Empregos em cannabis crescem 37% ao ano no Brasil; saiba quais áreas e habilidades estão em alta

No País, número de pessoas trabalhando na área ainda é pequeno, mas especialistas veem grande potencial de crescimento; nos EUA, setor já emprega mais de 400 mil pessoas

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Por Anita Krepp
Atualização:

Embora ainda não haja uma regulamentação ampla para a cannabis no Brasil, o setor segue se desenvolvendo e está em plena expansão, aumentando a oferta de produtos e serviços disponíveis. Na esteira disso, são criados também novos postos de trabalho para dar conta principalmente da demanda de pacientes atraídos pelas novas possibilidades de tratamento.

Apesar de o projeto de lei (PL) 399, que propõe regulamentar os usos medicinal e industrial da cannabis, estar parado no Congresso, duas resoluções da Anvisa – a RDC 327 e a RDC 660 – dão uma boa margem para que tanto empresas nacionais quanto estrangeiras possam atuar no mercado, seja por meio de importação ou da compra direta nas farmácias de produtos à base de maconha. Hoje, mais de 25 já estão autorizadas para a compra nos balcões das farmácias e há, pelo menos, mais 20 aguardando por autorização.

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Atualmente, pelo menos 1.027 profissionais trabalham diretamente na indústria da cannabis no País, segundo a Kaya Mind, consultoria especializada no ramo. Ainda é um número pequeno, mas, se considerado apenas o crescimento dos postos de trabalho nesse nicho entre setembro de 2021 e setembro de 2022, houve um substancial crescimento, de 37% nas vagas, do marketing à logística.

A profissão de representante comercial de produtos de cannabis vendidos legalmente no Brasil tem puxado esse número para cima, sobretudo pelo crescimento do número de empresas que comercializam cannabis em território nacional.

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No levantamento da Kaya Mind, foram consideradas apenas as pessoas que trabalham diretamente na área, empregadas por gigantes farmacêuticas, como Hypera e Biolab. Não foram incluídos profissionais que trabalham indiretamente com a cannabis, como é o caso de prestadores de serviços, como advogados e contadores, que atendem esse mercado sem exclusividade.

Os pouco mais de 15 mil médicos prescritores de cannabis que atuam no País, as centenas de funcionários de tabacarias e growshops e as dezenas de professores dos mais de 80 cursos de especialização em cannabis também não entraram na conta da consultoria, que projeta que, com a regulamentação de todos os usos da cannabis (incluindo o uso adulto), seriam geradas algo em torno de 328 mil oportunidades de trabalho no Brasil.

Tocar ou não a planta

A tendência de crescimento das vagas de trabalho nessa indústria tem curva ascendente não apenas no Brasil, mas em diversos outros países do mundo. Nos EUA, onde 35 Estados legalizaram o uso medicinal, sendo que 22 deles também legalizaram o uso adulto da maconha, a indústria apresentou um crescimento de quase 250% no número de empregos, avançando de 122.800 em 2017 para 428.059 em 2022, de acordo com o Jobs Report Leafly, publicado no ano passado.

No meio da cannabis, costuma-se dividir as oportunidades de trabalho em duas categorias: a que toca e a que não toca planta. Tocar a planta tem um significado bastante literal e normalmente é associado ao comércio de produtos. Desde cientistas e pesquisadores que desenvolvem estudos e produtos nos laboratórios e no processamento e distribuição do insumo até os budtenders (vem do mesmo conceito dos bartenders, mas nesse caso, são especialistas em maconha), profissão bastante difundida nos EUA.

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Tendência de crescimento de empregos nessa indústria tem curva ascendente não apenas no Brasil, mas em diversos outros países do mundo Foto: Matthias Rietschel/ Reuters

No Brasil, esses profissionais estão associados às associações de pacientes que cultivam ou processam o óleo - hoje há pelo menos 6 delas com autorização legal para cultivo. Também há aqueles que trabalham com a importação de produtos ou de matéria-prima para processamento diretamente no País.

Todo o resto ligado à cadeia produtiva, mas que não necessariamente toca a planta, faz parte da outra categoria. Comunicação, educação, vendedores de tabacarias, eventos, turismo canábico, além da parte estrutural de qualquer indústria, como RH, contabilidade, assistentes, secretárias, propagandistas etc.

