RIO - Depois de voltar aos holofotes pelas mãos do almirante Bento Albuquerque, ex-ministro de Minas e Energia, a expansão da energia nuclear no País já não é uma certeza, apesar dos esforços dos agentes do setor para tentar garantir investimentos na área. A finalização da usina nuclear de Angra 3, várias vezes adiada, por exemplo, caminha a passos lentos. Se não for acelerada, poderá ter a previsão de começar a operar em 2028 mais uma vez alterada.
Para tentar impulsionar o setor, uma Frente Parlamentar Mista de Tecnologias e Atividades Nucleares foi criada no último dia 21, com previsão de ser instalada agora em abril. A expectativa dos parlamentares é de que não apenas Angra 3 seja concluída, mas que a quarta usina nuclear prevista para o País também saia do papel. Mas essa é uma hipótese hoje considerada remota.
Uma saída para a fonte crescer no País, avaliam especialistas do setor elétrico, seria a opção por pequenos reatores modulares, uma nova tecnologia que já possui mais de 50 projetos sendo desenvolvidos em países como Estados Unidos, Japão, China, Rússia, França, entre outros.
“No Brasil, a energia nuclear não é tão importante do ponto de vista da descarbonização, como é na Europa, na China. Mas garante a segurança do abastecimento diante do crescimento das renováveis, só que com juros a 13,5%, grandes projetos estão descartados. Pequenos reatores modulares são menos intensivos em capital”, explica Nivalde de Castro, professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel).
Nivalde diz que a introdução dos Small Modular Reactor (SMR), como são mais conhecidos, pode ajudar a desenvolver uma cadeia produtiva no País, o que se alinha com a reindustrialização proposta pelo atual governo. A expectativa, informa, é de que a expansão da fonte seja oficializada no próximo Plano Decenal de Energia 2032 (PDE 2032).
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Da mesma visão compartilha o ex-presidente da Eletronuclear e atual assessor da presidência da ENBPar, controladora da usina hidrelétrica Itaipu e da Eletronuclear, Leonam Guimarães. Ele reforça que o maior obstáculo para a construção das usinas nucleares no Brasil é o custo do capital. Segundo ele, os pequenos reatores poderiam inclusive ser flutuantes e instalados próximos à outras usinas nucleares, e Angra dos Reis (RJ), para aproveitar a infraestrutura da central nuclear.
“Em vez de fazer uma usina de mais de 1 gigawatt (GW), como Angras 2 (1,3 GW) e 3 (1,4 GW), pode fazer quatro de 350 megawatts (MW) no mesmo local, fica mais econômico. Os primeiros 350 MW começam a gerar receita enquanto você está fazendo o segundo”, explica Guimarães. Para a construção de um pequeno reator o prazo estimado é de três anos, informa, bem abaixo dos mais de 10 anos das grandes usinas.
Uma história turbulenta
A energia nuclear no Brasil sempre foi um processo demorado, turbulento e muito caro. Desde os primeiros acordos com a Alemanha durante a ditadura, até os casos de corrupção na construção de Angra 3, a imagem da fonte energética ainda passou por episódios rocambolescos, como o anúncio da construção de uma usina por ano em 50 anos pelo ex-ministro Edison Lobão, em 2008. Mas pouca coisa saiu do papel. A partir do início da operação de Angra 2, em 2001, a geração de energia nuclear responde apenas por 1,66% de toda a eletricidade consumida no Brasil, e a fonte ainda vive o estigma de grandes acidentes no mundo, como os das usinas de Chernobyl (1986) e Fukushima (2011), os mais recentes.
A construção de Angra 3, interrompida por casos de corrupção em 2015, foi retomada no governo de Michel Temer e ganhou fôlego maior na gestão do almirante Bento Albuquerque, ministro de Minas e Energia de Bolsonaro e entusiasta da fonte. Com a troca pelo ministro Adolfo Sachsida, a sete meses do fim da gestão no ano passado, a área de energia nuclear do ministério foi praticamente desativada, atrasando novamente o processo.
A energia nuclear traz estabilidade ao sistema, em contraponto às intermitentes gerações de energia eólica e solar, duas fontes que dispararam em capacidade instalada no País. Outro argumento em defesa à continuidade do programa nuclear brasileiro é a futura produção de hidrogênio verde, que depende, no entanto, da classificação da energia nuclear como energia renovável, como pleiteia a União Europeia. No momento, o hidrogênio produzido pelas usinas nucleares ainda é classificado como rosa.
Apesar de não emitir gases poluentes, a geração de energia nuclear depende do urânio, que não é renovável, e de muita água para esfriar os reatores. Além disso, a questão dos resíduos radioativos ainda não foi solucionada. Estudos sobre outro tipo de combustível para alimentar as usinas nucleares estão em andamento, mas ainda não existe um substituto renovável conhecido para o urânio.
Por outro lado, o Brasil tem a 7ª maior reserva de urânio do mundo, com a produção do mineral retomada recentemente, em 2021, após cinco anos paralisada. Em 29 de dezembro do ano passado, o governo Bolsonaro sancionou a lei que permite a exploração pela iniciativa privada. Apesar da permissão, a Indústrias Nucleares do Brasil (INB) continua com o monopólio do mineral, como prevê a Constituição, e será responsável pela venda.
A diversificação do uso da tecnologia nuclear também está no radar do governo e pode atrair mais investidores para a área, de acordo com o presidente da Associação Brasileira de Atividades Nucleares (Abdan), Celso Cunha, que há décadas assiste as idas e vindas do setor nuclear no País. Ele também defende a implantação de reatores com potência máxima de até 300 MW, e alerta que o Brasil está dando passos muito lentos em relação à medicina nuclear, em crescimento no mundo inteiro, e da irradiação de alimentos, utilizada para conservação e que reduz o desperdício alimentar.
Em nota, o Ministério de Minas e Energia (MME) afirmou que está “estudando e analisando todas as questões referentes à energia nuclear no Brasil”. “As ações relacionadas ao tema serão divulgadas pela pasta, no momento oportuno”, disse.
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