Empresa dos Batista não demonstrou capacidade em distribuição de energia, diz parecer da Aneel

Ao analisar compra da distribuidora Amazonas Energia pela Âmbar, área técnica da agência diz que plano de empresa beneficiada pelo governo gera custo de R$ 15,8 bilhões para a conta de luz, sendo que o ideal seria de R$ 8 bilhões

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Foto do author Daniel  Weterman
Atualização:

BRASÍLIA – A área técnica da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) concluiu que a Âmbar, empresa do Grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, não demonstrou capacidade técnica no serviço de distribuição de energia ao apresentar um plano para assumir a Amazonas Energia, distribuidora do Norte do País, segundo parecer ao qual o Estadão teve acesso.

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Além disso, os técnicos da agência reguladora afirmaram que, se a proposta da companhia for aceita, os consumidores brasileiros vão arcar com um custo de R$ 15,8 bilhões na conta de luz para manter a operação, sendo que o ideal seriam R$ 8 bilhões. O parecer recomenda que seja aberta uma consulta pública antes de uma decisão final. O processo deve ser julgado pela diretoria da Aneel na semana que vem.

O Ministério de Minas e Energia (MME) afirmou que as questões devem ser avaliadas no âmbito da Aneel. Após a publicação da reportagem, a Âmbar disse que o plano demonstra sua capacidade técnica e econômica para adequar o serviço de distribuição e reverter a inviabilidade econômica da distribuidora (a íntegra está ao fim do texto). A Amazonas Energia não se manifestou.

No âmbito do processo da agência reguladora, a Âmbar argumentou que a transferência do controle da companhia amazonense não exige experiência anterior na área de distribuição (veja mais abaixo).

Wesley e Joesley Batista, donos do grupo J&F e da Âmbar Energia. Foto: Werther Santana/Estadão e Paulo Giandalia/Estadão

A conclusão é um revés para a empresa e para o governo Lula, que apostava na transferência de controle da distribuidora para a empresa dos irmãos Batista. A Âmbar foi beneficiada com uma medida provisória 72 horas após comprar usinas termelétricas da Eletrobras que vendem energia para a Amazonas Energia. Depois da publicação da MP, a empresa dos irmãos Batista apresentou um plano para comprar a Amazonas. A medida do governo repassou o custo da operação para os consumidores brasileiros por até 15 anos.

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Executivos da companhia foram recebidos 17 vezes no Ministério de Minas e Energia antes da edição da medida provisória, conforme o Estadão revelou. O ministro da pasta, Alexandre Silveira, classificou a sucessão de acontecimentos como uma “coincidência” e negou favorecimento para a empresa. A Âmbar, por sua vez, afirmou que não discutiu a medida com o governo e disse que fez um negócio privado.

A empresa amazonense enfrenta uma série de problemas que tornam a operação insustentável, como furtos de energia, baixa eficiência na distribuição e custos operacionais acima da capacidade de geração de caixa. A agência reguladora chegou a sugerir a caducidade da concessão. O governo Lula avaliou intervir na companhia, mas optou pela medida provisória enquanto a empresa dos irmãos Batista negociava a compra da distribuidora.

Diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Ricardo Lavorato Tili, relator do processo da Amazonas Energia.  Foto: Pedro França/Agência Senado

A área técnica da Aneel concluiu que a empresa dos irmãos Batista possui capacidade financeira para assumir a concessão, mas não apresentou capacidade técnica de distribuição de energia – que é a atividade da Amazonas – e tentou cumprir o requisito apresentando seu histórico na área de geração. “O novo controlador não demonstrou capacidade técnica no segmento de distribuição”, diz a nota.

A Aneel pediu que a empresa demonstrasse a qualificação técnica e as experiências anteriores do quadro técnico da empresa na prestação do serviço de distribuição de energia elétrica.

“Em que pese não ser condição sine qua non para a transferência do controle a experiência no segmento de distribuição de energia elétrica do quadro técnico da pretensa controladora, fato é que se faz necessária a demonstração de sua capacidade técnica. Assim, em sua manifestação a pretensa controladora demonstrou sua experiencia no segmento de geração de energia”, diz o parecer.

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Em resposta à Aneel, a Âmbar afirmou que o Grupo J&F, dono da empresa, ostenta a posição de quarto maior gerador de energia elétrica a gás natural do País em capacidade instalada, além de deter ativos de geração a partir de diversas outras fontes somando R$ 4 bilhões no setor energético e 2,5 GW de capacidade instalada de geração. “A exigência de prévia experiência em distribuição criaria indesejável fechamento desse mercado, reservando todas as concessões aos agentes que já atuem nesse segmento específico e, assim, proibindo novos entrantes.”

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A empresa dos irmãos Batista argumentou ainda que pretende substituir diretores da Amazonas Energia e que está em negociação com nomes de “notória experiência”, mas declarou que não faria sentido contratar profissionais do setor antes da certeza de que assumiriam a distribuidora. Para a área técnica da Aneel, a Âmbar “se confundiu” ao informar acerca do quadro técnico que pretende alocar na Amazonas Energia enquanto deveria ter apresentado competências como nova controladora.

