SÃO PAULO E BRASÍLIA - Empresas de vários setores começaram a fazer as contas sobre os prejuízos que terão com uma decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal. Na quarta-feira, 8, o STF estabeleceu que sentenças antes consideradas definitivas em disputas sobre o pagamento de impostos podem ser alteradas. Ou seja, uma empresa pode ter levado anos brigando com o governo na Justiça, ter ganhado em todas as instâncias e, ainda assim, não ter a segurança de que o problema terá sido superado. Se houver mudança na jurisprudência e a Corte passar a considerar o tributo devido, a sentença favorável à empresa perderá efeito e ela terá de fazer pagamentos retroativos desde a decisão do STF.
O julgamento discutiu especificamente a manutenção de sentenças que livraram empresas da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Só nesse caso, advogados ouvidos pelo Estadão/Broadcast afirmam que a mudança terá impacto direto em pelo menos 30 grandes grupos. A lista inclui nomes como Pão de Açúcar (GPA), BMG, Zurich Seguros, Banco de Brasília (BRB), Holding Alfa, Samarco, Magnesita, Grupo Ale Combustíveis e Kaiser.
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A decisão do STF, porém, deve ir além dessa causa. Afeta também decisões vinculadas a outros tributos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na revenda de mercadorias importadas, a contribuição patronal sobre o terço de férias e a exigência de Cofins para as sociedades uniprofissionais.
Ainda há dúvidas quanto ao período em que o imposto poderá ser cobrado. Alguns especialistas entendem que pode valer desde junho de 2007 – data de julgamento no próprio STF que considerou o CSLL constitucional. Outros defendem que a cobrança seja retroativa somente por cinco anos.
A expectativa é que isso seja esclarecido com a publicação do acórdão do processo. A certeza, até agora, é de que a cobrança começará em 90 dias ou no próximo ano fiscal, a depender do imposto.
Com a decisão, a União poderá cobrar bilhões de reais em dívidas.Só no caso do Pão de Açúcar, a conta é de R$ 290 milhões. A varejista ccomunicou o valor ao mercado hoje em referência ao impacto da decisão. O grupo tinha isenção da CSLL há 31 anos, graças a uma decisão judicial. Com a deliberação do STF, ela será obrigada a pagar a partir de agora e também de forma retroativa.
A avaliação sobre possíveis impactos será feita a caso a caso. A Embraer, por exemplo, teve decisão favorável sobre o tema no passado, mas não será afetada pela decisão do STF.
A empresa obteve vitória para o não pagamento da CSLL por meio de uma ação cautelar no STF, em 2007, com suspensão da cobrança do tributo pela Receita Federal. Segundo os autos do processo, a Embraer disse que estava “sofrendo cobrança indevida de CSLL, pois, desde a entrada em vigor da EC (Emenda Constitucional) n° 33/01, seria vedado fazê-la incidir sobre as receitas e o lucro decorrentes de exportação”.
Na época, o ministro relator do caso, Cezar Peluso, acatou a solicitação por entender haver “razoabilidade jurídica do pedido, como o risco de dano de reparação dificultosa, à vista da exposição do contribuinte à cobrança de tributo aparentemente inconstitucional”.
A empresa, porém, desistiu do processo em 2014 e afirma ter seguido recolhendo o tributo normalmente.
“A companhia efetua regularmente a apuração e recolhimento da CSLL e informa que não possui processos em andamento ou decisão final transitada em julgado no sentido de não recolher este tributo. Consequentemente, a Embraer esclarece que não espera qualquer impacto na apuração e recolhimento da CSLL”, afirma no comunicado enviado ao mercado nesta sexta-feira, 10.
Insegurança
Por alterar julgamentos definitivos na Corte, o tema foi visto pelo mercado como fonte de insegurança jurídica. “Há evidente violação ao princípio da segurança jurídica, pois se trata da primeira vez que o STF se manifestou sobre o tema, impedindo que os contribuintes que tinham decisões transitadas em julgado pudessem se organizar para esse novo cenário”, afirmou o advogado Thales Stucky, sócio da área tributária do Trench Rossi Watanabe.
