COLLEGE STATION, Texas – Há exatamente uma década, a Amazon anunciou um programa com o objetivo de revolucionar a forma de fazer compras e entregá-las. Drones lançados de um polo central voariam pelos céus, entregando praticamente tudo que alguém pudesse precisar. Eles seriam rápidos, inovadores e onipresentes – todas as características da Amazon.
O anúncio entusiasmado feito por Jeff Bezos na TV durante a Cyber Monday, a segunda-feira após a Black Friday, chamou a atenção do mundo todo. “Sei que isso parece ficção científica. Mas não é”, disse Bezos, fundador e CEO da Amazon na época. Os drones estariam “prontos para participar das operações comerciais assim que as regulamentações necessárias estiverem em vigor”, provavelmente em 2015, disse a empresa.
Oito anos depois daquele prazo, a entrega feita por drones é uma realidade – mais ou menos – nos arredores de College Station, Texas, ao noroeste de Houston. Esta é uma grande conquista para um programa que teve seus altos e baixos ao longo dos anos e que perdeu muitos de seus primeiros líderes para projetos mais recentes e urgentes.
No entanto, a iniciativa atualmente é tão decepcionante que a Amazon só consegue continuar com as entregas por drones ativas presenteando as pessoas. Anos de trabalho de renomados cientistas e especialistas da aviação renderam um programa que transporta pastilhas contra mau-hálito ou uma lata de sopa – porém não ambos ao mesmo tempo – para os clientes como brindes. Se isso é ficção científica, está parecendo mais uma piada.
Uma década é uma eternidade na tecnologia, mas, mesmo assim, a entrega por drones não chega perto da escala ou da simplicidade dos vídeos promocionais originais da Amazon. Esta disparidade entre as promessas espetaculares e a realidade mundana acontece o tempo todo no Vale do Silício. Os carros autônomos, o metaverso, os carros voadores, os robôs, os bairros ou até mesmo as cidades construídas do zero, as universidades virtuais capazes de concorrer com Harvard, a inteligência artificial – a lista de promessas atrasadas e incompletas é longa.
“Ter ideias é fácil”, disse Rodney Brooks, empresário e roboticista, além de crítico frequente da propaganda exagerada das empresas de tecnologia. “Transformá-las em realidade é difícil. Torná-las reais e prontas para serem usadas em grande escala é ainda mais difícil.”
A Amazon disse em outubro que as entregas por drones vão chegar em lugares como a Grã-Bretanha, Itália e outra cidade não identificada dos EUA até o final de 2024. Entretanto, mesmo no limiar do crescimento, uma dúvida permanece: agora que os drones finalmente existem, pelo menos de forma limitada, por que achamos que iríamos precisar deles antes?
Dominique Lord e Leah Silverman vivem na região de College Station que recebe entregas por drones. Eles são fãs da Amazon e costumam fazer compras regulares para serem entregues no modo convencional. Os drones são outra história, mesmo o serviço sendo gratuito para os assinantes do Amazon Prime. Embora seja legal ter coisas literalmente pousando na entrada da sua garagem, pelo menos nas primeiras vezes, há muitos obstáculos para receber as compras dessa maneira.
Apenas um item pode ser entregue por vez. Ele não pode pesar mais de 2,260 kg. Nem ser grande demais. Além de não poder ser algo quebrável, já que o drone libera o item a uma distância de 3,6 m do chão. Os drones não podem voar quando está muito quente, ou ventando demais, ou chovendo bastante.
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Você precisa estar em casa para determinar o lugar onde a entrega deve pousar e garantir que ninguém pegue sua encomenda, ou que ela role para o meio da rua (o que já aconteceu com Lord e Leah). Entretanto, seu carro não pode estar na entrada da garagem. Permitir que o drone faça a entrega no seu quintal evitaria alguns desses problemas, a não ser que ele tenha árvores.
A Amazon também avisa aos clientes que a entrega por drones fica indisponível durante períodos de alta demanda do serviço.
Outro local de teste para a modalidade é Lockeford, Califórnia, no Vale Central. Em uma tarde recente, o polo de entregas de Lockeford parecia em grande parte inativo, com apenas três carros no estacionamento. A Amazon disse estar realizando entregas por meio de drones em Lockeford e marcou com um repórter do New York Times uma visita ao local. Assim como uma entrevista com David Carbon, o ex-executivo da Boeing que comanda o programa de drones. Depois, a empresa cancelou ambos sem qualquer explicação.
Uma postagem de 18 de outubro no blog da empresa afirma que os drones têm realizado “centenas” de entregas com segurança de utensílios domésticos em College Station desde dezembro de 2022 e que os clientes agora poderiam receber alguns medicamentos. Lockeford não foi mencionada.
Depois do interesse inicial de Silverman e Leah no programa de drones, a Amazon ofereceu US$ 100 em vale presentes em outubro de 2022 para que eles continuassem optando pelo serviço. No entanto, a modalidade só foi iniciada em junho deste ano e pouco tempo depois foi suspensa durante uma forte onda de calor, quando os drones não podiam voar.
