RIO – O endividamento e a inadimplência dos consumidores brasileiros atingiram nível recorde ano passado, mostra a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Com os dados de dezembro, divulgados nesta quinta-feira, 19, a proporção de famílias brasileiras endividadas ficou em 77,9% do total, na média anual de 2022, enquanto 28,9% dos entrevistados relataram ter dívidas em atraso, também na média anual. Ambos os níveis são os maiores já registrados na série história da Peic, iniciada em 2011.
Segundo o diretor de Economia e Inovação da CNC, Guilherme Mercês, endividamento e inadimplência “explodiram” após a pandemia de covid-19. A média anual da proporção de endividados saltou 7,0 pontos porcentuais entre 2021 e o ano passado, mas, na comparação com 2019, antes de a covid-19 se abater sobre a economia, a alta acumulada foi de 14,3 pontos. Em 2018, a Peic havia registrado o menor endividamento pela média anual, com 60,3% das famílias relatando possuírem dívidas.
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A explosão do endividamento provocado pela pandemia se deveu aos impactos negativos das restrições ao contato social sobre os negócios e o mercado de trabalho, resumiu Mercês. Para piorar, na sequência do auge das restrições ao contato social, houve um aumento “abrupto” da inflação, que se espalhou por todos os países, seguido, como reação, de uma elevação generalizada nas taxas básicas de juros pelos bancos centrais. No Brasil, esse elevação foi “rápida”: o Banco Central (BC) elevou a taxa Selic de cerca de 2,0% ao ano para os atuais 13,75%, em pouco mais de um ano.
“O cenário atual reflete um quadro de famílias muito endividadas, que agora têm que carregar dívidas muito caras”, afirmou Mercês, em entrevista coletiva para apresentar os dados da Peic, no Rio.
Aperto
Como resultado da combinação de excesso de endividamento com encarecimento dessas dívidas, os orçamentos domésticos estão apertados. Por isso, a inadimplência também sobe a níveis recordes – a proporção de pessoas com dívidas ou contas em atraso subiu 3,7 pontos, na média anual, entre 2021 e 2022.
Tudo isso terá efeitos na atividade econômica como um todo, ressaltou Mercês. O aperto nos orçamentos domésticos tenderá, no cenário atual, a resultar em moderação no consumo das famílias, mitigando, inclusive, os efeitos positivos da elevação dos pagamentos via transferência de renda.
Diante desse quadro, Mercês considera natural que a questão do endividamento excessivo estivesse na ordem do dia desde as eleições presidenciais do ano passado. Segundo o economista, um programa de refinanciamento de dívidas, como o que está sendo debatido pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é fundamental para enfrentar emergencialmente o problema.
Além disso, Mercês considera o programa de renegociação de dívidas seria uma “oportunidade” de a política pública focar nos consumidores cuja capacidade de consumo é mais prejudicada pela situação.
Outras medidas com efeitos positivos sobre a renda do consumidor, como uma elevação maior do valor do salário mínimo ou um reajuste na tabela de alíquotas do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), “não necessariamente” atacariam o problema do endividamento excessivo. Ao mesmo tempo, poderiam pressionar a demanda e, portanto, a inflação, o que poderia levar a novas rodadas de aumento de juros, ampliando ainda mais o problema do endividamento.
Em parte por isso, o programa de renegociação é um tipo de medida emergencial. O foco principal de um programa deveriam ser as pessoas com inadimplência mais prolongada e aquelas com renda mais baixa, justamente o perfil de consumidor mais endividado, conforme os dados da Peic.
“Uma solução estrutural vai demandar, sim, uma descida da taxa de juros. Aí, entra a discussão econômica e a importância da sinalização fiscal, que está sendo aguardada. Qual vai ser o comportamento fiscal? Será determinante para a dinâmica de inflação e juros”, afirmou Mercês.
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