A pequena empresa de Goiás que ‘ameaça’ a Vale em um negócio bilionário de cobre no Pará

GB Locadora questiona na Justiça o direito de pesquisar e explorar a Mina do Sossego, em Canaã dos Carajás, região que concentra uma das maiores jazidas de cobre do País

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Foto do author André Borges
Atualização:

BRASÍLIA – Depois de oito anos de embates jurídicos, a mineradora Vale corre o risco de ter inviabilizada a sua operação bilionária de exploração de cobre no Pará, por causa de uma derrota que sofreu na Justiça. Desde 2004, a empresa explora a Mina do Sossego, no município de Canaã dos Carajás, região que concentra uma das maiores jazidas de cobre do País.

Apenas em 2021 a receita líquida com a venda de cobre da Vale, que tem a Mina do Sossego e a Mina de Salobo, também no Pará, como as principais operações, chegaram a R$ 14 bilhões. A continuidade de parte desse negócio, porém, é questionada atualmente por uma pequena empresa de Goiás, a GB Locadora de Equipamentos e Construções Ltda.

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Na semana passada, a GB Locadora enviou uma notificação extrajudicial para a Vale. No documento ao qual a reportagem teve acesso, a empresa, que pertence ao geólogo Cláudio Luiz da Costa, pede à Vale que paralise todas as suas operações numa área de 3.818 hectares que estão dentro da Mina do Sossego.

Ela quer que a Vale “se abstenha, imediatamente, de realizar todo e qualquer trabalho de pesquisa, além de novos aportes de rejeitos na barragem da Mina do Sossego, desenvolvimento ou lavra em suas operações”.

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Vale encara disputa judicial para manter controle de área de cobre no Pará 

Em sua carta, a GB Locadora diz ainda que espera não haver “qualquer tipo de interferência, impacto ou degradação na citada área, sob pena das providências judiciais e administrativas cabíveis”.

Por trás desse documento estão oito anos de embates judiciais. A Vale explorava a mina desde 2004, depois de ter descoberto o potencial de exploração da região no fim dos anos 1990.

Em 2014, a empresa detinha o alvará de pesquisa mineral da área, mas não chegou a renovar esse documento dentro do prazo, para manter essa titularidade junto ao antigo Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM), que passou a ser a Agência Nacional de Mineração (ANM).

O resultado foi que a área acabou por ser declarada “livre” pelo DNPM. Foi quando o empresário Cláudio Luiz da Costa teve acesso à informação e requereu o pedido de pesquisa da área para si, em nome de sua empresa GB Locadora. À época, o critério para pesquisar uma área mineral era o de ordem de chegada. Como Costa requereu antes uma área declarada como “livre”, assumiu o direito de pesquisar a área.

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A Vale, a partir daí, deu início a uma série de questionamentos judiciais e chegou obter vitórias na Justiça, na primeira instância, para retomar a área e seguir com a exploração integral da área, como ocorreu nos últimos anos. A pequena GB Locadora, no entanto, recorreu e o caso acabou subindo para a segunda instância, até que chegou a virada.

No fim do ano passado, a Vale foi derrotada no Tribunal Regional Federal (TRF). Coube à empresa ir até o Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde também foi vencida, por decisão monocrática do ministro Francisco Falcão. Inconformada, a Vale recorreu à segunda turma do STJ. Mais uma vez, perdeu, desta vez por unanimidade. Agora, para reverter o quadro, a Vale entrou com um processo com “embargos de declaração”, ou seja, uma medida que, na prática, questiona afirmações feitas pela defesa da GB Locadora.

Para complicar de vez a situação para a Vale, a ANM, que no passado também chegou a questionar o direito da GB Locadora em ficar com a área, deu-se por vencida e, em 23 de janeiro deste ano, publicou a “outorga do alvará de pesquisa” para a empresa goiana, com prazo de validade de três anos.

Despacho publicado no Diário Oficial em 23 de janeiro de 2023, que reconhece o direito da GB Locadora em realizar pesquisas na região Foto: repro

A reportagem questionou a Vale sobre o assunto. Por meio de nota, a mineradora declarou “não comenta ações judiciais em curso”, mas que suas operações na região seguem em plena atividade.

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“Nesse caso, entretanto, cumpre-nos esclarecer que a ação judicial mencionada não impacta a continuidade operacional da Mina do Sossego pela Vale. A Vale responderá formalmente a notificação extrajudicial da GB Locadora”, declarou a companhia.

A reportagem tentou, insistentemente, ouvir o empresário Cláudio Luiz da Costa. Ele não quis se manifestar. Por meio de nota, a empresa GB Locadora declarou que “não pode se pronunciar porque obedece ao período de silêncio, em face de negociações em curso com investidores”.

O Estadão apurou que a empresa, que aluga máquinas para construção de estradas e tem na mineração um “negócio secundário”, pretende procurar um “parceiro” para explorar a região.

O critério de prioridade de acesso a áreas de mineração vigorou por décadas no País e foi marcado por diversas distorções, porque permitia forte ação especulativa, quando muitas áreas eram solicitadas com o simples propósito de, depois, serem vendidas por seus detentores. Essas regras mudaram, quando o governo passou a licitar as áreas, buscando competição entre interessados.

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A entrada em operação no ano de 2004 da Mina do Sossego marcou o início da diversificação mineral da Vale, que sempre esteve voltada ao minério de ferro. A unidade responde hoje por significativa participação na produção brasileira. Descoberta em 1997, a mina do Sossego teve a sua construção iniciada em 2002. O empreendimento é formado por dois corpos minerais, denominados Sossego e Sequeirinho. O processo de extração de cobre da Mina do Sossego é realizado a céu aberto.

Após o processo de beneficiamento, a produção é transportada por caminhão até o armazém de cobre, em Parauapebas (PA), depois segue pela Estrada de Ferro Carajás ( EFC) até o terminal marítimo de São Luís, onde é embarcado para os mercados interno e externo.

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