Os incentivos, porém, continuaram chegando. Recentemente, o casal recebeu um e-mail da Amazon promovendo uma manteiga de amendoim que normalmente custaria US$ 5,38, mas seria “grátis”, enquanto durassem os estoques, se a entrega fosse feita por drones. Eles fizeram o pedido e, pouco tempo depois, um drone entregou uma caixa grande com um frasco pequeno do produto. A Amazon disse que “alguns itens promocionais” estão sendo oferecidos “como boas-vindas” ao serviço.
“Na verdade, não precisamos de nada que eles oferecem de graça”, disse Leah, 51 anos, escritora e cuidadora. “Os drones parecem muito mais um brinquedo do que qualquer outra coisa – um brinquedo que desperdiça uma quantidade enorme de papel e papelão.”
O clima do Texas causa estragos na entrega de itens importantes. Lord, 54 anos, professor de engenharia civil da Texas A&M, encomendou um medicamento, mas quando pegou o pacote, ele já tinha derretido. O professor universitário espera que os drones possam mais cedo ou mais tarde resolver problemas como este.
“Ainda vejo com bons olhos este programa, lembrando que está em fase experimental”, afirmou.
A Amazon disse que o serviço com drones vai melhorar com o tempo. A empresa anunciou um novo modelo de drone, o MK30, no ano passado e divulgou fotos dele em outubro. O MK30, que está previsto para começar a operar até o final de 2024, foi anunciado como tendo um alcance maior, a capacidade de voar em condições climáticas adversas e uma redução de 25% no “ruído percebido”.
Quando a Amazon começou a investir nos drones anos atrás, a varejista levava entre dois e três dias para enviar vários itens aos clientes. Ela tinha medo de ficar vulnerável aos possíveis concorrentes cujos fornecedores eram mais locais, entre eles o Google e o eBay. Os drones tinham tudo a ver com velocidade.
“Podemos fazer uma entrega em meia hora”, prometeu Bezos naquele anúncio na TV.
Durante um tempo, os drones foram a próxima grande novidade. O Google criou seu próprio serviço de drones, o Wing, que agora opera para o Walmart na entrega de itens em regiões de Dallas e Frisco, no Texas. As startups receberam verbas; cerca de US$ 2,5 bilhões foram investidos entre 2013 e 2019, de acordo com o Teal Group, uma consultoria aeroespacial. O capitalista de risco veterano Tim Draper disse em 2013 que “tudo, da entrega da pizza até as compras pessoais, poderia ser entregue por drones”. A Uber Eats anunciou a entrega de comida por drones no fim de 2019. O futuro estava em alta e nas alturas.
A Amazon começou a pensar a longo prazo. A empresa idealizou e conseguiu uma patente para um veículo de reabastecimento de drones que pairaria no céu a cerca de 13 quilômetros de altura. Isso fica acima dos aviões comerciais, mas a Amazon disse que poderia usar os veículos para entregar refeições quentes aos clientes.
No entanto, na prática, os avanços foram lentos — às vezes por razões técnicas e outras devido ao DNA corporativo da empresa. A mesma confiança agressiva que criou um negócio de trilhões de dólares prejudicou os esforços da Amazon para trabalhar com a Administração Federal de Aviação (FAA, na sigla em inglês).
“A postura deles era: ‘Somos a Amazon. Vamos convencer a FAA’”, disse um ex-executivo do setor de drones da varejista, que pediu anonimato porque não estava autorizado a se manifestar publicamente sobre o tema. “A FAA quer que as empresas cheguem com grande humildade e transparência. Esse não é um ponto forte da Amazon.”
Uma questão mais complicada era fazer a tecnologia ser segura não apenas na maior parte do tempo, mas o tempo todo. O primeiro drone que pousasse na cabeça de alguém ou decolasse agarrando um gato poderia fazer com que o programa atrasasse mais uma década, principalmente se isso fosse filmado.
“Parte do DNA da indústria de tecnologia é realizar coisas que você nunca pensou que conseguiria”, disse Neil Woodward, que atuou como gerente sênior do programa de drones da Amazon durante quatro anos. “Mas a verdade é que as leis da física não mudam.”
Atualmente aposentado, ele passou anos no programa de astronautas da NASA antes de migrar para o setor privado.
“Quando você trabalha para o governo, há 535 pessoas no conselho de administração” — disse ele se referindo ao Congresso — “e uma boa parte delas quer acabar com suas verbas porque têm outras prioridades”, afirmou. “Isso torna as agências governamentais muito avessas ao risco. Na Amazon, eles dão muita corda e você pode acabar agindo impetuosamente.”
No fim, o que é necessário é existir um mercado. Como disse Woodward, usando um velho clichê do Vale do Silício: “Cães gostam da ração que produzem? Às vezes não”, referindo-se à prática das empresas de tecnologia conhecida como “dogfooding” de estimular os funcionários a experimentar os produtos que desejam lançar para ter a experiência do consumidor e entender o que precisam melhorar.
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