Paciente empreendedor

Os propagandistas de cannabis medicinal, ou consultores, como muitos preferem ser chamados, fazem parte da parcela de novos trabalhadores da maconha que mais cresce no País. Muitos estão satisfeitos com a entrada no novo mercado. É o caso da farmacêutica Andrea Terra Valle, de 51 anos, que trabalhou durante 20 anos na garantia da qualidade da indústria cosmética e abandonou o setor por conta de um burnout.

“Deixar a CLT é uma aflição muito grande, porque você ganhava X e de repente não ganha mais nada. Com mais de 40 anos, quem vai querer te contratar? Eu tinha essas dúvidas e aflições, e a cannabis me ajudou nessa trajetória para me redescobrir”, conta.

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Para ocupar o posto de embaixadora e consultora canábica da Pangaia, sua única atividade remunerada já há vários anos, ela primeiro passou por um curso livre da Inflore (empresa que oferece treinamento e formação em consultor canábico), depois pela pós-graduação em cannabis gratuita da Unifesp e pela pós em cannabis medicinal para farmacêuticos pela Faculdade Unyleya.

“Ajudo na retirada da autorização da Anvisa e acompanho o paciente desde o agendamento da consulta até o medicamento chegar em casa. Meu trabalho principal é gerar autonomia da pessoa para com a sua própria saúde, e sair da lógica da medicina alopática onde o paciente entrega a sua saúde na mão de outra pessoa.”

Muitos dos profissionais que abandonaram suas antigas profissões para trabalhar como consultores, auxiliando novos pacientes no tratamento com maconha medicinal foram eles próprios – e em vários casos continuam sendo – pacientes da terapia canabinoide. “Eu queria gritar para o Brasil ouvir que a cannabis existe, funciona, resolve, tira dor e sofrimento e devolve a qualidade de vida”, conta Nice Soares, de 47 anos, que de paciente, se tornou empreendedora.

“Depois dessa planta transformar a minha vida psicologicamente. emocionalmente e fisicamente, me tornei representante da USA Hemp”, diz ela, que havia sofrido por mais de 10 anos com dor crônica e chegou a depender diariamente de 7 medicamentos alopáticos para o controle dos sintomas da fibromialgia.

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Depois de dois meses usando uma formulação da importadora brasileira com sede nos EUA, percebeu que não precisava mais dos medicamentos para dor e os abandonou naturalmente. Em 5 meses já não tomava nenhum alopático, e com o apoio da própria importadora brasileira com sede nos EUA, criou a UAI Assessoria e Consultoria em cannabis, onde recebe e acompanha pacientes de cannabis.

O que o mercado busca?

Assim como no mercado despontam novas oportunidades nas mais variadas áreas, profissionais de todos os setores estão descobrindo que trabalhar com cannabis é possível, e o que para muitos era um sonho distante se torna mais palpável com o desenrolar de novas conquistas da cannabis no Brasil.

A cada nova abertura na Anvisa, a cada passo no legislativo – com projetos de lei em quase todos os Estados propondo a distribuição gratuita de cannabis pelo SUS –, a cada conquista no Judiciário, como a discussão sobre o plantio no STJ, ou os quase 3 mil habeas corpus para cultivo de maconha concedidos até hoje no Brasil, renovam-se as esperanças da indústria, o que ajuda, e muito, na expansão do mercado.

Maria Eugênia Riscala criou a Kaya Mind ao perceber o vazio que havia na geração de dados sobre o tema Foto: Werther Santana/Estadão

Maria Eugênia Riscala, umas das empreendedoras de maior renome da indústria, criou a Kaya Mind ao perceber a necessidade e o vazio que havia na geração de dados e relatórios sobre o tema. Depois de muitos anos trabalhando na P&G, ela levou para o setor habilidades desenvolvidas em mercados tradicionais, só que dessa vez dando mais vazão à criatividade.

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“Como o mercado de cannabis ainda não está consolidado, a gente consegue pegar nossas habilidades transformadoras, que no mercado tradicional servem para o básico, e pensar estratégias inovadoras com cannabis onde temos limitações. Tudo é novo, tudo é possivel”, ressalta Riscala, que sente sua criatividade aflorada como nunca. “Mas, antes de tudo, é preciso ser bom naquilo que você faz originalmente como profissão”, analisa.

