
Para o economista-chefe do JPMorgan, a inflação mais resistente nos EUA, aliás, deve fazer com que o Fed pare de cortar os juros no país perto da faixa dos 4% nesta primeira etapa do ciclo de flexibilização monetária pós-covid. Ele acredita que a gestão do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, terá efeito neutro para a política do Fed. De um lado, tarifas comerciais pressionam a inflação, do outro, são um choque de oferta e podem conter o crescimento do país, fora o menor impulso da imigração. “A mensagem para o Fed é algo mais próximo da neutralidade”, concluiu.
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