A empresa dos irmãos Batista se comprometeu a assumir as dívidas da Amazonas Energia, calculadas em R$ 10 bilhões. A área técnica da Aneel avaliou que a proposta ajuda a reduzir a dívida da distribuidora, mas não indica melhora expressiva da eficiência da empresa em fazer seu trabalho.

A Âmbar afirmou ao Estadão, após a publicação da reportagem, que apresentou um plano de transferência de controle da Amazonas Energia demonstrando sua capacidade técnica e econômica para adequar o serviço de distribuição e com as condições necessárias para reverter a histórica inviabilidade econômica da distribuidora.

“O plano proposto busca evitar a repetição de condições que não foram capazes de solucionar o problema, garantir a segurança energética para os consumidores do estado do Amazonas e benefícios para os consumidores de todo o país”, disse a empresa do Grupo J&F.

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Plano da empresa dos irmãos Batista gera custo de R$ 15,8 bi para a conta de luz

Os custos para a distribuição de energia no Amazonas serão repassados para a conta de luz dos brasileiros. Isso acontece quando, por exemplo, há furto de energia no sistema e alguém precisa arcar com o prejuízo. O plano da Âmbar prevê essa “ajuda” dos consumidores por 15 anos, prazo máximo permitido pela MP.

Os consumidores teriam de arcar com um custo de R$ 15,8 bilhões em 15 anos para suportar as propostas apresentadas pela Âmbar no plano de transferência na Amazonas Energia, de acordo com a nota técnica. Segundo as estimativas da Aneel, porém, o total suportado pela Conta Consumo de Combustíveis (CCC), que subsidia os custos, é de R$ 8,04 bilhões.

A diferença entre o plano da empresa dos irmãos Batista e a estimativa da Aneel é que, para a agência reguladora, o prazo de 15 anos permitido pela MP para repassar aos consumidores é “demasiadamente longo” e é preciso ter metas mais severas para resolver os problemas, diminuir os custos ao longo do tempo e não sobrecarregar o bolso dos consumidores.

Um dos maiores problemas da Amazonas Energia é o nível de perdas não técnicas, ou seja, o furto de energia conhecido como “gato”. Atualmente, esse índice é calculado em 119,8%, ou seja, gera mais custos do que a empresa fatura. O nível considerado adequado pela Aneel é de 68%. Pelo plano da Âmbar, o índice aceitável só seria atingido em 2038. A área técnica sugeriu uma mudança para 2033.

Outro problema que será bancado pelos consumidores são os custos operacionais, que é o dinheiro necessário para a empresa se manter funcionando com todas as despesas que tem. O plano da companhia dos irmãos Batista não apresenta metas de redução desses custos na Amazonas Energia em 15 anos, de acordo com o parecer da Aneel, justificando a grande quantidade de consumidores isolados, aspectos ambientais e dificuldade logística. Para os técnicos da agência, porém, é preciso adotar uma trajetória de redução para diminuir o custo aos consumidores.

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O ministro de Minas Energia, Alexandre Silveira, defendeu, na quarta-feira, 28, a passagem de controle da Amazonas Energia como “a melhor solução”. Se a transferência for rejeitada, o chefe da pasta afirmou que o governo vai estudar uma intervenção na distribuidora. O custo estimado pelo ministério para sanear o caixa da empresa nesse caso é de R$ 4 bilhões para os cofres da União, fora uma indenização de R$ 2,7 bilhões para a concessionária atual, a dívida de R$ 10 bilhões e todos os gastos futuros.

Em resposta à reportagem, o ministério afirmou que as questões abordadas pela nota técnica devem ser avaliadas no âmbito da Aneel, uma vez que a intervenção ou recomendação de caducidade é uma tarefa que compete à agência. “Importante pontuar que a análise empreendida para a situação da concessão da distribuição indicou cenários preocupantes com relação à concessão, incluindo a necessidade de a União ter que indenizar a atual concessionária na ordem de R$ 2,7 bilhões, caso fosse levado a cabo um processo de caducidade”, disse a pasta.

Leia a íntegra da nota da Âmbar Energia

Em uma década de existência, a Âmbar Energia teve êxito em todos os segmentos do setor elétrico nos quais entrou, tais como geração, transmissão, comercialização, geração distribuída e gasodutos. A empresa apresentou um plano de transferência de controle da Amazonas Energia que demonstra sua capacidade técnica e econômica para adequar o serviço de distribuição e que contém as condições necessárias para reverter a histórica inviabilidade econômica da distribuidora. A situação de insustentabilidade da Amazonas Energia perdura por décadas, acumulando perdas de mais de R$ 30 bilhões em 20 anos.

O plano proposto busca evitar a repetição de condições que não foram capazes de solucionar o problema, garantir a segurança energética para os consumidores do estado do Amazonas e benefícios para os consumidores de todo o país. Afinal, a única alternativa a uma transferência de controle é que a União assuma as operações da concessionária, tornando todos os contribuintes responsáveis por uma dívida de mais de R$ 10 bilhões, por todos os custos correntes e por todos os investimentos necessários na Amazonas Energia.

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