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O argumento usado pelos ministros do Supremo foi que a isenção dada anteriormente a algumas empresas afetou a lealdade concorrencial: as companhias de um mesmo setor estariam concorrendo de forma desleal, já que uma seria isenta de determinado imposto por uma decisão judicial, enquanto outra, não.
O Estadão/Broadcast procurou todas as empresas citadas na reportagem. O BRB disse que ainda está avaliando os impactos da decisão. A Samarco disse que não vai comentar. A RHI Magnesita informou não ter tempo hábil para fazer as avaliações necessárias. A ALE Combustíveis disse que “não comenta decisões judiciais e ressalta que segue a legislação brasileira”. A Braskem disse que não será afetada pela decisão do STF por pagar CSLL desde 2007. BMG, Zurich Seguros, Holding Alfa, e Magnesita não deram resposta.
O que diz a decisão e como ela afeta as empresas
Decisão
Na quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que casos tributários decididos pela Corte têm efeito automático até sobre processos transitados em julgado (quando não há possibilidade de recurso).
Consequências
Na prática, isso significa que contribuintes que conseguiram no passado decisões favoráveis na Justiça para deixar de recolher determinados impostos serão obrigados a voltar imediatamente a pagá-lo se o STF mudar o entendimento sobre o tema.
Tributo
O Supremo avaliou dois casos específicos. Nas duas ações, havia a discussão entre a União e contribuintes sobre se as companhias deveriam recolher a Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL).
Contribuição
A CSLL é cobrada pela União e incide sobre o lucro líquido das empresas. As alíquotas variam. Para bancos, por exemplo, ela é de 20%.
Vitórias
As empresas haviam obtido vitórias definitivas na Justiça na década de 1990. Em 2007, porém, o STF decidiu que a cobrança era constitucional e precisava ser retomada.
Entendimento
As companhias que tinham decisões definitivas favoráveis entenderam que a sentença de 2007 não se aplicava a elas. A decisão do Supremo de quarta-feira, porém, diz que sim, e que entendimentos anteriores devem ser desconsiderados. A sentença da Corte Suprema pode alcançar a cobrança de outros impostos.
Caso
Um dos casos debatidos pelo Supremo envolvia a União e a uma indústria têxtil, que havia obtido uma decisão final para não recolher a CSLL no Tribunal Regional Federal da 5.ª Região (TRF-5).
Cobrança
Conforme a sentença do Supremo, as cobranças da Receita terão de respeitar dois princípios: da anterioridade e da noventena. A primeira prevê que aumentos de alíquotas de tributos só passam a valer no exercício fiscal do ano seguinte. A segunda determina que a cobrança só poderá ser feita após 90 dias.
Argumento do STF
O argumento do Supremo para o novo entendimento foi que as empresas que não recolhiam a contribuição mesmo com decisão judicial concorriam de forma desleal com as que não tinham uma sentença favorável.
Antecipação
A advogada Vanessa Cardoso, sócia do Sfera Law, diz que a orientação é para que as empresas declarem quanto devem de imposto. Segundo ela, se a empresa esperar a notificação do Fisco, ela deve pagar o tributo, com multa de, no mínimo 75% e máximo 150% (em caso de fraude). Se avisar a Receita, a multa é de 20%, somada aos juros.
Correções
Na versão anterior deste texto, havia a informação de que o impacto da decisão do STF na Embraer seria de R$ 1,16 bilhão por ano, nos cálculos de especialistas do setor. A empresa informou posteriormente, porém, que, apesar de ter obtido decisão favorável em que pleiteava, desde 2004, isenção da CSLL, não será impactada pela decisão. A fabricante de aeronaves diz que sempre pagou a CSLL e nunca teve decisão definitiva favorável ao tema. “A companhia efetua regularmente a apuração e recolhimento da CSLL e informa que não possui processos em andamento ou decisão final transitada em julgado no sentido de não recolher este tributo. Consequentemente, a Embraer esclarece que não espera qualquer impacto na apuração e recolhimento da CSLL”, afirmou, em comunicado enviado ao mercado. A empresa esclareceu que, apesar de ter obtido decisão cautelar em seu favor no STF, acabou desistindo da ação em 2014, sem ter deixado de recolher os tributos devidos.
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