Lígia Valle, responsável por Produtos Digitais e Inovação na Cannect, colocou o seu talento e experiência de mais de 13 anos na formulação de produtos digitais para redes hospitalares à disposição da indústria canábica, aplicando seu conhecimento em um nicho um pouco menor, mas ainda assim bastante promissor, onde pode usar mais sua criatividade.

Ela implantou prontuário eletrônico digital, agendamento de consultas, telemedicina e toda sorte de tecnologia voltada a acesso e informação.

Arthur Conte e Lígia Valle, da Cannect, deixaram seus empregos em grandes empresas de indústrias tradicionais para entrar no setor da cannabis Foto: Werther Santana/Estadão

“Diferente de outros hospitais em que trabalhei, não tem como você olhar para o vizinho e seguir o caminho que você sabe que vai dar certo. Na cannabis, estamos o tempo todo testando e tentando entender, acompanhar os movimentos da regulamentação, do mercado e tentando trabalhar de forma disruptiva e inovadora dentro dos limites da ética e do bom senso”, diz.

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Além de criatividade e experiência sólida na carreira que o profissional traçou originalmente, nutrir uma paixão especial pela cannabis também é importante na hora de buscar um trabalho no setor. Arthur Conte, ex-Ambev e hoje diretor de operações da Cannect, entrou de cabeça no setor. “Eu tinha vontade de migrar para um ambiente mais maleável e com mais espaço para crescer, e queria fazer mais diferença do que fazia trabalhando com cerveja“, conta ele, que ficou na Ambev por 8 anos e agora planeja seguir carreira na cannabis. “Estou me apaixonando a todo instante pelo mercado e levar qualidade de vida para tantas pessoas me deixa muito animado.”

Um dos requisitos básicos para conseguir um emprego em cannabis é ter experiência com a planta, diz a educadora Luna Vargas, diretora da Inflore, que tem mais de 500 alunos formados em 15 países. Com a falta de educação e informação de qualidade que o Brasil sofreu por décadas, é preciso se armar de informações sobre métodos de consumo, dose, ciência e história da cannabis, com entendimento claro de como ela atua no sistema endocanabinoide.

“Independente da área que você trabalha, você vai ter de educar o público, o cliente e até os médicos”, explica. Todo o esforço parece valer a pena, conta Vargas. “Tenho ex-aluno ganhando mais de R$ 100 mil por mês como representante.”

Confira algumas profissões e saiba como trabalhar no setor:

  • Budtender: é uma espécie de sommelier de vinho, mas, no caso, de maconha. Precisa ter habilidades de atendimento e relacionamento ao cliente e ter muito conhecimento sobre cannabis. Responde perguntas e aconselham os clientes com base em suas preferências, necessidades, orçamentos e reações às diferentes cepas de maconha;
  • Colhedor ou trimmer: conhecido como “aparador de brotos de cannabis”, o profissional é responsável por colher a maconha separando a flor das folhas. Dependendo da instalação, eles também podem ser responsáveis por pesar, rotular e embalar os botões depois de aparados. Essas posições podem ser trabalhosas e fisicamente exigentes, embora a experiência geralmente não seja necessária;
  • Produtor de comestíveis: é responsável por encontrar maneiras criativas de usar óleos e manteiga com infusão de maconha, bem como outros concentrados de cannabis, para criar alimentos para fins recreativos ou médicos usar, como produtos assados, doces, chás e outras variedades. Suas principais funções incluem preparar comestíveis de maneira higiênica e oportuna;
  • Gerente de marketing: tem as mesmas responsabilidades que em outras indústrias. Eles são responsáveis por desenvolver e implementar campanhas de marketing, rastrear visitantes do site e dados de vendas, desenvolver e manter materiais promocionais, manter bancos de dados e produzir relatórios com base no desempenho da empresa;
  • Grower ou produtor: é o primeiro elo da cadeia. Há várias formas e métodos para cultivar a maconha. Os produtores precisam avaliar o nível de THC ou CBD na planta;
  • Outros: Há ainda vagas dentro do mercado para operadores de caixa e gerentes de loja, seguranças e influencers.

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