Entenda o que é a DRU, medida que o governo quer usar para melhorar as contas públicas

Desvinculação de Receitas da União (DRU), no radar da equipe econômica, tem gerado menos de R$ 10 bilhões por ano e em nenhum cenário resolveria o problema das contas públicas, diz pesquisador do Ipea

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Foto do author Daniel  Weterman
Atualização:

BRASÍLIA – A Desvinculação de Receitas da União (DRU), medida estudada pela equipe econômica como opção para a revisão no Orçamento, se tornou pouco efetiva para desengessar as contas públicas. Trinta anos depois da criação do instrumento, as receitas desvinculadas caíram e acabaram sendo consumidas por despesas carimbadas e obrigatórias.

A equipe econômica do governo Lula estuda uma agenda de revisão de gastos que inclui uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para prorrogar a DRU, criada em 1994 e programada para terminar no fim deste ano. A desvinculação poderia auxiliar no impasse dos pisos de saúde e educação, que pressionam o arcabouço fiscal – se, contudo, trouxesse uma autorização para remanejar 30% dos recursos vinculados nessas duas áreas para outros lugares.

O que é a Desvinculação de Receitas da União (DRU)?

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A DRU tira 30% da arrecadação de determinadas taxas e contribuições e permite que o governo use o dinheiro livremente, e não apenas em despesas carimbadas naquela arrecadação. Taxas de inspeção cobradas por agências reguladoras, por exemplo, não ficam integralmente para esses órgãos, mas uma parcela se desvincula do destino original para compor o Orçamento da União e bancar as despesas gerais do governo.

Ao longo dos anos, alguns impostos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e o Imposto de Renda (IPI), e algumas contribuições, como o salário-educação, deixaram de sofrer impacto da DRU, diminuindo os efeitos da desvinculação. O tema voltou à pauta porque a medida tem prazo para acabar – 31 de dezembro de 2024 – e o governo discute o que fazer.

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Mais do que a mera prorrogação da DRU, está em estudo a reformulação do instrumento, com a possibilidade de desvincular parte dos recursos carimbados para saúde e educação. Atualmente, essas despesas são vinculadas à arrecadação, têm um mínimo que o Executivo é obrigado a gastar e não podem ser flexibilizadas pela DRU – ou seja, são blindadas.

Sem mudanças no instrumento, portanto, a prorrogação não teria impacto para liberar recursos no Orçamento, como deseja a equipe econômica.

Em 2022, a desvinculação liberou R$ 7,2 bilhões para o governo federal, de acordo com levantamento do pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Camillo Bassi. O valor entra em uma cesta de receitas livres da União, que também tem outros impostos não vinculados e que podem ser usados em qualquer despesa. Esse valor, porém, representou menos de 2% desses recursos naquele ano.

Só as despesas obrigatórias – ou seja, aquelas que o governo é obrigado a pagar, como salários e aposentadorias – consumiram R$ 399 bilhões da cesta de receitas livres em 2022. Os benefícios previdenciários ficaram com R$ 69,9 bilhões. Ou seja, a desvinculação foi totalmente absorvida por recursos obrigatórios e carimbados.

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Superintendência da Receita Federal, em Brasília.  Foto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil

A título de comparação, em 2017, a desvinculação liberou R$ 119 bilhões em recursos para a União, sendo responsável por 93% das receitas livres, porque reunia um conjunto maior de tributos federais. Em 2019, na reforma da Previdência, a DRU deixou de incidir sobre a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) – que tinha o maior peso sobre os recursos desvinculados.

“Em nenhum cenário, a Desvinculação de Receitas da União resolveria o problema do Orçamento hoje. A rigidez não está associada à excessiva vinculação de receitas, mas à abundância de despesas obrigatórias”, afirma o pesquisador. De tudo que o governo gasta, 93% vai para gastos rígidos, que o Executivo não pode deixar de pagar.

O cenário verificado em 2022 se repetiu nos anos seguintes. Em 2023, de acordo com levantamento do Estadão, a DRU gerou R$ 7,3 bilhões em recursos para a União. As despesas obrigatórias, por sua vez, consumiram R$ 511 bilhões da cesta de receitas livres naquele ano. Em 2024, o governo prevê arrecadar R$ 10,6 bilhões com a desvinculação, sendo que os gastos rígidos devem consumir R$ 609 bilhões dos recursos de livre aplicação.

Desvinculação na educação forçaria cortes em despesas obrigatórias, o que é proibido

Se afetasse os recursos da saúde e educação, a desvinculação de receitas poderia tirar recursos obrigatórios dessas duas áreas e levar o governo a descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), segundo o pesquisador do Ipea.

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O salário-educação, que reúne contribuições das empresas e é destinado para despesas do setor, ficaria com R$ 4 bilhões se fosse afetado pela desvinculação em 2023, sendo que as despesas obrigatórias financiadas com essa arrecadação somam R$ 5,6 bilhões. Uma delas é o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que sofreria cortes.

“Se desvincular uma receita que está vinculada a uma despesa obrigatória, ela vai ter de voltar. E, mesmo que esteja vinculada a uma parcela de despesas discricionárias (não obrigatórias, como investimentos e custeio da máquina pública), você vai cobrir um santo e descobrir o outro”, afirma Camillo Bassi.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comemorou o fim da incidência da DRU sobre o salário-educação em 2009, quando era ministro da Educação do segundo governo Lula. Na época, ela afirmou que o retorno da vinculação total dessa arrecadação iria universalizar a educação no Brasil.

Pisos da saúde e educação deixarão governo sem dinheiro para investir em outras áreas

Mantidas as regras atuais, os pisos deixarão o governo sem recursos para investir em outras áreas até 2028, como mostrou o Estadão. A equipe econômica chegou a estudar uma mudança nos gastos mínimos, mas o presidente Lula afirmou que não vai tirar dinheiro da saúde e educação. Especialistas apontam que o Executivo vai ter de escolher entre manter os pisos e manter o arcabouço intacto.

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O pesquisador do Ipea sugere que a União faça uma securitização da dívida ativa para conseguir receitas extras. A securitização envolve a venda do direito que a União tem para receber de credores a preços menores. Há um projeto em tramitação no Congresso que permite a realização dessa medida, alcançando também Estados e municípios.

No lado da despesa, o especialista afirma que os pisos de saúde e educação deveriam ter o crescimento limitado a 2,5% ao ano acima da inflação – seguindo a mesma regra do arcabouço fiscal. “Se saúde e educação ficarem mantidas às suas bases originais, a vinculação vai quebrar o arcabouço”, diz Bassi.

A redução de recursos, no entanto, é rejeitada por representantes dessas duas áreas. Se a limitação dos pisos estivesse em vigor, a saúde perderia entre R$ 20 e R$ 30 bilhões por ano, de acordo com o presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde, Francisco Funcia.

“Considerando que dois terços dos recursos são transferências para Estados e municípios, onde os serviços ocorrem, a medida puniria a capacidade de financiamento, por exemplo, das despesas com pessoal e sobrecarregaria as finanças locais”, afirma Funcia.

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Para ele, as despesas com os gastos mínimos deveriam ser retiradas do teto do arcabouço. A exclusão poderia ser compensada com a securitização da dívida, que renderia até R$ 150 bilhões para a União.

Procurados, os Ministérios da Fazenda e do Planejamento e Orçamento não se manifestaram.